Advogados e especialistas em Direito de Santa Catarina se dividem ao avaliar a operação com aval do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que fez buscas em endereços de empresários bolsonaristas após trocas de mensagens sobre suposto golpe de Estado em caso de vitória de Lula nas eleições de outubro.

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Hang e outros empresários são alvos de ação da PF por supostas mensagens golpistas

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As ações tiveram como alvo oito empresários, incluindo os catarinenses Luciano Hang, da Havan, e Marco Aurélio Raymundo, o Morongo, da Mormaii. Entre as medidas solicitadas pela Polícia Federal e autorizadas por Moraes estavam a busca de celulares, a tomada de depoimentos, o bloqueio de contas bancárias e de redes sociais. As mensagens que deram origem à operação foram divulgadas na semana passada, pelo portal Metrópoles.

O caso repercutiu ao longo da semana devido à reação de setores da sociedade às medidas adotadas. Em entrevista à colunista da NSC, Dagmara Spautz, Luciano Hang negou risco de golpe, defendeu a livre expressão e definiu o fórum dos empresários no Whatsapp como “grupo de velhinhos”. O presidente Jair Bolsonaro (PL) questionou se “é proporcional” a adoção de medidas como o bloqueio de contas dos empresários. Em SC, a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Florianópolis liderou uma carta com assinatura de 91 entidades questionando as medidas, sob o título de “Opinião ainda não é crime”.

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Entre advogados e especialistas de SC, o tema é controverso. A presidente da Comissão de Direito Penal e da Advocacia Criminal da OAB de Santa Catarina, Daisy Cristine Neitzke Heuer, afirma que não é possível analisar a legitimidade da ação pelo fato de que o teor da autorização de Moraes e também do pedido da Polícia Federal feito ao STF para a operação ainda não serem públicos. Esta é uma dificuldade apontada por outros juristas para uma análise mais ampla do caso. A decisão está em segredo de Justiça para não prejudicar as investigações.

Mesmo assim, a especialista faz uma ressalva de que a Procuradoria-Geral da República alega não ter sido provocada para se manifestar antes da decisão, o que costuma ser o rito adotado na Justiça. Esses pontos, frisa Daisy, só poderão ser conhecidos com a divulgação das peças. Apesar disso, a advogada afirma que, considerando o que foi divulgado das mensagens na imprensa, pode-se apontar possível prática de crime contra o Estado de direito, o que justificaria ações como as adotadas na operação desta semana. Segundo ela, a liberdade de expressão “não é absoluta” e o que foi divulgado das postagens em referência a um golpe “vai além do que se possa dizer como opinião”.

– Essas medidas cautelares de busca e apreensão são autorizadas com a possibilidade de indício de crime. Então, eu visualizo indícios de crime que legitimam essas ações do Supremo Tribunal Federal, mas levando em consideração pontos como será que houve manifestação da Procuradoria ou não houve? Será que lá dentro [do STF] seguiu os trâmites normais? – pondera.

“Medidas investigativas”, diz professor da UFSC

O professor de Direito Processual da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Matheus Felipe de Castro, diz que as medidas cautelares cumpridas esta semana são etapas investigativas justamente para verificar se existe ou não a ocorrência de crime.

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– Quando se diz “não tem crime, é só uma opinião”, é preciso dizer que não chegamos ainda à fase de dizer se há crime ou não. O que vai dizer são as provas colhidas na investigação e nas medidas cautelares – avalia.

Ele cita conceitos como a “fumaça do bom juízo” (fumus boni juris), que costuma embasar decisões como as desta semana.

– Tecnicamente existem empresários debatendo um golpe de Estado, e isso não é negado por ninguém. Eles falam até que o golpe já devia ter sido dado. A partir do momento em que estão discutindo golpe, tem a “fumaça do bom direito” – analisa.

Sobre medidas como o bloqueio de contas terem sido exageradas, como apontam alguns dos críticos das medidas, ele também afirma que essa análise depende do conteúdo do inquérito, que ainda não é conhecido.

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– No criminal, é caso a caso. E ninguém conhece o processo. Teoricamente, são medidas que existem para fazer a investigação – aponta.

Operação que mira Hang e Morongo foi tratada como sigilo absoluto na PF

Parte dos especialistas vê medidas “extremadas”

O advogado criminalista e presidente da Associação de Advogados Criminalistas de Santa Catarina (Aacrimesc), Deivid Prazeres, diz que o fato de o STF desta vez ter autorizado as medidas, e não determinado elas de ofício, representa que o procedimento parece ter sido correto. No entanto, ele vê com ressalva a extensão das medidas adotadas.

– Pelo que nos parece, houve certa desproporcionalidade por conta da decisão. Talvez não precisaria chegar a esse extremo – avalia.

O advogado criminalista Ricardo de Proença também pondera que o sigilo sobre as decisões dificulta uma análise mais ampla, mas considera “bastante agressivas” e “extremadas” as medidas da operação desta semana.

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– Há que se ter indícios fortes o suficiente para que sejam decretadas ações deste tamanho. Meras mensagens em grupo de ‘Whats’ não são suficientes para que se deflagre operação tão incisiva como foi feito – avalia.

Na avaliação dele, para que houvesse medidas como as adotadas seria necessário uma grande incitação de pessoas para um golpe, que realmente ameaçasse a ruptura do sistema atual.

– Só com as mensagens, não é (algo) suficiente para uma ação deste tamanho, e sobretudo devassar contas bancárias, que não têm nenhuma vinculação referente ao caso – alerta. O advogado Christian Panini de Carvalho concorda que, para medir a extensão de medidas como o bloqueio de contas, é necessário saber o que motivou a polícia a pedir essa medida – caso ela de fato tenha partido da autoridade policial.

– A grande questão é: se eu dou opinião favorável à prática de um crime, isso constitui crime em si? Isso é difícil de medir no Direito – afirma.

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Carvalho afirma que se o futuro vai medir se o ministro pesou a mão ou se havia nas condutas dos empresários algum estímulo maior a um golpe que justificavam a necessidade de investigação.

Na avaliação dele, ainda que criminalizar a ação dos empresários apenas com base nas mensagens possa não fazer sentido, “não necessariamente a gente não pode investigar”.

Para o advogado, a principal defesa neste momento é para que o pedido e a decisão que embasaram as medidas se tornem públicas assim que isso for possível, para permitir essas análises — divulgação que, segundo o profissional, não ocorreu em alguns processos polêmicos envolvendo o STF.

A Associação dos Magistrados Catarinenses (AMC) e a Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) foram procuradas, mas não quiseram se manifestar sobre o caso.

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SC tem maior concentração de empresários entre as candidaturas nas Eleições 2022

Confira o resultado da pesquisa Ipec

Governo de SC: Moisés tem 23%, Jorginho 16% e Amin 15%

Senado: Colombo à frente com 26%, Dário com 9% e Maldaner com 7%

Presidência: Em SC, Bolsonaro tem 50% e Lula 25% das intenções de voto

O que diz a legislação?

O professor de Processo Penal da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Matheus Felipe de Castro, explica que a legislação prevê como crime a tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito mediante violência ou grave ameaça ou de depor governo legitimamente constituído. Os artigos 359-L e 359-M estão na Lei Nº 14.197/2021, que no ano passado revogou a Lei de Segurança Nacional. Segundo ele, como são leis recentes, não há jurisprudência para caracterizar o que seriam os métodos violentos e se a simples tentativa destes atos já configura o descumprimento. – Os crimes estão previstos, e tem um grupo de pessoas debatendo golpe de Estado em mídia privada. O que cabe aos órgãos da persecução penal? Investigar – avalia.

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