Pesquisadores investigam se a poluição pode ter relação com a morte de árvores da espécie siriúba em uma área que corresponde a cerca de 800 campos de futebol no manguezal da Baía da Babitonga, em Joinville. A suspeita ganhou força depois que parte da vegetação, desfolhada pela ação de uma lagarta no ano passado, não se regenerou e continuou seca.
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O desequilíbrio ambiental preocupa, principalmente porque esse ecossistema é considerado o berçário da vida marinha e porque o mangue da Baía da Babitonga compreende 75% do total existente no Estado. São 80 quilômetros quadrados de manguezal e outros 160 quilômetros quadrados de lâmina d’água na baía, que é margeada pelos municípios de Joinville, São Francisco do Sul, Itapoá, Garuva, Araquari e Balneário Barra do Sul.
O desfolhamento foi registrado em meados de janeiro de 2016 no popularmente conhecido mangue-preto, uma das três espécies de árvores que formam o mangue na região Norte catarinense. Na época, foi constatado que a perda das folhas foi provocada pela infestação de uma mariposa exótica migratória, que se alimenta desse tipo de vegetação. Passados quase dois anos, a maior parte das plantas conseguiu se regenerar sozinha, mas uma parcela importante de cerca de 800 a mil hectares, ainda não dá sinais de recuperação.
Acúmulo de poluentes no maior polo industrial de Santa Catarina
Ambientalistas acreditam que nesses pontos, localizados nos manguezais rentes a bairros como Comasa, Espinheiros, Boa Vista e Guanabara, em Joinville, outro fator colabora para o não renascimento das folhas. O mais provável deles, segundo o doutor em engenharia florestal, Ricardo Kilca, que estuda o mangue da região, é a poluição. Em Joinville, 80% das plantas do mangue são da espécie afetada.
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– Em princípio, acreditou-se que fosse apenas decorrente da ação dessas lagartas e, com a saída delas, as plantas começaram a se regenerar naturalmente. Mas em alguns trechos de Joinville ela não voltou a nascer. Em todo o mundo, este seria o primeiro registro de morte provocada pela ação das lagartas, mas em contato com pesquisadores internacionais, eles têm certeza de que a morte do mangue não é provocada pela mariposa, e sim por conta da poluição ambiental – defende Kilka.

Para o pesquisador, com essa informação de que a mortalidade das avicennias nessas áreas está relacionada à contaminação ambiental, é preciso descobrir qual agente provocou o desequilíbrio. Segundo ele, a Universidade da Região de Joinville (Univille) está em busca de recursos para viabilizar a descoberta do tipo de poluente e até o final do ano pode haver resultados.
– O que vamos buscar agora é entender por que essas siriúbas morreram, se por causa do acúmulo da poluição ao longo do tempo ou se alguma empresa jogou ali algum poluente adicional recentemente que provocou essas mortes. É isso que vamos investigar agora para se ter uma resposta – completa ele.
A hipótese também é considerada pelos biólogos Fabiano Grecco de Carvalho, do Grupo Pró-Babitonga (colegiado multissetorial para gestão socioambiental do ecossistema Babitonga), e Diogo Augusto Moreira, do Instituto Conservação Marinha do Brasil (Comar). Carvalho destaca que diante das possibilidades avaliadas, o fator poluição ganha força porque nas outras situações o manguezal desfolhava e tornava a brotar e, em Joinville, devido a alguma fragilidade, não regenerou.
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– Essa associação com a poluição também ocorre porque temos aqui o maior polo industrial do Estado, a cidade mais populosa e apenas 30% de saneamento básico. Então isso pode ser reflexo de uma atividade que não aconteceu agora, até porque, desde a década de 1980 para cá, os sistemas de monitoramento e de tratamento de efluentes das indústrias está muito mais avançado e algumas pessoas reconhecem que a poluição vem diminuindo. Só que pode ser resultado de um acúmulo de algum poluente que vem lá da década de 1960, 1970 — salienta o biólogo.
Área é fonte de vida para espécies ameaçadas de extinção
Um diagnóstico perceptivo feito pelo Grupo Pró-Babitonga identificou os serviços ecossistêmicos do manguezal como os mais importantes para os usuários diretos do ecossistema da Babitonga (pescadores, maricultores, operadores de transporte aquaviário, mineração e turismo e lazer), seguido da qualidade do ar e da água e da quantidade e qualidade do pescado.

