Em seu trabalho como administradora de imóveis, Kristin Reyes frequentemente se vê atendendo a pedidos de clientes por um tipo especial de cuidadora de crianças. “As pessoas me ligam e dizem: ‘Kristin, preciso de uma Mary Poppins moderna.’ Todo mundo sabe o que isso significa.”
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Reyes explicou que eles se referem àquele modelo antiquado de paciência, bom humor e decoro, também conhecido como governanta. E, sim, ela – quase sempre uma mulher – está de volta, um híbrido corajoso de tutora e coach para a vida cada vez mais procurada por famílias ricas que estão lutando para educar os filhos em meio a uma pandemia.
O fechamento de escolas e a limitação da interação social imprimiram uma urgência particular à sua busca. “Nas últimas seis ou oito semanas, temos recebido muitos pedidos para educadoras e governantas de todo o país” disse Anita Rogers, fundadora e principal executiva da British American Household, uma agência de empregos domésticos.
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Os pedidos começaram a dobrar à medida que as famílias se preparavam para o segundo semestre e para o rigor do aprendizado remoto, explicou Rogers. “Durante a pandemia, estamos indo muito bem.”
April Berube, fundadora e proprietária da Wellington Agency, uma agência de empregos em Palm Beach, na Flórida, também está sendo bastante requisitada. “Tivemos um aumento muito expressivo nos pedidos por governanta ou babá com formação em educação.”
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Segundo ela, trata-se principalmente de mulheres jovens, geralmente dispostas a morar na casa da família por um período indefinido e equipadas para ensinar desde matemática até boas maneiras à mesa e uma conjugação perfeita de verbos em mandarim.
A governanta contemporânea pode trabalhar em uma residência formal, com motoristas, cozinheiras, faxineiras e demais empregados. Ao contrário, porém, de uma babá convencional, espera-se que ela forneça uma versão sofisticada do ensino domiciliar.
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Com frequência, o trabalho exige um currículo sofisticado que pode incluir um diploma de ensino superior, facilidade com idiomas e maneiras que se equiparam às de uma marquesa.
Mas a posição foi, até certo ponto, democratizada. “Não é mais uma exclusividade de famílias de alto poder aquisitivo”, observou Reyes.
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Durante uma crise de saúde que não mostra sinais de enfraquecimento, as famílias cujos pais têm uma carreira estão procurando por uma governanta para atuar como mãe ou pai substituto para as crianças ou adolescentes.
Eles podem recorrer a uma miríade de agências de emprego doméstico de Boston ao Bahrein, passando por especialistas em vagas como a Quality Nanny em Boulder, no Colorado; a Elite Nannies em Greenwich, Connecticut; ou a Louer, no Upper East Side de Manhattan. Todas as vagas postadas podem exigir uma educação de primeira, carteira de motorista, passaporte e disponibilidade para se deslocar.
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Berube apontou que há famílias enfrentando a pandemia em uma casa de veraneio em Aspen, no Colorado, ou em Palm Beach, e outras que costumam viajar para destinos distantes no exterior.
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Alguns clientes especificam que estão procurando uma governanta. O título confere uma aura de prestígio, comentou Rogers. Outros abordam de maneira mais indireta.
“As famílias copiam e colam algo que viram on-line. Elas enviam uma descrição padrão do que é uma governanta: uma pessoa que fale bem, seja educada e tenha mestrado em educação. Também podem adicionar outras coisas, como formação em arte”, explicou Berube. Os salários variam de US$ 80 mil a US$ 150 mil por ano.
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O título em si é pitoresco, e evoca aquele acessório apertado e com perfume de lavanda da ficção da era vitoriana. E também é carregado, deixando um rastro de mais do que um sopro de prerrogativa.
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“‘Quem contrata uma governanta? Eu, não'”, disse Rogers, repetindo um cliente típico. “Nesse nível, são pessoas que querem um mentor para os filhos, como algo saído de um filme.”
Essa é uma impressão que algumas agências trabalham para reforçar. A Duke & Duchess, uma agência de empregos internacional, destaca em sua publicidade que um sotaque britânico perfeito como o de Julie Andrews é uma vantagem: “Muitas famílias internacionais gostam que seus filhos aprendam o inglês da rainha, sem nenhum sotaque.”
Esse elitismo implícito inevitavelmente chama a atenção. “Isso me parece mais um exemplo de como a sociedade está se fragmentando entre os muito ricos e o resto”, frisou Ruth Brandon, romancista e jornalista britânica e autora de “Governess: The Lives and Times of the Real Jane Eyres” (Governanta: a vida e a vez das verdadeiras Jane Eyres, em tradução literal), uma história da profissão, publicada em 2008.
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“Cada vez mais, os ricos estão optando por não pagar impostos, isolando-se na pequena bolha de conforto. Assim, não têm envolvimento pessoal e não investem em serviços públicos, incluindo a educação”, resumiu Brandon.
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Historicamente, a própria governanta não escapou do escrutínio negativo. É verdade que ela foi idealizada como uma heroína protofeminista, uma Miss Eyre sofredora, gentilmente empobrecida, mas orgulhosa, que sobrevive a todas as crises, com sua integridade intacta.
Foi glamorizada como a protagonista perversamente sedutora dos romances da Regência com títulos excessivamente maduros como “As Instrutoras” ou “Entregada”. Mas também foi demonizada como potencialmente sinistra e possivelmente louca, a exemplo de Miss Jessel em “A Volta do Parafuso”.
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No entanto, o ideal hoje em dia é que a governanta imponha respeito como uma trabalhadora muito bem-sucedida em um trabalho exigente.
“Ela não é apenas uma substituta de uma babá chique, embora as obrigações de babá possam fazer parte do trabalho. Ela é responsável pela segurança e pelo bem-estar da criança. Mas o cargo também tem a ver com o de professora, um cenário cada vez mais comum à medida que o número de pais que aderiram ao ensino domiciliar continua aumentando”, explicou Katherine Patterson, especialista em vagas que trabalhou como governanta no início da carreira.
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Sua posição é matizada, estendendo-se desde a educação até o progresso social e emocional da criança. Não é surpresa, portanto, que as famílias agora estejam solicitando uma formação em psicologia infantil ou em desenvolvimento infantil, apontou Reyes, acrescentando: “Neste atual clima de instabilidade, as crianças têm muito mais a aprender sobre a vida em uma idade mais jovem. Uma governanta pode dar a uma criança de cinco anos a chance de entender por que não pode ver um amigo ou os avós. Com a Covid impactando tudo, a governanta é uma espécie de miniterapeuta.”
Ana-Christina Alfonso, de 42 anos, que trabalha desde agosto para uma família em Miami Beach, na Flórida, descreveu o trabalho de forma mais pragmática: “A governanta é o elo entre a casa e a escola. É responsável pela educação, mas também pelo agendamento de consultas e por brincar com as crianças.”
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Para Alfonso, ela não é uma empregada. Mas também não está no mesmo nível dos patrões. Embora o trabalho possa ser realizado em um ambiente íntimo, ele exige certo grau de reserva.
“Trato o ambiente como se fosse meu escritório ou uma empresa. Não vou me sentar no sofá ou à mesa da cozinha. Minha primeira regra é o decoro. Essa não é minha casa.”
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Patterson também é discreta: “A convivência obviamente acelera o processo para que as pessoas se conheçam melhor, mas a governanta decididamente não é um membro da família. É importante não se sentir muito confortável e não ultrapassar os limites profissionais, algo que ocorre com facilidade quando se abaixa a guarda.”