Se a semana que passou foi encerrada com uma avaliação sobre a gravidade de crimes em Blumenau, esta semana começa com os olhos da segurança pública voltados para uma ação policial. Isso porque a operação de PMs gerou revolta e medo entre moradores do Residencial Parque da Lagoa, na Itoupavazinha, durante uma ocorrência de perturbação do sossego, domingo.

Continua depois da publicidade

:: Leia mais: tumulto entre moradores e polícia termina com tiros em condomínio do bairro Itoupavazinha, em Blumenau

Para as pessoas que presenciaram a atitude dos policiais foram momentos de pavor. Um vídeo de 35 segundos gravado por moradores mostra pelo menos quatro disparos efetuados pelos PMs. O medo, agora, é por retaliações em caso de denúncia sobre aquilo que consideram excessos das autoridades.

:: Clique aqui para ler mais notícias de Segurança

Enquanto o comando da PM diz que não vai se pronunciar até o inquérito sobre o caso ser concluído e o secretário de Segurança Pública do Estado foi orientado a não falar sobre o caso, especialistas ouvidos pelo Santa concordam que há riscos e excessos na conduta dos policiais. Para o mestre em ciência jurídica e especialista em segurança pública Juliano Keller do Valle, as cenas mostram que faltou treinamento tático para lidar com uma situação de risco:

Continua depois da publicidade

– Parece que não eram os PM mais preparados para atender a ocorrência.

Já o analista de segurança coronel Eugênio Moretzsohn, argumenta que a ação da polícia foi desproporcional à ameaça representada pelas pessoas:

– É muito importante que a PM desenvolva a capacidade de comunicação entre o policial e o cidadão. O PM não sabe se comunicar bem, não tem paciência e parece estar sempre sob pressão. Não há uma guerra nas ruas, e, se há, o inimigo não é a população.

Independente do fato de domingo, ambos são unânimes para ressaltar que a PM possui a legitimidade para usar a força em casos onde ela é necessária.

– A ostensividade que é só da PM será sempre legítima se utilizar da força necessária. De uma simples advertência verbal até situações de maior intensidade de uso da própria força – aponta Valle.

Continua depois da publicidade

– De acordo com o filósofo Günther Jakobs, que escreveu sobre o Direito Penal do Inimigo, as pessoas são tratadas como se comportam. Depende das informações que a guarnição recebeu pelo 190 ou por outras fontes, às vezes, sim, é necessário o policial desembarcar com arma em punho, em condições de efetuar o disparo, sempre que as vidas dele, de seus companheiros e de eventuais vítimas estiverem em risco – indica Moretzsohn.

Um morador baleado e sensação de medo

Como saldo da operação no Residencial Parque da Lagoa está um morador ferido com tiro na perna disparado por um PM e uma sensação de medo entre os moradores. Tamanho o trauma da ação policial no local, todas as pessoas entrevistadas ontem no condomínio pela reportagem pediram para não serem identificadas. Eles temem por represálias. Afirmam que a confusão começou no momento em que os policiais militares teriam ameaçado guinchar o veículo que estava com som alto. Um dos envolvidos – que aparece nos vídeos que circularam pelas redes sociais – teria dito aos PMs que não iria tirar o veículo.

– A gente estava tranquilo, aí eles (os policiais) chegaram dizendo que era para a gente baixar o som e que iriam levar o carro. Aí eu disse que o carro eles não iriam levar. Foi quando chegou a outra viatura – relatou uma das testemunhas.

Segundo os moradores, ninguém tentou tirar a arma de um dos policiais – informação que havia sido divulgada em um primeiro momento pela PM -, e a chegada de outras quatro viaturas teria encorajado os policiais a partirem para cima dos suspeitos.

Continua depois da publicidade

– Eles falaram que a gente estava desacatando. Se estava acontecendo isso mesmo, por que ele simplesmente não deu voz de prisão em vez de jogar spray de pimenta e partir para cima? – questionou uma das testemunhas.

Comandante: “Vamos averiguar a verdade, doa a quem doer”

O comandante do batalhão da PM, Jefferson Schmidt, disse que reuniu ontem todas as documentações, inclusive a do hospital, e irá encaminhar para a Corregedoria:

– Primeiro quero ouvir de forma informal a versão dos policiais, já que no vídeo não dá para ouvir o que se diz na hora. A gente presume o que aconteceu pelas imagens, mas quero ter todo o contexto. Não vou criar nenhum juízo de valor, mas uma coisa é certa: vamos averiguar a verdade, doa a quem doer.

O prazo para apurar e concluir o inquérito é de 30 dias, prorrogáveis por outros 30. Até lá, Schmidt não irá se pronunciar oficialmente sobre o caso.

Continua depois da publicidade

– Se eu falar qualquer coisa em relação a posicionamento sobre a ação, estou comprometendo a minha isonomia. Preciso aguardar pelo procedimento interno. Acredito que será rápido porque todas as pessoas são conhecidas e estão na cidade – justificou.

Diretamente envolvidos na ação estavam dois policiais, segundo o comandante. Mais dois deram apoio, totalizando os quatro que aparecem no vídeo.

– Depois vieram outras guarnições, porque o negócio evoluiu de tal forma que só aqueles quatro não iriam dar jeito e poderiam acabar recebendo uma ação popular maior do que foi. Talvez até causar um volume maior de violência, tanto por parte dos policiais quanto por parte da população – projetou Schmidt.

Sobre o histórico dos policiais envolvidos no caso, o comandante atesta que eles têm uma boa lista de serviços prestados e nenhum relato de mau comportamento.

Continua depois da publicidade

– São todos policiais experientes. Então, vamos tratar com muita justiça e imparcialidade. Se culpados, tomaremos medidas cabíveis – concluiu.

Trabalho de socialização sem previsão para retornar

O Residencial Parque da Lagoa já passou pelos trabalhos específicos que exercitam participação cidadã e estimulam a boa vizinhança, segundo Cristiano Carlos Baifus, diretor de habitação da Secretaria de Desenvolvimento Social. Esse programa coloca condomínios do Minha Casa Minha Vida em contato direto com psicólogos, advogados, administradores e valorizam a organização comunitária.

A ação – chamada de Trabalho Técnico Social (TTS) – durou até maio e não há previsão de novas atividades no local.

Os moradores atribuem a agressividade dos PMs aos rótulos de violência e criminalidade que o Residencial recebe – há ocorrências de tráfico de drogas nessa região do bairro Itoupavazinha.

Continua depois da publicidade

– Eles (os policiais) vêm assim, agressivos, porque acham que a gente fica acobertando traficante – disse ontem uma moradora à beira da janela, ao lado de uma criança.