Em uma casa de alto padrão de dois andares com área interna no Pio Corrêa, bairro nobre de Criciúma, Rogério Cizeski, 53 anos, recebeu a equipe do Diário Catarinense na segunda-feira. Na sala de visitas, acompanhado pela esposa, um funcionário da casa, o advogado e um assessor de imprensa, falou por quase duas horas sobre a Criciúma Construções.
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Criciúma Construções: conheça a história de quem foi do topo à derrocada
Nesta quarta-feira ele divulga uma carta à imprensa como estratégia para voltar à empresa: “Optamos primeiro por entrar na mídia, degrau por degrau”. No documento, ele fala sobre o processo de recuperação judicial e sua trajetória na empresa. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Como uma empresa considerada sete vezes a maior do sul do país foi do topo para a atual situação?
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O mercado de construção civil dependia dos bancos. E a Criciúma Construções fez um plano para financiar diretamente o cliente. Foi aí a besteira. Quando começamos, há 20 e pouco anos, iniciamos o plano de financiamento direto com 10 anos de prazo. E isso foi copiado por outras construtoras. Somou-se a isso também o crescimento da construção civil nos últimos 13, 14 anos. Antes, o setor estava estacionado. O mercado não pensava que iríamos entrar em uma crise dessa. O momento ruim começou já em 2011, quando a inadimplência ficou muito alta. Como a gente não construía apenas, mas também financiava, a situação se complicou demais. A gente fez mais de 100 prédios e 20 loteamentos, além de áreas industriais aqui no Sul do Estado. Tudo isso com recursos da própria construtora.
Como funcionava?
O cliente vinha, comprava e ficava pagando para a construtora. Não ia a banco. Fiz porque eu tinha um grupo de empresas, com a Resicolor, Criciúma Construções e uma financeira. Eu vendi as outras e fiquei só com a construtora. Injetei capital para fazer financiamento ao cliente. Foi copiado por muitas construtoras, aqui no Sul do Estado se financia muito sem intermédio de bancos. Em 2011, a inadimplência aumentou. E você não retoma um imóvel em um dia, nem em um mês, nem em um ano. Para dizer a verdade, acho que retomamos só um imóvel até hoje. Um banco tem condições de suportar isso, mas uma construtora não. E aí veio tudo, a crise, o ataque geral, o atraso de obras. Foi muito rápido. A empresa previa crescimento de 20% a 30% ao ano. Então, passou a sentir a inadimplência e a crise.
Não era hora de rever o planejamento?
É que nesse momento eu fui atacado violentamente. A Justiça pediu para que as pessoas não pagassem a Criciúma Construções. Havia notícias, alertas na televisão, rádio. Fiquei com uma inadimplência de 90%. Não tem como tocar obra. Fui obrigado a parar.
O senhor não se arrepende dessa ambição tão grande?
Não. O mercado estava comprador. Era uma loucura. Passei por muitas crises, criei mais de 100 empresas. Sempre pegava a crise e conseguia passar por ela. Essa não deu. Por quê? Porque não dependia só de mim. Como era uma empresa que estava no topo, muita gente ajudou a destruir. Eu não consegui vencer. Mas se eu tivesse como ficar à frente da empresa, hoje eu tenho certeza que ela estaria muito melhor. A gente tinha uma equipe focada para isso. Tinha transferido 14 empreendimentos para as associações de proprietários e havia outros 10 contratos praticamente prontos. Era tudo muito organizado, e eles venderam a imagem que era uma bagunça.
O senhor está dizendo então que o Ministério Público, Justiça e administradores estão mentindo nesse processo todo?
Não. Mas se você falar só em passivo de uma companhia, você está mentindo. Porque toda empresa, por mais quebrada que esteja, tem pelo menos R$ 10 mil de ativo. Não tenho um real de ativo? Só fiz dívida? Não estou dizendo que eles estão mentindo, acho que eles pegaram uma planilha errada, talvez, para mostrar.
Qual o ativo da Criciúma Construções?
