A corregedoria da Guarda Municipal de Joinville abriu um processo administrativo disciplinar para investigar a conduta dos guardas municipais envolvidos na perseguição a um motorista que, no meio da fuga, furou o sinal vermelho e bateu contra outro carro. Por consequência, Amanda Faria do Rosário, de 24 anos, que não tinha nenhuma relação com a ocorrência, morreu no local da batida. Outras duas crianças que também ocupavam o veículo ficaram feridas. O suspeito, de 18 anos, foi detido após sair do hospital e permanece preso.

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O caso aconteceu na noite de 14 de janeiro, perto da meia-noite. Chovia no momento do acidente e o movimento no trânsito ainda era intenso naquela noite de sábado, como citou o delegado Fábio Estuqui, que atendeu a ocorrência.

Condutor furou sinal vermelho e atingiu outro carro durante fuga da Guarda Municipal (Foto: Polícia Militar, Divulgação)

A perseguição começou nas proximidades do Parque da Cidade, na zona Sul de Joinville, e terminou de forma fatal no bairro Iririú, na zona Leste. Em questão de minutos, o fugitivo atravessou bairros, percorreu cerca de nove quilômetros e foi seguido por duas viaturas da Guarda Municipal. Esta ação despertou dúvidas com relação às atribuições da corporação. Afinal, a Guarda Municipal pode iniciar uma perseguição a um suspeito de crime em potencial?

Para Paulo Rogério Rigo, secretário de Proteção Civil e Segurança Pública de Joinville, a guarda, neste caso, não exerceu uma atividade exclusiva de polícia e, mesmo que investigados, acredita que os agentes agiram dentro do procedimento padrão.

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Já Nicholas Alessandro Alves Medeiros, coordenador geral das comissões da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e especialista em direito constitucional, interpreta que, dentro das competências descritas na lei que regula as guardas municipais, não há atribuição específica para perseguição por qualquer motivo.

Guardas agiram dentro dos padrões, diz Seprot

Paulo Rogério Rigo, da secretaria de Proteção Civil e Segurança Pública (Seprot) de Joinville, reconhece que as guardas municipais têm funções mais direcionadas para a proteção do patrimônio público. Ele explica que no dia 14 de janeiro os agentes estavam fazendo patrulhas rotineiras nas redondezas do Parque da Cidade, na zona Sul de Joinville, quando se depararam com o motorista.

Rigo conta que os guardas suspeitaram do homem porque o carro que conduzia estava com o vidro lateral traseiro quebrado, o que seria indício de arrombamento seguido de furto. A Polícia Civil confirmou depois que, de fato, o veículo, um Onix, havia sido furtado na noite anterior ao acidente, e que o suspeito, inclusive, teria participado da ação criminosa.

— Houve, inicialmente, um acompanhamento. Foram alguns quilômetros de apenas acompanhamento. Provavelmente ele deve ter percebido [que estava sendo seguido] e já a alguns quilômetros à frente, confirmado realmente que era suspeito, foi dado o aviso pra ele parar para ser feita a abordagem de rotina, como acontece normalmente. E aí ele empreendeu fuga. A guarda não fez uma perseguição, perseguição seria aquela com uma proximidade mais acirrada — afirma Rigo.

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O secretário cita que o processo administrativo foi aberto no dia 16 de janeiro e irá analisar a conduta dos cinco guardas que participaram da ação. Ele informa que esta investigação é comum, principalmente porque houveram vítimas, mas salienta que não houve qualquer denúncia. Por isso, não necessariamente quer dizer que a Guarda Municipal errou na atuação, mas a busca é para se ter lisura da situação. “Não é uma caça às bruxas”, destacou. O processo deve ficar pronto em 30 dias.

Segundo Rigo, os agentes permanecem trabalhando normalmente e só seriam afastados caso apresentassem algum abalo emocional por causa da ocorrência. Mas, a princípio, diz que todos estão tranquilos e, inclusive, sendo acompanhados por psicólogos da prefeitura.

