O Senado chileno aprovou, na madrugada desta quarta-feira (19), a descriminalização do aborto terapêutico e em caso de estupro, deixando o projeto impulsionado pela presidente Michelle Bachelet a um passo de se tornar lei.
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Depois de horas de tenso debate e de mais de dois anos de tramitação, os senadores aprovaram a descriminalização do aborto em caso de risco de vida para a mãe (20 votos a favor, 14 contra), inviabilidade do feto (19 contra 14) e estupro (18 contra 16).
O texto segue agora para a Câmara dos Deputados, onde poderá ser sancionado, retirando o Chile de uma ínfima lista de países que não permitem essa prática em situação alguma.
“É uma manhã histórica”, comemorou a presidente. “Além de garantir que cada um possa ter uma opinião pessoas, o que este projeto permite é que sejamos um país onde as mulheres, diante de tais situações, possam tomar a melhor decisão possível”, considerou Bachelet.
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Apenas 10 países no munto (entre eles Nicarágua, El Savador e República Dominicana) proíbem o aborto em todas as suas formas.
“Foram aprovadas as três causas (…) é uma grande contribuição para a história do Chile”, declarou à AFP a porta-voz da Corporação para os Direitos Sexuais e Reprodutivos (Miles), Claudia Dides, minutos depois da votação que arrancou os aplausos dos apoiadores do projeto nas arquibancadas do Congresso.
O debate continuava para definir os pontos-chave do projeto, como o alcance da objeção de consciência e o envolvimento dos pais no caso de menores de idade, entre outros.
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Faltando quatro meses para a eleição presidencial, a presidente decidiu fazer avançar o projeto em caráter de urgência para garantir sua tramitação antes do final de seu mandato, em março de 2018.
Mais cedo, foi possível vencer o primeiro obstáculo para a votação, ao se rejeitar – por um voto – a proposta do presidente do Senado, o governista Andrés Zaldívar, que buscava não considerar legalmente como um aborto a intervenção médica para interromper a gravidez em caso de risco para a mãe.
A proposta de Zaldívar – dos democratas-cristãos – “foi uma traição ao governo da presidente”, disse à AFP Claudia Dides.
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– Debate ao limite –
O debate começou às 16h (17h, horário de Brasília), mantendo o tom polêmico e polarizado que teve desde que chegou ao Congresso.
“É um ato de crueldade não permitir que as mulheres decidam. Acredito que uma mulher sempre deve decidir sobre sua vida”, declarou o senador oficialista Guido Girardi, em sua primeira intervenção.
Na oposição, a senadora de direita Ena Von Baer disse que “o feto não é uma coisa, é um ser humano e tem os mesmos direitos e dignidade da mãe”.
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A oposição de direita anunciou que enviará o projeto para o Tribunal Constitucional, considerando que viola a proteção da criança não nascida.
Durante o debate, militantes religiosos tiveram de ser expulsos das instalações do Congresso pela polícia, após interromperem as discussões com gritos.
Desde que Bachelet lançou o projeto em janeiro de 2015, quando contava com altos índices de popularidade, o texto foi alvo de forte oposição pelos setores conservadores.
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Oficialmente, no Chile, são registrados cerca de 30.000 abortos provocados ou espontâneos por ano. Calcula-se que as interrupções clandestinas possam chegar a 160.000.
Até 1989 e por mais de 50 anos, o aborto era permitido no Chile em casos de perigo para a mãe, ou de inviabilidade do feto. Antes de deixar o poder, o ditador Augusto Pinochet (1973-1990) proibiu a prática.
No Twitter, a hastag #apoyo3causales virou o assunto mais comentado no Chile em apoio ao projeto de Bachelet.
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Pediatra de profissão, a presidente lançou em seu mandato anterior (2006-2010) o projeto de distribuição de pílulas do dia seguinte, desafiando os grupos conservadores e em sintonia com a maior parte da população chilena – cerca de 70%, segundo pesquisas – que aprova tais iniciativas.
* AFP