Na minha época, era R$ 1,092 bilhão de ativos e contas a receber. Hoje é outro número. Não tenho o número porque não estou lá dentro.
O administrador judicial diz que a empresa não tinha contabilidade há oito anos. Era isso mesmo?
Contador tinha, era mais de um, ainda. Mas em uma empresa, tu tem que ficar em cima direto. Na parte de contabilidade, eu tinha um administrador e se não ficar no pé… Fui em quatro ou cinco reuniões e nunca me mostraram um documento. Tudo tem que ter documento. Quando falo em fluxo de caixa, o fluxo está aqui (mostra uma planilha com números).
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E os outros crimes que o MP alegou que o senhor praticou, como lavagem de dinheiro. O senhor inclusive foi preso. O que tem a dizer sobre isso?
Eles (MP) vieram duas vezes aqui para revirar minha casa toda. Queriam achar meu passaporte, que nunca tive, nunca saí do Brasil. Até tenho pavor de andar de avião. Financiei essa casa aqui em 2011 e botei o dinheiro dentro da empresa. Tu acha que alguém que quer lavar dinheiro vai colocar a própria casa no fogo? Financiei R$ 1,2 milhão dessa casa. Tudo está comprovadinho. Os meus carros são todos financiados. Era muito boato, mentira e fofoca.
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Qual era o seu plano para recuperar a construtora?
Transferir os empreendimentos para os clientes. Só tinha esse jeito. Em abril de 2015, havia obras em andamento. Algumas delas, as pessoas não queriam levar. Mas eles pagavam R$ 457 por mês, e a gente estava tocando. O caminho é transferência.E como o senhor teria receita para a empresa?A empresa tem receita. Hoje ela tem R$ 10 milhões na conta, mas não sei onde está o dinheiro. Mas tem.
E do que é esse valor? Venda de obra?
Financiamento. A empresa entregou 100 obras e financiou. Vendi a parte do Cecomtur (hotel em Florianópolis) para pagar as dívidas trabalhistas. Só numa cobrança, entrou R$ 6 milhões. Sem fazer cobrança, sem nada, a empresa tem dinheiro hoje. A construtora hoje tem condições de tocar 40 obras? Não tem. Ela suporta hoje no máximo 20. Ela tem que sair dos empreendimentos e ficar com 20 obras.

A marca Criciúma Construções, como construtora ativa, terminou?
Não. Tem marca, é registrada. Mesmo na crise houve compradores interessados na empresa, eu que optei por não vender. Estava até com o contrato pronto para a venda. Não me interessei em vender e nem me interesso. Talvez eu não faça mais nenhum prédio, mas eu quero terminar o que está aí. Não vou deixar de entregar um imóvel, para ninguém. Até porque eles podem vir e levar o imóvel, desde que paguem para eles mesmos. Em 2014, foram demitidos 400 funcionários da construtora. Os trabalhadores reclamam que saíram de mãos abanando.Eles pegaram FGTS e salário-desemprego. E eu falo com muitos deles. Só entraram na Justiça porque o sindicato entrou. Mas tenho um relacionamento muito bom com eles.
Mas o senhor tinha condições de pagá-los na época?
Não tinha. Comecei a pagar a primeira prestação em março. Eu tentei entrar em acordo, mas eles (sindicato) fizeram de tudo para eu não pagar. Eles queriam R$ 600 mil, mas esse valor com aquele fluxo de caixa eu não poderia pagar. Eu ofereci 200 e poucos mil reais e até paguei. Me afastaram e ficou como está. Hoje converso com vários funcionários, tenho alguns tocando as maiores obras de Balneário Camboriú. Resumindo: tem funcionário que diz que, se eu voltar, quer voltar a trabalhar comigo. Eu ando normalmente (na rua). Só não ando mais porque, às vezes, dá até ânsia de vômito, é muito mentiroso na rua.
Você consegue sair na rua tranquilo?
