Virou um confronto político-ideológico. De um lado, simpatizantes do governo e entusiastas da ascensão social. De outro, críticos dessa forma de mobilidade social.

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O título deste editorial contém um debate nacional envolvendo ascensão social, igualdade, preconceito e intolerância. Ele surgiu na semana passada, como legenda de uma foto que a professora universitária Rosa Marina de Brito Meyer, da PUC-Rio, tirou no aeroporto do Galeão e postou na sua conta de Facebook. Na imagem aparecia um homem de bermuda e camisa regata, sentado em uma cadeira, aparentemente aguardando o momento de entrar no avião.

Em adendo à postagem, outros comentários irônicos foram feitos na rede social, alguns deles referindo-se claramente à suposta condição social do passageiro, ao seu modo de vestir e até a um provável comportamento inadequado. “O pior é quando esse tipo de passageiro senta exatamente ao seu lado e fica roçando o braço peludo no seu” – comentou uma colega da professora. O diálogo escancaradamente preconceituoso suscitou contestações igualmente contundentes e a discussão acabou se espalhando pela internet, chegando à página da personagem Dilma Bolada, que usa humor e irreverência para defender a presidente.

Virou um confronto político-ideológico. De um lado, simpatizantes do governo e entusiastas da ascensão social de pessoas beneficiadas pela estabilidade e pelos programas de distribuição de renda. De outro, críticos dessa forma de mobilidade social e pessoas incomodadas com a popularização do acesso a produtos de consumo que eram exclusividade da elite. Descontada a voltagem excessiva de alguns comentários, o debate é saudável e necessário para a compreensão do atual momento do país e para a construção de uma sociedade mais humanitária e tolerante.

Embora algumas pessoas torçam o nariz para os emergentes, é muito bom para o Brasil que habituais passageiros de ônibus possam viajar de avião, porque isso movimenta a economia, abre oportunidades de trabalho e amplia os horizontes culturais dos viajantes. Mais igualdade significa também mais democracia. Ainda há um longo caminho a trilhar para que a distância entre ricos e pobres diminua a ponto de garantir uma sociedade igualitária, como nas nações desenvolvidas. Mas a ampliação da parcela de brasileiros com renda suficiente para se alimentar bem, para garantir estudo aos filhos e até mesmo para viajar a lugares distantes representa, sem dúvida, um passo no caminho do desenvolvimento.

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A professora pediu desculpas públicas pela postagem infeliz, tanto à pessoa retratada quanto a outros que se sentiram ofendidos ou atingidos por seu comentário. A melhor maneira de avançar nesse episódio é acreditar que ela está sendo sincera e que, daqui por diante, não apenas terá mais cuidado em suas manifestações, mas também revisará seus julgamentos sobre aparências e diferenças. De qualquer maneira, o debate mostra claramente que os brasileiros precisam se dedicar mais ao exercício da tolerância.