O maior e mais complexo julgamento da história do Supremo Tribunal Federal (STF) está prestes a recomeçar. Oito meses depois de a mais alta Corte do país confirmar a existência do mensalão, condenar 25 dos 37 réus e definir as penas, a análise da ação penal 470 tem nova fase.

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Nas próximas semanas, os 11 ministros do Supremo devem apreciar os recursos – tentativas das defesas para rever as punições do escândalo que abalou o governo Lula e a cúpula do PT.

Presidente do STF e relator do processo, Joaquim Barbosa deve comunicar nesta semana que a apreciação dos recursos, os embargos, se iniciará na metade do mês. Etapa do julgamento capaz de mudar o destino de réus como o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente petista José Genoino – hoje deputado federal – e o antigo tesoureiro do partido, Delúbio Soares.

A retomada ocorre um ano depois do começo do julgamento. Em 2 de agosto de 2012, o Brasil passou a mirar o plenário do STF. Durante quatro meses e meio acompanhou o desfile de advogados e as discussões entre o relator Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski.

Ao fim, a Corte concluiu que líderes petistas desviaram recursos públicos para comprar apoio político no Congresso no primeiro mandato do ex-presidente Lula. Saudado como uma mudança na lógica da impunidade reinante no país – ao condenar políticos de proa e banqueiros -, o julgamento retorna envolto de interrogações.

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O próprio cumprimento das decisões é questionado. Diante do emaranhado de embargos possíveis, é difícil prever a duração dessa etapa, que antecede a execução das penas. Os mais otimistas falam em duas semanas. Os pessimistas, em dois ou três meses de sessões.

– Antes do começo do julgamento, falavam que duraria um mês, mas durou quatro. É um caso com muitas possibilidades de recursos, que podem ir adiando o cumprimento das penas – observa Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio.

A análise dos recursos também carrega dúvidas. Os 25 condenados entraram com embargos de declaração, usados para esclarecer eventuais pontos confusos ou contraditórios do acórdão, o resumo por escrito da decisão da Corte, que, no caso do mensalão, tem 8.405 páginas.

Apesar do caráter elucidativo, o recurso é uma primeira tentativa de reduzir as penas. É no que confia a defesa de Genoino, condenado a seis anos e 11 meses por formação de quadrilha e corrupção ativa.

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– Ao apontar as contradições dos votos, os esclarecimentos podem levar os ministros a reduzir as penas. Acredito, inclusive, que seja possível reverter a condenação – afirma Luiz Fernando Pacheco, advogado do petista, que na última semana passou por uma cirurgia no coração.

A Corte também avaliará se cabem os embargos infringentes, recurso que exige um novo julgamento para réus que tiveram quatro votos pela absolvição. Genoino, Delúbio, Dirceu e o empresário Marcos Valério, apontado como operador do mensalão, podem ser beneficiados pela medida.

Considerado o mentor do esquema, Dirceu tem chances de reduzir a pena de 10 anos e 10 meses, escapando da prisão em regime fechado – possibilidade que era dada como certa nos bastidores do Supremo até as manifestações de junho.

– Mesmo que juridicamente possa ser correto, reduzir a pena ou absolver o Zé Dirceu vai trazer a sensação de impunidade, criticada nos protestos. O STF também é suscetível à pressão das ruas – observa um dos advogados que participa do julgamento.

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A esperança dos réus

Se aceitar os embargos infringentes, o STF terá de apreciar outra vez as provas para os crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Para as defesas dos condenados, a nova avaliação pode mudar conclusões da primeira etapa do julgamento.

Advogado do publicitário Duda Mendonça, absolvido pelo Supremo, Luciano Feldens pensa diferente. Professor da pós-graduação de Ciências Criminais da PUCRS, ele não crê que os ministros alterem profundamente as decisões. No máximo, projeta, vão reformular questões pontuais de alguns réus:

– O STF foi rígido na avaliação das provas, mas, com os recursos, o jogo segue aberto.

Processo do PSDB longe da sentença

Definida pelo MP como “laboratório” do mensalão petista, a versão tucana do esquema, que também teria sido operada por Marcos Valério e perpetrada em 1998 em Minas Gerais, segue em fase de tomada de depoimentos e sem previsão para ir a julgamento.

