Nesta sexta-feira vai rolar uma festinha. Duas amigas de 14 anos querem ir. Uma delas nunca bebeu, nunca experimentou nada alcoólico. Durante a festa, a colega insiste: experimenta uma dose.

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— Na primeira dose ela já fica animada. Na segunda vira dançarina e na terceira já troca Jesus por Genésio — falou o palestrante Edsoul, arrancando a gargalhada de cerca de 120 adolescentes entre 12 e 15 anos, do Instituto Estadual de Educação (IEE), de Florianópolis, ontem.

Em algum momento, continuou este palestrante, alguém vai falar para a menina: “Mas não dá para beber sem fumar um cigarro”. Ela vai lá e experimenta.

— Logo mais ela se interessa por um desses caras que senta no fundão da sala, que só faz barulho, e que a galera adora. Só que eles são maconheiros. E elas então se transformam nessas idiotinhas que usam maconha para chamar a atenção deles.Uma vez indo no morro comprar um “fininho”, o caminho para saber onde compra cocaína, por exemplo, é encurtado. Só que cocaína é uma droga cara para caramba.

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— Aí o traficante te oferece algo que você pode pagar: o crack. Você sabe quantas pedras um viciado pode usar por dia? De 30 a 40. Quem tem dinheiro para sustentar isso? Então você começa a roubar sua mãe.

Entre roubar sua mãe e roubar outras pessoas, é um passo. Por que traficantes de 11 das 18 comunidades do Maciço do Morro da Cruz não vendem crack? Para evitar o roubo em sua própria comunidade, contou o orador da conversa.

A história pode soar trágica, dramática e até aquelas típicas histórias que os “adultos” contam para amedrontar crianças e adolescentes. Mas a síndrome do “Maria vai com as outras” é verdadeira, acontece e está cada vez mais entre nós.

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— Estou cansado de perder familiares, amigos que considero irmãos e conhecidos para as drogas. E com todos que conheço e que conversei começaram assim, com a bebida — mandou na lada o tal do palestrante.

#NósporNós

Os relatos e dicas foram contados por Edson Amaral, de 37 anos. Manezinho, nasceu e viveu no Morro da Mariquinha, uma das comunidade do Maciço. Sentiu na pele muito do que falou. Começou cedo a pegar no batente. Aos dez anos, vendeu picolé para comprar 300 gramas de carne moída para a família e ajudar seu “anjo negro”, como gosta de chamar sua mãe. Ao mesmo tempo, não resistiu a um carrinho cheio: comeu 20 picolés de uva, coisa que não tinha antes.

Hoje, Edson é mais conhecido como o Edsoul, do Jornal do Almoço e colunista da Hora. E junto do Instituto Nexxera está fazendo um trabalho bem bacana ao alertar adolescentes sobre uso e tráfico de drogas, bebidas e a importância da educação na formação do caráter da galerinha.

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Ontem, o projeto Troca de Ideias foi até o IEE, no Centro de Floripa. Mas a ação já passou por 20 escolas no ano passado, e vai terminar 2016 com mais 20 colégios visitados. E a expectativa é visitar mais 20 no ano que vem.

— Acho que está na hora da sociedade ver o uso de drogas de uma forma diferente. Acho que quem usa quer fugir da realidade. Procura uma felicidade falsa — comentou a estudante Rachel Batista, de 14, que assistiu a palestra.

O colega Bernardo do Nascimento Corrêa da Silva, também de 14, achou a conversa “muito interessante” e contou que também já presenciou muito do contado. Acredita que ouvir histórias sobre a realidade ajuda a refletir mais.

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Foco na prevenção

Segunda a diretora do Instituto Nexxera, Andréa Silva, o Troca de Ideias nasceu com a necessidade de falar diretamente com os adolescentes sobre o assunto.

— O Edsoul fala de uma forma em que os jovens entendam a realidade que eles estão vivendo. O nosso principal objetivo é a prevenção e o alerta. Queremos passar o conhecimento dos riscos, sem os julgamentos — observou a diretora.

A coordenadora do Núcleo de Educação e Prevenção às Violências na Escola (Nepres) — grupo criado pela Secretaria de Estado de Educação para tratar temas ligados à segurança na escola — do IEE, Jaqueline Santos Duarte, avalia que é preciso trabalhar o tema drogas sem hipocrisia com os jovens. E a conversa com Edsoul é eficaz justamente por isso: olho no olho, e a linguagem que eles entendem. Sem poupar nas gírias, temas e até em um outro outro palavrão.

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— Trabalhamos muito na escola a escuta. Eu ouço os adolescentes. A nossa posição nunca será a de julgar, mas sim, a de mostrar as responsabilidades aos alunos — explicou Jaqueline.

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