— Não tem porquê tirá-los das ruas. Numa apuração preliminar, nossos guardas fizeram o procedimento todo dentro dos padrões, eles são treinados para isso. Não houve aquela perseguição acirrada, as viaturas estavam numa distância. Tanto que o vídeo especificamente do acidente, que circulou nas redes sociais, dá pra ver que quando ele [o fugitivo] cruzou o sinal fechado e bateu no outro veículo, a guarda demora um tempo pra chegar. E por outras imagens que nós temos, a distância que as duas viaturas mantiveram do veículo em fuga foi bem considerável — defende o secretário.

Para Seprot, ação foi legítima e necessária

Para Rigo, caso tenha ocorrido uma perseguição em alta velocidade, por exemplo, não necessariamente quer dizer que os guardam tenham se excedido na ação, principalmente porque o veículo empreendeu fuga e, a partir disso, foi constatado que algo estava errado.

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Após o acidente e prisão do suspeito, o secretário diz que foi descoberto, inclusive, que ele não possuía carteira de habilitação.

— Então, se a gente for também analisar de uma forma mais contundente, a ação da guarda foi, além de legítima, necessária, porque esse rapaz não tinha habilitação e poderia cometer outros crimes, como acabou cometendo. E, diga-se de passagem que, a partir do momento que o agente da lei percebe a possibilidade de que tenha suspeita de um crime, ele tem que agir. Caso ele não aja, pode ser enquadrado como prevaricação — determina Rigo.

O secretário ainda aponta que a lei federal 13.022, de 2014, entre outras atribuições, menciona que a atuação das guardas municipais é o patrulhamento preventivo. Então, se estiver em deslocamento de uma ação, seja de proteção ou de vistoria de uma área, é comum que ocorra abordagens a suspeitos em potencial.

— Porque a guarda também faz fiscalização de trânsito. E os nossos agentes não só fazem a parte de fiscalização, mas também organização de trânsito. No caso, foi uma abordagem para verificar se o veículo estava normal e acabou que era um veículo furtado — explica.

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Guardas acionaram a PM só após o acidente

Rigo diz que, do momento que o motorista suspeito foi identificado até o acidente, passaram-se apenas oito minutos. Ele argumenta que foi uma ação muito rápida e, por este motivo, durante o acompanhamento ao veículo, os agentes não acionaram a Polícia Militar. Mesmo assim, admite que a conduta correta seria pedir o auxílio da PM.

Com relação às viaturas da guarda estarem juntas, explica ser comum, sempre que possível, que as guarnições que estejam na rua andem próximas no período noturno.

— Quando acontece isso [abordagem a um suspeito de crime], o procedimento é pedir auxílio da polícia ou de outras guarnições da guarda que estejam próximas, mas não houve nem tempo disso. Tanto que quando houve o acidente, eles já estavam comunicando e pedindo o apoio da polícia, que chegou bem rápido. Mas o normal é solicitar apoio. Porque até então, até o meliante imprimir fuga, não havia essa necessidade, porque era apenas uma verificação — justifica.

Rigo ainda reforça que, tão logo aconteceu o acidente, a polícia e bombeiros já foram chamados e foram tomadas todas as precauções necessárias para a ocasião. Para ele, o que houve foi uma “fatalidade”, um “crime cometido por um criminoso que será julgado pela lei” e ressalta que todas as forças de segurança da cidade atuam de forma alinhada e colaborativa e “ninguém tem a intenção de fazer o trabalho um do outro”.

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— As guardas têm funções mais específicas, voltadas para o patrimônio público, mas o nosso maior patrimônio é o cidadão.

Lei não cita competência de perseguição à Guarda Municipal

Nicholas Alessandro Alves Medeiros, especialista em direito constitucional, afirma que as atribuições genéricas das forças de segurança são definidas nos artigos 42 e 144 da Constituição Federal. Em resumo, cita que, às polícias militares cabe o policiamento ostensivo e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil; já as guardas municipais instituídas pelos municípios são destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

De forma específica, as competências da Guarda Municipal são reguladas pelo artigo 5º da lei federal 13.022. No regulamento, além da proteção ao patrimônio público, também são mencionados pontos, como: atuar de forma preventiva, colaborar de forma integrada com outras forças de segurança em ações conjuntas que contribuam com a paz social, cooperar com os demais órgãos de defesa civil em suas atividades, garantir o atendimento de ocorrências emergenciais e desenvolver ações de prevenção primária à violência, entre outras funções preventivas e de fiscalizatórias.

