Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada por municípios portuários no Supremo Tribunal Federal (STF) reabriu a guerra fiscal pela distribuição da parcela do ICMS que cabe aos municípios em Santa Catarina. O documento foi protocolado em abril pela Associação Brasileira dos Municípios com Terminais Marítimos, Fluviais e Terrestres de Embarque e Desembarque de Petróleo e Gás Natural (Abramt) e o relator do caso é o ministro Gilmar Mendes, que não tem prazo para levá-lo ao plenário. O questionamento é quanto à lei estadual sobre critérios para apuração do valor adicionado no Índice de Participação dos Municípios (IPM).

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Em vigor desde 2015, a determinação reduziu a 10% o repasse às cidades portuárias, que antes ficavam com 100% desse montante, e destinou os outros 90% às produtoras. A Abramt afirma que as novas regras desrespeitam uma lei complementar que, pela Constituição Federal, deveria definir os critérios do valor adicionado. A Associação diz que a legislação tem impacto pesado e direto sobre os orçamentos dos municípios portuários de Santa Catarina. Estima, por exemplo, que São Francisco do Sul perderia R$ 4,3 milhões por ano.

A lei existe e foi sancionada, mas não foi regulamentada. Na prática, a ação no STF pede que ela seja declarada inconstitucional e não seja aplicada, já que, sem regulamentação, ela não tem força de impor todos os artigos do texto de forma obrigatória. Os municípios e empresas devem cumprir a lei, mas não há fiscalização ou controle do Estado porque não existem termos que permitam isso.

À espera de segurança jurídica

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Segundo o coordenador do sistema de apuração do IPM na Fazenda de SC, Ari Pritsch, a regulamentação está praticamente pronta, ‘de gaveta’, esperando uma definição para a segurança jurídica para a lei.

— Quando foi aprovada a lei, Itajaí disse que ia entrar com ação questionando e a gente optou por não regulamentar rapidamente para não gerar ônus por uma coisa que poderia cair logo. As empresas teriam que mudar todo o sistema, reprogramar emissão de nota, redefinir todo o modus operandi. Então a lei está lá, valendo, e se o município requerer que ela seja aplicada, faz o pedido via processo administrativo e precisam comprovar a situação. Agora a gente espera uma decisão do STF e se declarar que é constitucional, a gente regulamenta na hora — explica.

A Fazenda projeta que grande parte das empresas já adote esse processo mesmo sem a regulamentação, mas não sabe precisar quantas. Em 2016, houve quatro casos de municípios pedindo recálculo da distribuição do ICMS relacionada à questão produtor x exportador, mas em nenhum deles a cidade conseguiu comprovar que era responsável por parte da origem da mercadoria.

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Itajaí critica e Chapecó defende

Principal município portuário do Estado, Itajaí entende que a lei que entrou em vigor em 2015 é inconstitucional, pois somente legislação federal poderia tratar de valor adicionado. A prefeitura ainda não tem estimativa em valores de perdas e ganhos com a atual lei, mas garante que a cidade não é a maior beneficiada e que o município produtor já tem o seu ganho, mesmo quando os produtos não saíam com valor final de exportação.

— Hoje, na verdade, estes municípios ganham mais e Itajaí deixa de receber. Antes da lei, Itajaí ganhava em cima dos valores agregados (frete, armazenagem etc). Agora tudo fica com o município produtor e o município exportador ainda precisa arcar com todo o passivo da operação, como questões de mobilidade urbana, infraestrutura viária e demais perdas ocasionadas pela operação. Itajaí, por exemplo, teve de realizar diversos investimentos para garantir a mobilidade e a escoação das cargas — argumenta o chefe de Gabinete Celso Goulart.

O auditor de Tributos da prefeitura de Chapecó, Marcos Machado, diz que no Oeste, a maioria das empresas já remete os produtos aos portos catarinenses com os preços de exportação. Dessa forma, mesmo sem a lei regulamentada, a maior parte do valor já fica no município. A inconstitucionalidade da lei, então, afetaria apenas uma pequena parcela das indústrias da região.

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— Só atingiria as poucas unidades que hoje ainda mandam às cidades portuárias com o preço de custo. Se fosse ao contrário (a maioria não enviando com o valor de exportação), aí o impacto seria grande na cidade — comenta.

Autor da lei diz que foi feita justiça tributária

Para o deputado estadual Marcos Vieira (PSDB), autor do projeto que virou lei em 2015, a medida praticou a justiça tributária no Estado. Ele entende que todo o ônus, principalmente o social, fica com o município que produz, como mais vagas em creches para as mães trabalharem na indústria, saúde pública do trabalhador, recuperação de estradas e questões ambientais.

