Uma ação jurídica ocorrida no início desta semana tem gerado embate entre indígenas da etnia Guarani, que vivem na aldeia Tarumã, em Araquari, e uma empresa que alega ter posses na região. Na manhã de terça-feira (22), representantes da madeireira Tacolindner foram até a localidade Boa Vista, que fica na Estrada Inferninho, com objetivo de reintegrar as terras, e isso levantou uma discussão no campo legal.
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De um lado, a empresa diz que não tinha conhecimento que índios viviam nas proximidades e que o terreno, com área de 1.096,750 m², pertence à família Lindner desde a década de 1960.
De outro, a representante da comunidade argumenta que houve uma “ação truculenta” no local e que a atividade ocorreu dentro dos limites da terra indígena, o que a torna ilegal, já que ações de reintegração de posse nessas áreas estão proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde o início da pandemia.
Além disso, o documento foi emitido pela 1ª Vara da Comarca de Araquari, ou seja, da Justiça Estadual, e questões que envolvem interesses indígenas são de competência da União.
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Os dois lados da história
O caso veio à tona após uma publicação nas redes sociais da Comissão Guarani Yvyrupa, uma organização indígena que congrega coletivos da etnia guarani no Sul e Sudeste do Brasil. No texto, a entidade descreve que na terça-feira (22) um “grupo de não indígenas entrou na aldeia e destruiu casas, bens da comunidade, instrumentos de trabalho e objetos de importância espiritual”.
Além disso, “o grupo invasor” teria alegado estar cumprindo uma ordem judicial de reintegração de posse, no entanto, nenhum documento foi apresentado aos indígenas.
Ainda segundo a comissão, um dos membros do grupo foi ao local vestido de trajes militares e, a fim de intimidar, “chegou falsamente a alegar ser integrante do Exército”.
Já Paulo Tajes Lindner, sócio da Tacolindner, diz que foi junto de dois funcionários, da oficial de Justiça e da Polícia Militar para cumprir a ação de reintegração de posse. Chegando ao local, por volta das 9h de terça-feira, diz que não encontrou ninguém no terreno.
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Portanto, segundo o empresário, com o aval da oficial de Justiça, Lindner e os outros dois representantes da empresa derrubaram a construção de madeira que tinha no local e colocaram fogo em algumas tábuas empilhadas.
— Tinha um barracão de madeira, com duas portas e telhas todas arrebentadas. Estava abandonado ali. Tinha muita sujeira, a gente juntou o que deu pra juntar e ateamos fogo, como fui orientado pela oficial de Justiça — justifica o empresário.
Lindner ainda alega que representantes da Justiça foram em pelo menos três oportunidades avisar sobre a reintegração de posse, mas ninguém foi encontrado em nenhuma das ocasiões. Por isso, segundo ele, não se sabia que indígenas viviam na localidade.
Com relação a alegação de que a ordem para reintegração de posse não foi apresentada para a comunidade, o empresário diz que ficou cerca de uma hora no local com a oficial de Justiça “esperando para ver se alguém aparecia”, mas como não foi o caso, a representante foi embora e levou o documento.
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Ele ainda afirma que, por volta do meio-dia, quando estava indo embora junto dos funcionários da empresa, a rua foi fechada por indígenas que impediram a passagem e exigiram a ordem judicial. Lindner também confirmou estar vestindo uma camisa do Exército Brasileiro, mas negou o fato de ter se passado por um “cabo militar”.
Refúgio particular de animais X Terra Indígena
Paulo Tajes Lindner explica que o terreno na região foi adquirido pela família no final de 1960 para fonte de matéria-prima, já que a empresa atua no ramo madeireiro. Mas, na década seguinte, o local foi tombado e reconhecido pelo Instituto Brasileiro de Defesa Florestal (IBDF) como “refúgio particular de animais nativos”.
O empresário afirma que tem a escritura que comprova a posse do local. Para ele, caso se mantenha a “invasão” dos indígenas na região de planície quaternária (formada por solo arenoso), o refúgio pode ser altamente impactado.
Julia Ferezin, advogada que representa a comunidade, alega que a área é objetivamente indígena, reconhecida enquanto tal por portaria do Ministério da Justiça de 2009, que declara o território como ocupação tradicional do povo Guarani, nos termos da Constituição.
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Júlia ainda diz ser impossível a Tacolinder alegar que não sabia da existência da Terra Indígena (TI), já que em uma publicação do Diário Oficial da União, de agosto de 2019, a empresa é citada.
– Destaca-se que a empresa Tacolinder foi citada no Despacho supracitado, já em 2008, como um dos ocupantes não indígenas da Terra Indígena Tarumã, e, que é certo que tinha conhecimento não apenas da identificação do grupo indígena em questão, como pertencente ao povo guarani, como, sobretudo, dos limites da Terra Indígena Tarumã, cujos contornos são públicos há exatos 14 anos, por meio de publicação do Diário Oficial – salienta.
Após esta publicação, que foi resultado dos estudos demarcatórios, segundo a advogada, todos os ocupantes não indígenas listrados no levantamento fundiário da região foram intimados para apresentar contestação administrativa.
Autoridades acompanham o caso
Em nota, a 1ª Vara de Araquari diz que a ação de reintegração de posse foi movida por particular (Tacolindner) em “desfavor de réus incertos” no dia 16 de junho de 2021. No dia 1° de dezembro do ano passado, a liminar foi concedida pela Justiça e cumprida na última terça-feira, dia 22.
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Na ocasião, segundo a Justiça, a oficial não registrou a presença de ocupantes na área e, até o momento, não há informação no processo de que se trate de terras indígenas. Além disso, a nota diz que famílias não foram “desalojadas à força do local”.
No entanto, caso “novas informações” forem anexadas ao processo por parte dos interessados, a questão pode ser reanalisada.
No dia, a Polícia Militar confirma que esteve no local e foi acionada para prestar apoio na ação. A comunicação da corporação de Araquari alega que se tratou de uma “ação pacífica”.
Já a assessoria do 62º Batalhão de Infantaria, de Joinville, disse, por nota, ter sido procurado pela PM para verificar se um indivíduo, envolvido na situação ocorrida em Araquari, era militar vinculado ao Exército Brasileiro. Após consulta, foi constatado que não havia vínculo.
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A Comissão Guarani Yvyrupa reiterou que o Norte de Santa Catarina é uma região habitada e cuidada por diversos coletivos Guarani, que têm seus direitos territoriais reconhecidos, mas as invasões a esses locais, conforme a entidade, são constantes.
Com base nesta situação, a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Ministério Público Federal e a Comissão Guarani acompanham o caso.
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