Era uma vez, uma cadela vira-lata que ainda não tinha nome e que perambulava sozinha pelas ruas do bairro Espinheiros, em Joinville. Quando ela passava em frente à Escola Municipal Professora Maria Regina Leal, todos já a conheciam. Os alunos e funcionários faziam carinho no animal, conseguiam comida para alimentar a pequena, e ela acabava sempre voltando.

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Até que um dia, a cadelinha resolveu adotar de vez a escola como moradia: em meio a tijolos que estavam empilhados no estacionamento da unidade e que seriam usados para a reforma do colégio, nasceram sete coisas fofas e peludas.

A partir daí, a vida do bichinho e da escola mudou. A vira-lata ganhou um nome e virou mãe, e os alunos ganharam ensinamentos que poderão levar por toda a vida. Kika, nome que recebeu dos novos amigos, virou a mascote da escola.

O carinho pelo animal foi tão grande e imediato, que os professores resolveram aproveitar o momento para criar um projeto inovador entre as crianças do 3º ano do ensino fundamental, que foi chamado de Focinhos Carentes.

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O simples nascimento dos filhotes trouxe aos alunos novas experiências na língua portuguesa – por meio de redações – dicas ecológicas, sobre como preservar o meio ambiente, e até ensinamentos e cuidados com a saúde. Além de, é claro, lições de solidariedade e cidadania.

Responsabilidade de todos

A notícia do nascimento dos filhotes se espalhou pela comunidade. Teve pai e funcionário que levou ração para alimentar a família canina. Até uma lona foi colocada para transformar o espaço na casinha oficial de Kika. E não é que os peludinhos realmente eram umas fofuras?

Gritinhos de “ai, que lindinho” eram muito comuns em todos os horários do dia na escola. Com todo esse carinho, Beatrícia e a professora do 3º ano, Kariny von Dentz, iniciaram o Projeto Focinhos Carentes, para que os filhotes fossem adotados pelas famílias dos funcionários e alunos. A Secretaria de Educação até cedeu um termo de adoção e responsabilidade do animal.

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Quatro dos sete cachorrinhos já foram adotados. Três ainda continuam com Kika, nas dependências da escola. Mas o projeto não acabou por aí. A solidariedade entrou dentro da sala e virou matéria de aula.

Como tudo começou

As férias ainda não tinham acabado, em 23 de julho, quando Kika apareceu barrigudinha na escola. As merendeiras e os secretários, que não ganham folga no período de férias escolares, perceberam que algo estava estranho com a cadela. Ela entrava e saía dos lugares, parecia impaciente. Até que, uma hora, sossegou. Quando foram atrás do animal, tiveram uma doce surpresa: não encontraram só um, mas sete cachorros.

– Foi um período em que choveu muito e ficamos bastante preocupados com ela. Fiquei muito admirada – comentou a merendeira Neusa Batel.

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A família canina ficou por ali, em meio aos materiais de construção, até o início das aulas, em agosto. Com a chegada das crianças, foi aquela bagunça.

– Elas não saíam de perto da Kika e dos filhotes. Muitas iam fora do horário de aula para ver a cachorrinha – contou a supervisora, Beatrícia Duarte.

Uma história para Kika

Para aproveitar o período de alfabetização, a professora Kariny desafiou os alunos do 3º ano a criarem um livrinho, com desenhos e redação, que contasse a trajetória de Kika na escola.

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– Uma linha do tempo – explicou.

Cada criança soltou a criatividade para falar do novo amigo. A pequena Sarah Corte Nogueira, oito anos, por exemplo, desenhou Kika e seus sete filhotes, um atrás do outro, e ainda relatou o dia em que fez carinho pela primeira vez nos cachorros: 25 de agosto.

– Aprendi muita coisa. Não podemos maltratar os animais e nem abandoná-los. Você não gostaria de ser abandonada quando estivesse grávida, não é mesmo? – indagou a garota.

O processo foi supervisionado pela professora, que corrigia e explicava a gramática.

Não ao abandono de animais

Henrique Silveira Alves, oito anos, e os colegas foram divididos em grupos para preparar um cartaz que explicasse os motivos para não abandonar os animais.

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– Pedi para que eles trouxessem de casa fotos de animais abandonados para ilustrar a atividade – contou a professora.

Com papel, cola e canetinha, eles relataram no cartaz os exemplos que ouviram nas palestras de especialistas na área de meio ambiente, que deram várias dicas de ecologia.

Apareceram na escola funcionários da Fundação Municipal do Meio Ambiente (Fundema) e até o padre Antônio, responsável pela paróquia do Espinheiros, que também adotou um cachorrinho na igreja. Primeiro, não se deve abandonar animais porque é crime, ressaltaram.

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– E porque eles também são seres vivos. Eles têm sentimentos como a gente – relatou o falante Henrique, que avisou que, por este e outros motivos, quer ser veterinário quando crescer.

Lave sempre as mãos

Depois das dicas, a criançada pôde correr para fazer o que mais desejava: brincar com Kika e os filhotes. Mas era preciso cuidado. A mamãe cadela é ciumenta e deixa poucas pessoas chegarem perto dos cachorrinhos.

Para a reportagem de “A Notícia”, ela até mostrou os dentes. Diferente é o comportamento com a turma do 3º ano. Ela deixa todos as dezenas de mãozinhas fazerem carinho.

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E depois da brincadeira, a professora lembra: é preciso cuidar da higiene. Antes de voltar para a sala, a turma passa no banheiro para lavar bem as mãos. Para a especialista em alfabetização, Cláudia Maria Mendes Gontijo, tarefas lúdicas são essenciais nesta fase.

– Além de as crianças gostarem, as atividades são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo – destacou a especialista.