O tema da maioridade penal divide opiniões na sociedade e em especial no meio jurídico. Nas entrevistas abaixo, a advogada e presidente da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da OAB-SC, Reti Jane Popelier, e o promotor criminal Giovani Tramontin, do Ministério Público de SC, divergem sobre o tema. Uma acredita que o Estado já negligencia os direitos dos adolescentes, enquanto o outro acredita que quanto mais cedo forem presos, menos chances eles têm de cometerem crimes mais graves.

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Entrevista com Reti Jane Popelier, advogada e presidente da Comissão do Direito da Criança e do Adolescente da OAB

Quais os motivos para manter a maioridade penal como está?

A juventude que hoje pode ser afetada pela redução da maioridade penal é uma juventude filha e fruto de uma sociedade que criou uma infância abandonada. Moços e moças que se envolvem em delitos são, antes de tudo, as maiores vítimas de um Estado que abandonou essa infância. Não temos escolas de qualidade nesse país e apoio à famílias mais carentes. Essa população, com raríssimas exceções, vai se aproximar muito do ambiente da delinquência. O próprio Estado produz uma juventude com tendência a delinquir. Aí este Estado mascarado vem através de um projeto politiqueiro, com propósito de alavancar candidaturas de alguns medíocres. Outro motivo: não temos dados seguros sobre a participação destes jovens em crimes. Se nós não temos dados que nos oriente a respeito da proposta, com que ousadia nós estamos fazendo isso? O que se precisa é de uma estrutura da qual o jovem saia sem vontade de delinquir.

Você acha que as penitenciárias tem condições de receber jovens menores de 18 anos?

Nós já temos uma das maiores populações carcerárias do mundo. Nós vamos colocar ali um número a mais de jovens para conviver com um ambiente totalmente falido. Há hoje propostas de privatização dos presídios e isso é uma fonte de renda, então tem que ter clientela para isso. Trata-se de uma proposta que não vai alterar em nada os índices de criminalidade que nós temos nas grandes cidades e apoiando interesses escusos em fonte de enriquecimento de um ou outro grupo econômico. Se nosso sistema carcerário, cuja lei que rege é a de execução penal, que é uma lei muito boa e que até hoje não foi implementada, nós só vamos acrescentar gente a um sistema falido que devolve à população pessoas com tendência a retornar à criminalidade. O que deveríamos estar exigindo é que nossos governantes dessem condições para as escolas acolherem as crianças em tempo integral e ofereçam pra elas educação de qualidade.

Mas jovens menores de 18 não possuem consciência do crime que estão cometendo?

Com certeza, mas o adolescente que comete esse crime já tem uma lei que o pune, que está contido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Já há previsão na legislação que a partir de 12 anos até quase 18 ele responde por crimes cometidos. Conforme o crime, ele seria preso pela polícia em uma unidade socioeducativa. Este adolescente acaba sendo confundido como um criminoso que é tratado de um jeito diferenciado. Não é isso. Ele vai pra um presídio infanto-juvenil. Eles não ficam impunes.

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E quanto ao aliciamento de menores por criminosos adultos?

Mas aí estaríamos somente oferecendo para os criminosos adultos uma parcela mais jovem, de 16 para baixo. Daí vai aparecer um político inexpressivo que vai reeditar a proposta para reduzir a maioridade penal par 14 anos, e assim por diante. Enquanto isso nossas escolas estão apodrecendo. E não estamos botando prefeito, governador e presidente por não estarem cumprindo o que a Constituição manda, que é dar educação de qualidade à criança e ao adolescente. Antes eles pensam em construir ponte que liga nada a nada, ou recapagem de rodovias e não se perguntam se alguma das nossas crianças está fora das escolas ou das creches ou na marginalidade.

Entrevista com Giovani Tramontin, promotor criminal do Ministério Público de SC

Quais motivos para reduzir a maioridade penal?

Aos 16 anos mais ou menos o pai perde o controle do adolescente. E aí ele simplesmente fica refém do crime. Tem um caso bárbaro de estupro recente que o adolescente tinha 70 atos infracionais. O problema é a impunidade. Não é o tamanho da pena que demove o criminoso de cometer crime, o que faz com que isso aconteça é a certeza da punidade. Porque se você arromba um carro e sabe que vai ser pego, você não vai cometer o delito. O problema aí vira uma bola de neve. O adolescente começa com um pequeno crime, de desacato, de pequeno furto, e vai acumulando crimes no seu meio social. Em São José, por exemplo, tem um menino que tinha oito (penas) de tráfico e três de assalto e nunca tinha sido internado. Imagina um adolescente nessa condição? Aí quando for preso, ele só vai entender os rigores da lei quando se tornou um grande vagabundo.

As penitenciárias já estão com déficit. Acredita que é a melhor solução colocar adolescentes lá?

Não tem lugar pra botar adolescente também. O Estado deveria construir mais cadeia e locais de internação de jovens. Não tem lugar em nenhum dos lados. Os dois sistemas estão estrangulados. Não é qualquer adolescente que vai se corromper nesses lugares, pois pra ele ir pra lá já tem que estar corrompido. Agora, o Estado detendo ele precocemente, ele vai perceber que existe lei e ordem. Até os 14 os pais ainda têm um certo domínio sobre os adolescentes, mas aos 16 ele começa a perder vínculos familiares, desrespeitar os pais e o crime o arregimenta de tal forma que ele não consegue mais sair. Aí tirá-lo deste contexto de narcotráfico, mesmo que seja colocando-o numa prisão, é importante pra ele. Às vezes é benéfico pra ele sair desta situação. Daqui a pouco a polícia começa a matá-los, sobretudo casos que possuem alto número de atos infracionais, jovens soltos e rindo da cara da polícia.

Você acha que as punições socioeducativas já existentes dão conta?

Elas são absolutamente ineficazes. O artigo 122 do ECA diz que em caso de reincidência em crimes graves, o adolescente tem que ser internado. Mas hoje crime grave é uma coisa muito subjetiva. Quando não há violência não há internação, aí o adolescente começa a traficar, furtar. Daqui a pouco está com arma. A delinquência vai crescendo e aos 16 anos está roubando e matando a mão armada. Então é normal que eles assumam crimes cometidos por maiores, por que a pena máxima é só de três anos, isso se chegar a ser internado. E esse internamento é reavaliado dentro de seis meses, quando ele pode acabar sendo solto pelo juiz. Independente da idade, se o sujeito é perigoso, ele precisa ser retirado da sociedade. E quanto mais cedo ele entenda a repressão do Estado, é mais provável que ele não decida voltar à delinquência.

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Diminuir a maioridade penal não seria uma forma de revanchismo?

Não é revanchismo porque hoje nós promotores, que em tese acusam os adolescentes, somos os maiores defensores daqueles (inclusive maiores) que quando o crime não se justificam, que sejam soltos. Hoje todos os instrumentos de liberdade são aplicados pelo promotor. O que nós precisamos é estar conscientes é que existem pessoas de 16 ou 17 anos que são criminosos muito piores do que muitos presos. Temos que aplicar a razoabilidade. Os dois princípios da execução penal precisam ser cumpridos, que são dois: a retribuição do mal causado ao criminoso e a ressocialização. Então vamos aprimorar o sistema de execução penal, que não pode ser um depósito de preso. A função do Estado também é ressocializá-los, inclusive adultos.