A importância do mangue é demonstrada pela prestação de vários serviços como “sequestro” de carbono, estabilização da linha de costa, retenção de matéria orgânica. O manguezal ainda é responsável por gerar renda para comunidades pesqueiras e servir de ambiente para a reprodução, crescimento e alimentação de diversas espécies da fauna marinha.
A rica biodiversidade do local compreende inúmeras espécies, entre elas algumas ameaçadas de extinção, como a toninha, o boto-cinza, o pássaro guará e os peixes mero e garoupa. A ameaça pode se intensificar nos trechos onde há descontrole ambiental. Entre os reflexos negativos nas áreas em que o mangue está seco, por exemplo, está ainda a redução do alimento necessário para os caranguejos – que se alimentam das folhas caídas das árvores.
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Conforme Ricardo Kilca, mesmo no mangue que já estava considerado morto, uma área mínima (5% do total degradado) conseguiu rebrotar. Um pequeno alento diante do fenômeno que, se não revertido, também pode provocar uma reação em cadeia que atinge tanto o controle animal quanto a manutenção das comunidades de pesca. As seis colônias de pesca artesanal da baía reúnem cerca de três mil pescadores cadastrados.
A importância da preservação do mangue para a subsistêcia dos produtores também é refletida em estimativas do Projeto Babitonga Ativa: 80% das espécies de interesse comercial da pesca dependem, em algum momento do seu ciclo de vida, de regiões estuarinas como o mangue.
Árvores mortas são risco para pescadores
Sidiclei Eduardo Müller e Ivanildo da Silva pescam peixes e capturam moluscos e crustáceos de forma artesanal na região da Lagoa do Saguaçu e no bairro Espinheiros. Segundo eles, a paisagem começou a mudar há três anos. O verde das árvores deu lugar ao cinza e hoje as raízes e os galhos estão sem vida.

— Era tudo verde, era até bonito de ver. E ficou um cenário muito diferente, essa parte do mangue morreu (Rua Agostinho dos Santos – Espinheiros), mas em algumas partes, novas árvores estão brotando devagarinho — diz Ivanildo.
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Apesar da mudança visual, os impactos na fauna ainda são pouco perceptíveis. Sidiclei conta que a quantidade de caranguejos diminuiu e os animais migraram para áreas verdes do mangue, já os peixes não se afastaram. Em contrapartida, as árvores mortas viraram obstáculos aos pescadores.
— Elas secaram e as mais velhas caem. Às vezes, quando o cara vai andar no mangue e encosta nos galhos (secos), corre o risco de cair porque eles quebram. Acho que essas árvores não renascem mais.
Mesmo distante da área atingida, a situação preocupa quem depende do mangue nas cidades vizinhas. Samuel Magno da Rocha, 44 anos, pesca desde os seis na Ribeira, em São Francisco do Sul, área onde apenas 5% da vegetação foi comprometida. Ele lembra de ter visto a lagarta em 2014, mas que as árvores tornaram a brotar. Com o desfecho inesperado em Joinville, porém, acredita que todo o ambiente da Babitonga sofre.
— Toda a baía é afetada e as consequências podem ser muitas. Só vai ter vida marinha onde tem vida no mangue — diz o pescador.
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Recuperação pode demorar décadas
A avaliação entre os ambientalistas é unânime: a recuperação das áreas em que há o desequilíbrio ambiental é cara, pode demorar décadas e depende do comportamento do próprio ecossistema. Para Fabiano Grecco de Carvalho, apesar de ainda não haver respostas concretas, nem prazo para que as árvores se recuperem, é importante frisar que o ecossistema continua vivo.
— Apesar de estar degradado, ainda é um manguezal, e o que temos são algumas manchas onde a vegetação morreu. Mas o ecossistema continua vivo — diz.

No momento, a preocupação maior dos biólogos é a busca por alternativas para manter o que está vivo e estimular as áreas que foram degradadas. Umas das frentes de preservação é evitar possíveis ocupações nas áreas que secaram.
— Isso tem que ser chamado a atenção porque são áreas degradas, mas elas continuam sendo mangue e área de preservação permanente — sintetiza.
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Um dos caminhos de proteção é a conscientização. Essa é a aposta mais viável para que o próprio manguezal atingido consiga se regenerar, acredita Diogo Augusto Moreira:
— A recuperação tem um custo muito caro e não há garantia, então o investimento maior deve ser na preservação. Isso inclui parar de jogar lixo, tratar o esgoto, cobrar os governantes por políticas públicas de preservação e não poluir. É fundamental começar essa educação ambiental com os pequenos e trabalhar a questão também em casa. Se parar de degradar, volta a se regenerar naturalmente.
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