A Polícia Civil indiciou duas advogadas em Santa Catarina por ocasião do episódio em que uma menina de 11 anos foi impedida pela Justiça catarinense de fazer um aborto legal após ter sido vítima de estupro de vulnerável. O caso foi revelado em junho do ano passado por uma reportagem do Portal Catarinas em parceria com o The Intercept, que obtiveram vídeo de audiência judicial em que a juíza Joana Ribeiro Zimmer e a promotora Mirela Dutra Alberton propuseram que a criança mantivesse a gravidez.

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A Polícia Civil comunicou, ao NSC Total, ter concluído a investigação do caso e remetido ao Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), sem revelar se de fato houve o indiciamento e por quais crimes elas seriam suspeitas, alegando que o inquérito policial correu sob sigilo.

O Portal Catarinas e o The Intercept revelaram, ainda assim, que as advogadas Daniela Felix e Ariela Melo Rodrigues foram indiciadas no último dia 16 de maio por suspeita de terem cometido os crimes de violação de sigilo, previsto no Código Penal, e violação de sigilo de depoimento especial de crianças, descrito no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Os veículos noticiaram ainda que as advogadas são acusadas pela Polícia Civil de terem vazado o vídeo da audiência judicial, que estava sob segredo de Justiça, para a reportagem que revelou todo o caso. O Portal Catarinas e o The Intercept sustentam, contudo, terem recebido o material de uma fonte anônima.

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O relatório da investigação da Polícia Civil foi entregue ao MPSC, que informou, ao NSC Total, analisá-lo a partir da 1ª Promotoria de Justiça de Tijucas. Ficará a cargo do órgão decidir se oferece denúncia à Justiça contra as advogadas ou se arquiva o inquérito.

Em nota à reportagem (leia íntegra abaixo), a advogada Daniela Felix negou integralmente as acusações de vazamentos de informações e disse que o inquérito se trata de evidente perseguição. Ela ponderou, ainda assim, que, se o caso não tivesse vindo a público, “não se teria interrompido o ciclo de violências institucionais que aquela criança estava sofrendo”.

A menina pôde fazer o aborto legal dois dias depois de o episódio ter sido revelado, em 22 de junho de 2022.

A reportagem não conseguiu contato com a advogada Ariela Melo Rodrigues, que, ao Portal Catarinas e ao The Intercept, preferiu não se manifestar.

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O Portal Catarinas reforçou, em nota ao NSC Total (leia a íntegra abaixo), que o sigilo da fonte é um direto previsto pela Constituição Federal. O comunicado, assinado pela jornalista Paula Guimarães, uma das autoras da reportagem que revelou o caso, diz ainda que a exposição do episódio fez cessar violações perpetradas por agentes do sistema de Justiça contra a criança.

Leia o que diz a advogada Daniela Felix

Este inquérito é uma evidente perseguição e criminalização, que visa claramente nos atacar, enquanto advogadas defensoras de direitos humanos, especialmente neste caso de luta pelo direito de uma criança de 11 anos de acesso ao aborto legal, frise-se, que foi impedida por agentes do Estado e do Poder Judiciário de acessá-lo. Nego integralmente as acusações de vazamentos de informações (que estou sendo acusada sem qualquer prova), contudo, importante destacar, não fosse a publicidade do caso não se teria interrompido o ciclo de violências institucionais que aquela criança estava sofrendo.

Leia a íntegra do que diz o Portal Catarinas

“O sigilo da fonte é considerado direito fundamental, previsto no art. 5º, inciso XIV da Constituição Brasileira, o qual assegura o direito de acesso à informação, “resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional“. No entanto, a polícia de Santa Catarina está empenhada em buscar as fontes que levaram à reportagem de repercussão nacional, que mostrou em imagens uma juíza pressionando uma criança, engravidada aos 10 anos, a desistir do aborto legal a que tinha direito. Uma reportagem que fez cessar as violações perpetradas por agentes do sistema de justiça e que garantiu o aborto legal à menina violada. Como as fontes afirmaram na última reportagem que publicamos: trata-se de abuso de poder tendo como finalidade a perseguição das profissionais que atuam pela aplicação da lei nos casos de aborto legal, num país onde cerca de 20 mil meninas de até 14 anos, que têm direito ao aborto legal, engravidam anualmente. O caso foi denunciado em audiência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e motivou comunicado da ONU ao governo brasileiro, especialmente sobre a perseguição às jornalistas. O trabalho jornalístico foi indicado ao Prêmio Gabo mostrando a importância do seu impacto na garantia dos direitos dessa menina, mas também de outras tantas.”

*Correção: diferentemente do que apontava versão anterior deste texto, já corrigido, a Polícia Civil confirmou apenas ter concluído o inquérito policial, sem revelar se houve indiciamento.

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