Com o semblante abatido, Luciane dos Santos chora constantemente ao falar do filho Ricardinho. Em cada lembrança, a voz embarga e as lágrimas escorrem pelo rosto. Principalmente quando volta à memória o momento em que recebeu do médico a confirmação da morte do surfista.
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Luciane dos Santos, mãe do surfista Ricardinho, fala ao Diário Catarinense
Como está a vida hoje, sem o Ricardinho?
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O que se pode dizer? Fácil não está, nem um pouco. Ele está fazendo muita falta. Quanto mais o tempo passa, a dor aumenta. Tentamos levar na medida do possível, até porque tenho dois filhos em casa e tenho que mostrar pra eles que a vida continua.
E como ficou a Guarda do Embaú depois da morte dele?
A Guarda está sentindo muito a falta dele. As pessoas ainda comentam e procuram. Quem é de fora e que conhece sempre pergunta. Quando tem onda ele sempre é lembrado. As escolas fazem homenagens. O bairro faz. Eles estão sempre lembrando.
Você tem ido à praia?
Não. Da minha casa tem uma visão ampla do mar. Toda vez que tem onda boa eu lembro dele, não tem como não lembrar.
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Depois do ocorrido, aumentou o policiamento?
Não, continua como estava. Lamentavelmente, não temos apoio nenhum. Teve um fim de semana que acordei com carros de som na beira da praia até depois do amanhecer. Ligamos para o 190 e eles dizem que não tem policiamento. Não houve mudança. Logo em seguida do auge da situação, sim. Agora que baixou a poeira, não.
Como está a família?
A família tenta levar da forma mais tranquila possível. Mas sempre tem algo que lembra ele. A gente sofre com essas lembranças. Meu pai, minha mãe e eu conversamos muito. Quando vem a saudade, a gente chora. Meu pai era muito apegado a ele. A gente tenta levar. O Ricardo não gostaria de nos ver sofrendo. A dor permanece em todos nós.
O que você guarda dele?
O sorriso, a forma de se expressar, o caminhar dele, aquela força de querer conquistar as suas metas, da forma que ele encarava e acreditava muito nos sonhos dele.
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Quando você soube do fato, o que te passou pela cabeça?
Parece que a vida acaba. Parece que o mundo abre e você cai num abismo. Tu não acredita, é um pesadelo. Não tem volta, acabou. E tu fica perguntando por quê? Por que tem que acontecer isso? Lembro dele na praia. Falei com ele e ele me olhou e eu acreditei que ele ia sobreviver. Quando a gente estava no hospital e os médicos diziam que ele passava bem nas primeiras horas, eu acreditava. Quando eu subi para ver ele dentro da sala e o médico começou a demorar, eu falei para a Karol (namorada de Ricardinho) que achava que o médico tinha esquecido da gente. Quando veio o cirurgião e falou do óbito do Ricardo (choro), eu disse: “O senhor está enganado, volta lá que ele está vivo”. Eu saí de uma forma que não lembro das coisas, tudo apagou. Foi uma dor que não tem explicação. É uma dor pro resto da vida. A gente tenta aprender a viver com a dor.
Você perdoa o policial?
Acho que não faz diferença. Não carrego ódio e rancor. Não consigo nem pensar nisso porque outro sentimento me toma conta, que é a falta que tenho do meu filho. Se hoje eu encontrasse ele (o policial), eu perguntaria se ele se arrepende do que fez. Acho que ia mostrar um sentimento de tanta dor que a própria consciência dele ia pesar e ele ia se sentir mal. Acho que hoje ele se sente mal por isso. Então, não sei se é questão de perdoar ou não. Não consigo pensar nisso, não conheço ele pessoalmente, nunca vi, nem faço questão de conhecer. É um fato que já aconteceu, não tem volta. Não tem nada que trará meu filho de volta. A única coisa que faço é rezar para que Deus nos dê força e que a Justiça seja feita.
Você tem acompanhado o caso? As audiências?
Tenho. Não todas as audiências, mas tenho ido. A minha vida mudou bastante. Procuro bastante o psicólogo, porque tive comportamentos que desconhecia em mim, sonho muito com ele. Tenho muitos amigos que me dão muita ajuda. Quando fico mal, eles estão sempre do meu lado.
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Como você avalia a Justiça brasileira depois do caso Ricardinho?
Ela falha muito, é muito lenta. É um caso muito óbvio, não precisa de tantas mudanças. Ele foi preso em flagrante, estava bêbado, fez de uma forma covarde. Temos provas suficientes de que ele não fez de legítima defesa. Isso não foi, jamais. Não teria porque dar tanta volta numa situação tão óbvia, certa. Acredito que mesmo nessa lentidão haverá Justiça e que, espero, não demore muito. Está dando resultado. O fato dele ser expulso da corporação já é um ponto positivo pra gente. Não estão mais sendo protegido pela polícia. O que queremos é que ele vá para a penitenciária pública, porque é o lugar que ele tem ir, e não ficar sendo protegido pela corporação.
E qual a sua opinião sobre a Polícia Militar?
Acho que eles estão deixando a desejar. Eles poderiam ser mais cautelosos nas pessoas que colocam lá dentro para servir à comunidade. Eles estão na rua para ajudar, tem que ter preparação psicológica. O policial teria que ser mais vigiado, o comportamento dele. Porque vai chegar uma hora que vai acontecer uma desgraça como foi com o Ricardo.
Você acredita que por ele ser o Ricardinho, surfista famoso, é que teve todo esse envolvimento e repercussão?
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Acredito piamente. Depois que aconteceu isso com o Ricardo, houve uma matéria na televisão sobre vários acontecimentos de pessoas que perderam seus filhos e não puderam fazer nada, não houve Justiça. Acredito que não foi em vão. Acho que Deus falou assim: “Tá bom, meu menino, tá na hora de tu vir, mas tu vai movimentar uma situação, levantar casos polêmicos dentro da polícia e isso será bom para o Brasil inteiro”. Espero que a Justiça seja feita. Não trará meu filho de volta e nem vai consolar meu coração. Acho que o Ricardo pede Justiça também para tirar essa pessoa da sociedade, que outras pessoas não sofram com isso também. É uma dor insuportável que nem o tempo vai curar. Chegará uma hora que vai terminar.
O que é o término?
Dele (policial) estar preso e pagar por um bom tempo o que fez. Ele não pode estar no meio da sociedade. É uma pessoa perigosa. O júri popular é o ideal e acredito que vai ter.