O mensalão do PSDB, segundo o MP, ocorreu durante a campanha do atual deputado Eduardo Azeredo à reeleição no governo de Minas. O esquema teria desviado R$ 3,5 milhões, mas a conta pode passar de R$ 100 milhões.

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Diferentemente do que ocorreu com o mensalão petista, o STF optou por desmembrar o caso, com 15 réus. A denúncia chegou em 2007 (um ano depois do envio da denúncia do mensalão do PT), sendo que a Corte decidiu julgar só Azeredo e o senador Clésio Andrade (PMDB), devido ao foro privilegiado. Ambos são acusados de peculato e lavagem de dinheiro. Os outros serão julgados na Justiça comum.

As previsões mais otimistas indicam que os processos serão analisados em 2014, depois das eleições. A demora gera reclamações de petistas. No mensalão do PT, foram sete anos entre a eclosão do escândalo (2005) e o julgamento (2012). No tucano, descoberto em 2005, os processos continuam aguardando julgamento e a espera já soma oito anos.

Dois ministros novatos podem alterar decisões

Corte que vai analisar os recursos do mensalão não será a mesma que condenou 25 dos 37 réus. A cúpula do Judiciário tem duas alterações. Nas vagas dos aposentados Cezar Peluso e Ayres Britto, entraram o catarinense Teori Zavascki, 64 anos, eLuís Roberto Barroso, 55, do Rio de Janeiro. Dois votos capazes de mudar o desfecho do julgamento.

Indicados pela presidente Dilma Rousseff, com perfis técnicos e currículos acadêmicos respeitáveis, os novatos movimentam as apostas das defesas dos réus. Os ministros, cujas posições em relação ao caso ainda são desconhecidas, nutrem a esperança dos advogados em reverter as condenações.

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– São pessoas diferentes, com formações e interpretação diferentes. É possível que tenham votos distintos dos antecessores – diz Ivar Hartmann, professor da FGV Direito Rio.

A relevância da participação dos magistrados ainda é uma incógnita. Eles terão maior destaque caso o STF aceite os embargos infringentes. Os recursos poderão beneficiar 12 réus com um novo julgamento para os crimes de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, que tiveram placares condenatórios apertados (6×4 ou 6×5). Seis réus podem ter mudança de regime de prisão.

Nesses casos, os 11 ministros terão de examinar outra vez as provas. Se Teori e Barroso inocentarem os réus, cravarão placares a favor das absolvições. Assim, José Dirceu e Delúbio Soares, por exemplo, deixariam de cumprir parte da pena em regime fechado. Contudo, juristas evitam prognósticos, dificultados pelo estilo discreto dos ministros.

Em junho passado, durante a sabatina no Senado, Barroso admitiu que o julgamento do mensalão foi um “ponto fora da curva”, mas destacou que o país precisava “virar a página”. As declarações só aumentaram o mistério, alimentado pela carreira do ministro.

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Um dos principais constitucionalistas do Brasil, ele debuta com a toga. É conhecido no Supremo, mas no lado da defesa. Como advogado, atuou nos processos que liberaram a união estável entre homossexuais, as pesquisas com células-tronco e o aborto de fetos anencéfalos.

– O ministro Barroso não era um juiz, só conhecemos o que ele escreveu, sempre de forma técnica e apurada – explica Pierpaolo Bottini, professor de Direito Penal da USP.

Já Teori deixa pistas. Natural de Faxinas dos Guedes, no oeste catarinense, o ministro acumula decisões em mais de 20 anos de magistratura, entre o Tribunal Regional Federal da 4ª Região e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

É considerado “garantista”, termo que, no jargão jurídico, identifica os juízes reconhecidos pelo rigor na interpretação das leis. Para alguns, isso poderia beneficiar os réus. Ainda assim, segundo o professor Bottini, é difícil prever o voto.

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– O ministro Teori tem casos julgados de lavagem de dinheiro, mas nada muito conclusivo. Qualquer prognóstico seria especulação.

Números do caso

– Quatro meses e meio de duração

– 53 sessões

– 37 réus

– 25 condenados

– 12 absolvidos

Os regimes de prisão

– Aberto: pena menor que quatro anos. O réu dorme em albergue e pode sair durante o dia para trabalhar.

– Semiaberto: pena de quatro a oito anos. O réu pode trabalhar durante o dia e dormir em albergue ou em colônia penal.

– Fechado: pena superior a oito anos. O início da pena é cumprido em uma prisão.