— Todos os encargos ficam com quem industrializa, não é justo que a nota fiscal complementar, ou seja, do valor agregado, fique com o município exportador — diz o parlamentar, que também pondera que as cidades portuárias já recebem o Imposto Sobre Serviços (ISS), ao contrário das produtoras.

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O tucano pretende apresentar até o fim do ano mais projetos relacionados ao ICMS catarinense. O principal deles é sobre o Programa de Desenvolvimento da Empresa Catarinense (Prodec), que teria regras alteradas. Hoje, esse programa oferece financiamento do ICMS futuro, para construção ou ampliação de unidades fabris, por exemplo. Quando o empresário não tem dinheiro suficiente, ele apresenta uma previsão de recolhimento mensal de ICMS e pede para usar esse ICMS por um período determinado, com ressarcimento mais tarde. Com essa isenção temporária, o empresário faz um empréstimo dando como garantia o imposto futuro.

Se a nova planta industrial tiver um Centro de Distribuição (CD) em outro Estado, atualmente é possível o empresário transferir os produtos para o CD a preço de custo. O projeto que deve ser apresentado por Vieira permitira que o Prodec continuasse sendo usado da mesma forma, desde que a transferência da mercadoria para o CD fosse pelo preço de exportação.

O que diz a lei:

— Na transferência ou remessa de mercadoria para exportação, promovida por estabelecimento industrial, o valor da operação de saída da indústria deverá corresponder ao preço de exportação.

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— Se o valor na exportação for superior ao preço de transferência ou da remessa, o estabelecimento industrial emitirá nota fiscal complementar, englobando as operações feitas no mês.

— Em caso de não ocorrer a remessa com valor correspondente ao preço da exportação, para apuração do Índice de Participação dos Municípios na arrecadação do ICMS, serão atribuídos 90% do valor efetivo da exportação ao município em que foi feita a industrialização e 10% ao município onde é feita a exportação.

— Na remessa ou transferência de mercadorias destinada a outro Estado para exportação, para cálculo do valor adicionado do município sede do estabelecimento industrial, será considerado como valor de saída o valor efetivo dos produtos exportados no outro Estado.

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Entenda o caso:

— De autoria do deputado estadual Marcos Vieira (PSDB), a lei 16.597/2015 foi aprovada pela Alesc em 16 de dezembro de 2014 e sancionada pelo governador Raimundo Colombo (PSD) e publicada no Diário Oficial em 20 de janeiro de 2015.

— A lei mudou o Índice de Participação dos Municípios (IPM) no ICMS de exportação. Na prática, a nova determinação reduz a 10% o repasse às cidades portuárias e destina os outros 90% às produtoras.

— Sem a lei, Itajaí, Navegantes, Itapoá, São Francisco do Sul e Imbituba ficavam com 100% desse montante devolvido pelo Estado.

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— Apesar de entrar em vigor em 2015, os impactos da medida só seriam sentidos nos cofres municipais em 2017. Isso porque o IPM em vigor é sempre referente a dois anos antes.

_ Assim que o projeto foi aprovado na Alesc, a prefeitura de Itajaí anunciou que entraria com mandado de segurança contra a lei. Houve ação ao Tribunal de Justiça de SC, mas a cidade portuária não conseguiu reverter a decisão.

— Preocupada com a segurança jurídica, a Fazenda estadual informou que até hoje a lei não foi regulamentada. Isso significa que ela tem força de lei, mas não tem a regulamentação necessária para impor um modelo único obrigatório. Com isso, municípios que entendem que a lei não está sendo aplicada podem entrar com uma ação administrativa junto ao governo do Estado, que avalia caso a caso.

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— A Fazenda diz que tem a regulamentação praticamente pronta, “de gaveta”, esperando uma definição que dê segurança quanto à constitucionalidade da lei. A expectativa é de que isso ocorra no STF, a mais alta Corte do país.

O imposto

ICMS é o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias (de alimentos e bebidas a produtos de alto valor), prestações de serviços e comunicação. Hoje a distribuição em SC ocorre da seguinte maneira:

75% – fica com o Estado sobre esses

25% – é distribuído para os municípios

15% sobre esses 25% são distribuídos igualmente entre todos os municípios catarinenses (0,05% para cada um), enquanto que os 85% restantes são distribuídos para as cidades de forma proporcional ao movimento econômico. Dessa forma é determinado o Índice de Participação dos Municípios (IPM).

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A lei de 2015, ainda não regulamentada, muda a composição do IPM, que no caso dos municípios portuários perderia uma grande parcela da movimentação de exportação.

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