*Por Elisabetta Povoledo

Roma – Há semanas, o governo italiano vem bombardeando o país com sua principal recomendação para conter a disseminação do coronavírus: "Fiquem em casa." Mas, para os milhares de sem-teto e os que vivem na pobreza extrema em Roma, sair da rua é praticamente impossível.

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"Esse pessoal não pode atender ao pedido do governo de ficar em casa porque não tem para onde ir. O problema é que são os membros mais frágeis da população, e justamente os que estão mais expostos", afirma Francesca Zuccari, coordenadora de serviços da instituição de caridade da Comunidade de Santo Egídio, referindo-se às aproximadamente oito mil pessoas que vivem nas ruas atualmente vazias da capital italiana.

A Itália registrou quase 64 mil casos de Covid-19, o número mais alto na Europa, e mais de seis mil mortes, o maior do mundo. Na luta para conter o surto, o governo implantou regras bastante rígidas.

O mínimo para se manter seguro e cumprir as ordens do governo, porém, é luxo para os paupérrimos do país. Como lavar as mãos sem ter pia? Estocar alimentos sem ter dinheiro? Manter resguardo sem ter onde morar?

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Embora os sopões e abrigos de Roma permaneçam abertos, os sistemas informais de apoio – as moedas deixadas no chapéu ou na latinha, o pãozinho doado para o café da manhã – não existem mais. E o fechamento de bares e restaurantes sem querer bloqueou o acesso aos banheiros.

"A população ouve o tempo todo que tem de lavar as mãos, mas os sem-teto não têm para onde ir", diz Zuccari.

Mais do que qualquer outra coisa, a interrupção drástica da movimentação nas ruas da cidade significa que muito mais gente está passando fome.

Três vezes por semana, o pessoal pode receber uma refeição quente no sopão que a Santo Egídio administra em um casarão no bairro de Trastevere; nos outros dias, os voluntários da instituição entregam quentinhas nas áreas em que os sem-teto normalmente se reúnem, inclusive nas principais estações de metrô. São 2.500 refeições distribuídas por semana.

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"O volume cresceu para acompanhar a demanda, mas também é uma maneira de fazer essas pessoas saberem que não foram abandonadas", explica Zuccari.

epidemia
(Foto: Alessandro Penso / The New York Times)

Em uma tarde recente, as ruas da região estavam mais quietas que o normal, e os poucos que se arriscavam pareciam ir todos para o mesmo lugar: o sopão da Santo Egídio.

Devido ao distanciamento social, são poucos os frequentadores que podem se sentar lado a lado às longas mesas do salão principal; por isso, a entidade fica aberta até mais tarde, "para dar uma chance a todos de comer", segundo Zuccari.

A Santo Egídio foi fundada em 1968 por um grupo de estudantes que queria ajudar os pobres da cidade; Zuccari está lá há mais de 40 anos. "Eu era muito nova", comenta, acrescentando que, na época, cerca de 70 mil pessoas viviam nas áreas mais carentes de Roma. "Hoje a pobreza está mais diluída, disfarçada. E na cidade é agravada pela solidão. O pessoal geralmente acaba na rua porque não tem a quem pedir ajuda."

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Zuccari revela que, apesar de haver "mais fome", o número de pessoas que recorre ao sopão vem caindo nas últimas semanas. "Tem o problema de se movimentar pela cidade; mesmo os sem-teto estão sendo parados pela polícia. Eles estão com medo."

Quem for pego violando a lei municipal da quarentena pode ter de pagar uma multa equivalente a US$ 220 e passar três meses na cadeia.

Muitas pessoas em situação de rua estão passando mais tempo nas proximidades do Vaticano. Isso porque ali a instituição de caridade papal distribui comida e montou chuveiros perto das colunas da Basílica de São Pedro. As Missionárias da Caridade, congregação fundada por Madre Teresa, também atendem os necessitados na mesma área.

Mesmo em tempos menos turbulentos, as instituições assistenciais têm de lutar para se manter abertas, mas agora a Santo Egídio precisa de verba extra para comprar máscaras faciais, alimentos e álcool gel. Muitos voluntários de mais idade, que antes ajudavam na cozinha e/ou na distribuição das refeições, já receberam ordens do governo de ficar em casa.

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Entre os frequentadores do sopão em uma noite recente estava um sem-teto de 34 anos que se identificou apenas como Arturo. "Estamos vivendo um desastre. Tem muita gente sofrendo", lamentou.

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