Se eu for no mercado, não consigo fazer compras, de tantas pessoas que vêm conversar comigo. Quando vou no mercado, quem faz as compras é ele (aponta para um funcionário da casa). É no mercado que eu mais vou. Aprendi até a virar cozinheiro. Algumas pessoas vêm aqui e dizem que o projeto delas não foi resolvido, que antes eu atendia elas na construtora. O país hoje está indo para uns 17%, 18% de desemprego e não vai parar por aí. O problema é que quem tem dinheiro não está comprando. Temos 60 milhões de pessoas no Serasa. A crise vai continuar.
As pessoas que compraram os apartamentos e estão revoltadas, o senhor não entende como normal?
Eu também tenho (revolta) porque não recebi. Eles perderam um apartamento, eu perdi uma empresa.Mas tem gente que pagou…Só 10% pagou. Se ele for na associação de proprietários, pode buscar uma solução. Por exemplo, ao lado do Detran, em Criciúma, tem o melhor terreno da cidade, que por sinal eu comprei muito bem. Ali, a obra está parada. Custa R$ 23 milhões para finalizar. Há R$ 27 milhões de contas a receber que estou transferindo para eles. Eles perderam alguma coisa? Não perderam nada, vão ganhar. Mas se contratarem a obra por R$ 30 milhões, vão perder R$ 3 milhões.
Como o senhor tornaria a empresa rentável novamente?
Compensa para a empresa hoje transferir os projetos para as associações de proprietários. Se você tocar hoje uma obra daquelas, vai entrar na mesma inadimplência e se ferrar de novo. Mesmo com mais contas a receber. Porque precisa despressurizar.Se hoje o senhor colocasse um apartamento da Criciúma Construções para vender, venderia?Não, não vende nada da Criciúma. Só vende terreno. Mas não quero vender mais projeto, quero terminar o que tem, passar para as pessoas.
E pensa em fechar a empresa?
Talvez ficar com algum loteamento. No cenário de hoje, ter 2,5 mil funcionários como eu tinha, é um absurdo, loucura. Não se pode mais pensar nisso. Não sei como construí 100 prédios. Não sei como consegui forças, comecei com 30 anos.
Por que o senhor pediu à Justiça ajuda de custo de alimentação?
Porque não tenho salário, tenho quatro filhos. Foi prometido pelo juiz na primeira instância, mas foi negado depois. Nesses 18 meses, estamos passando uma situação muito difícil. A gente não tinha outras empresas, era tudo junto. Caixa dois, dinheiro no exterior, casa em Miami, tudo isso está no meu processo. Eu nem conheço Miami. A minha casa de praia vendi para colocar na construtora. Tu acha que algum idiota faz isso? Só eu como idiota que fiz. Coloquei em risco a minha família, estamos passando por uma situação e vamos continuar. Dizer que não aprendemos? Aprendemos muito. Ninguém vai viver o que eu vivi. Eu achava que a empresa era a minha. Fui ver, me tomaram.
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Recuperação judicial quer garantir a retomada da construtora
O senhor sentiu que lhe tomaram a construtora?
Eu vou recuperá-la. Tenho 30 anos dentro da mesma empresa, ela tem 20 anos de construção e 10 anos de ramo imobiliário. Montei a Resicolor, o hotel Cecomtur. E aí um dia alguém chega e diz: ¿Tu não vai mais para a tua empresa¿. E pensa que daqui a dois meses tu vai voltar, mas dizem: ¿Tu não vai.¿E acha que volta para a empresa?Volto e resolvo tudo. Tudo, tudo. Quero andar na rua… Eles me prometeram, em março, que resolvem e entregam. Então vou levando.O que o senhor tem feito neste ano?Plantado alface (risos)… Tenho cuidado dos meus processos. Uma ou duas horas por dia pinto a casa, ajeito as coisas. Só não tenho ficado parado. Tenho conversado bastante com o advogado e trabalhado de 10 a 12 horas por dia, acompanhando. Sumi também da mídia.
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Pretende voltar a trabalhar?
Pretendo voltar para a construtora. Esse ano talvez não. Ano que vem, devo voltar para a construtora. Não fiz nada (judicial) ainda para dar um tempo. Eles (administradores judiciais) não resolviam tudo? Então vamos esperar.
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