— Dentro das atribuições descritas na lei que regula as guardas municipais não há atribuição específica para perseguição por qualquer motivo. O Código de Trânsito Brasileiro regula a circulação de viaturas e veículos de emergência e autoriza, durante a ocorrência, o tratamento diferenciado para infrações de trânsito. A conduta correta é a descrita no protocolo da própria guarda municipal. Caso não haja tal regulação e havendo suspeita de crime e infrações de trânsito, os responsáveis pela ocorrência devem acionar a Polícia Militar e aplicar as multas estabelecidas, na falta de agentes de trânsito no local — explica o advogado.

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Em qual caso é prudente iniciar uma perseguição?

O especialista em direto constitucional afirma que, em caso de flagrante delito, ou seja, quando o criminoso é pego no ato, compete à Polícia Militar a perseguição, já que à corporação é atribuída a competência de polícia ostensiva.

Ele reforça que ambas as instituições possuem protocolos de segurança que devem ser seguidos conforme os treinamentos executados em cursos de formação e cabe aos envolvidos na ocorrência avaliar a situação e procurar, quando possível, seguir o que manda o protocolo.

— Deve-se avaliar se o bem da vida, seja ele patrimônio público, privado, ou bem imaterial, que se está tentando proteger é mais precioso que o risco que uma perseguição provoca. Também é necessário verificar o motivo da perseguição, bem como verificar se tal motivo é parte das atribuições específicas da Guarda Municipal e se há de fato protocolo para tal circunstância. Não tenho conhecimento do protocolo — destaca.

Medeiros ainda cita que os agentes que atuam na administração pública estão sujeitos ao processo administrativo disciplinar quando há a possibilidade de não terem agido de acordo com o que manda o protocolo.

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Em caso de infração grave, as regras da própria guarda, bem como no caso de dano ou cometimento de crime culposo (homicídio culposo no trânsito), estão sujeitos a penas que podem chegar à demissão do serviço público, bem como as penas previstas no código de trânsito brasileiro e código penal.

Relembre o caso

O acidente aconteceu pouco antes da meia-noite do dia 14 de janeiro na esquina das ruas Iririú e Piratuba, no bairro Iririú. O motorista em fuga furou o sinal vermelho e, no cruzamento, acertou o Nissan Kicks em que estava Amanda, que era ocupado por outras cinco pessoas.

Amanda tinha 24 anos e morreu no local da batida (Foto: Redes sociais/Reprodução)

Com o impacto da batida, as seis vítimas foram arremessadas para fora do veículo, de acordo com a polícia. Amanda morreu no local do acidente e, entre os feridos, estavam duas crianças, de oito e 11 anos (encaminhadas para o hospital infantil), e três adultos (dois levados para o hospital São José e um para a Unimed).

No momento do acidente, o condutor fugia em alta velocidade da Guarda Municipal. Segundo o delegado Fábio Estuqui, que fez o flagrante, no boletim de ocorrência da Polícia Militar consta que o Onix envolvido na batida teria sido furtado na noite anterior ao acidente no bairro Bucarein, por uma dupla da qual o motorista responsável pela colisão fazia parte.

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A Guarda Municipal deu ordem de parada ao motorista porque os agentes perceberam que os vidros estavam quebrados. O homem não obedeceu e, portanto, a perseguição começou no bairro Guanabara, na zona Sul da cidade, e terminou só após a batida na zona Leste.

Ainda conforme o investigador, a partir do momento que o condutor furou o sinal vermelho, seja por infração de trânsito ou por constar alguma ilegalidade no carro, ele assumiu o risco de assassinar as vítimas e, portanto, foi um “assassino em potencial”.

O motorista, após ser liberado do hospital, recebeu voz de prisão e passou por audiência de custódia no domingo (15). Ele também foi submetido ao teste do bafômetro, que não apontou a presença de álcool no sangue. A reportagem do A Notícia entrou em contato com o Tribunal de Justiça de SC, que informou que o juiz Felippi Ambrósio converteu a prisão em flagrante em preventiva.

Ele poderá responder pelo crime de homicídio, lesão corporal e furto qualificado, afirma o delegado.

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