Quando soprou as velas do bolo de seu aniversário de 70 anos, Udo Döhler talvez não tenha fechado os olhos e feito um pedido, mas não havia segredo sobre seu maior desejo: ser o novo prefeito de Joinville. Era 28 de outubro de 2012. Ele completava sete décadas de vida e, naquele mesmo dia, venceria o deputado Kennedy Nunes no segundo turno de uma das eleições mais acirradas que a cidade já viu. O presente de aniversário foi uma virada nas urnas, contrariando pesquisas e projeções de votos.

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Dono de uma fortuna milionária (R$ 11,3 milhões declarados ao Tribunal Superior Eleitoral), pai de família e avô de duas crianças, o empresário adiava a aposentadoria para estrear na carreira política. Contrariando a ideia de que a idade pediria o conforto de uma cadeira de balanço e das pantufas, Udo preferiu sentir no bolso o peso das chaves da prefeitura. Saía de cena o homem de negócios que ajudou a consagrar o sobrenome Döhler por quatro décadas na direção de uma gigante da indústria têxtil.Joinville era apresentada ao Udo prefeito, uma figura pública construída pelo discurso de que governar uma cidade não é diferente de administrar uma empresa.

– Não falta dinheiro, o que falta é gestão – repetia.

Se a proposta funcionou na prática como parecia em teoria, as urnas vão responder neste domingo. Fato é que, reeleito ou não, os capítulos mais importantes da biografia de Udo Döhler agora se escrevem de trás para frente. A imagem do dirigente que presidiu a Associação Empresarial de Joinville (Acij) em cinco períodos, chefiou a Döhler S.A. e administrou o Hospital Dona Helena na maior parte da vida já não tem mais a mesma força que a de prefeito.

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O patrão, definitivamente, virou governante.Essa transformação, aliás, não era uma obsessão antiga do peemedebista. Perguntado se tinha planos para a prefeitura, numa entrevista ao jornalista Apolinário Ternes na década de 90, respondeu: ¿Não. Política não mais. Este tempo já passou¿.

O tempo, como se sabe, fez Udo Döhler mudar de ideia. Mas quase quatro anos de atuação política e exposição diária ainda não levantaram todas as cortinas diante desse senhor de 74 anos. Que Udo acorda cedo, tem uma disposição de menino e é movido pelo trabalho, Joinville inteira já sabe. O que não se vê no gabinete oficial e no horário eleitoral é o prefeito colecionador de patos, devorador de livros e apreciador da natureza. Ele jura que já plantou umas 10 mil árvores com as próprias mãos (e ri quando questionado se não exagerou na conta).

Provavelmente sairia dirigindo até o sítio Parati, no bairro Itinga, se precisasse comprovar a proeza. É onde ele e a mulher, Léa Döhler, buscam refúgio e se isolam do mundo, sem internet e sinal de celular. Lá estão espalhadas as milhares de figueiras, pinheiros, pés de palmito e café. Também há tanques de peixes, além de gansos, patos e galinhas ao redor da propriedade. A casa de descanso do sítio foi ele mesmo quem desenhou.

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É como se Udo tivesse construído seu próprio remédio após sofrer uma crise de estresse, muitos anos atrás, quando médicos pediram que desse mais atenção às horas de lazer. Caminhadas, desde então, são frequentes na rotina do prefeito. Divertir-se com os netos Udo Neto e Priscila, na companhia do filho César e da nora Cristina, acabou virando parte da receita médica. Udo até já pensou em transformar a chácara em um parque algum dia.

Há também um chalé reservado aos convidados, onde o já falecido senador Luiz Henrique da Silveira, seu conselheiro e padrinho político, chegou a ficar hospedado. Uma das candidaturas vitoriosas de LHS a prefeito teria nascido ali mesmo na chácara.

Massa, vinho e Crepúsculo

Seja no sítio ou num restaurante, o cardápio das massas é a melhor pedida para deixar o prefeito de Joinville com água na boca. Macarrão na manteiga – cozido entre sete e oito minutos para a massa ficar al dente – é um de seus pratos preferidos.Udo também é apreciador de vinhos. Diz que o tinto faz bem para as veias coronárias. Música clássica cairia bem em um jantar com o prefeito, mas ele garante que ouve samba, sertanejo, MPB e até rock. Curte Beatles, por exemplo.Assiste a todo tipo de filme e o gosto literário também é variado.

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Já leu a saga Crepúsculo (uma febre entre adolescentes) e recentemente voltou as atenções para O Mito do Governo Grátis, de Paulo Rabello de Castro.

– Recomendo a qualquer homem público. Ajuda a ficar distante dos desvios de conduta – diz.

Colecionador de patos

E onde entram os patos na vida de Udo Döhler? Espalhados entre a chácara e o apartamento na região central de Joinville, Udo guarda mais de 1,5 mil peças. São patos de madeira, metal, cristal, porcelana. Um dos exemplares ganhou forma pelas mãos do artista plástico joinvilense Marcos Avancini. Difícil entender tamanho fascínio, mas Udo admira o bicho por ser versátil e se sair bem em terra, água e ar.

– Isto se constituiu numa coleção, quem sabe, até para se comparar com uma das maiores do país – diz.

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Destacar o lado carismático de Udo Döhler, ao menos na campanha passada, parecia o maior desafio da equipe por trás do empresário. Udo chegou a se queixar de que não nasceu sendo presidente de empresa, como muitos presumiam. Ignorar a imagem de líder empresarial e gestor também significaria abrir mão de sua maior bandeira. Cercado de pessoas escolhidas a dedo que o ajudaram a abrir portas nos bairros e o aproximaram das comunidades, Udo encontrou o caminho para desconstruir a imagem de candidato dos ricos sem abalar a reputação de empregador bem-sucedido.

Seu braço direito é o jornalista Marco Aurélio Braga, contratado para a campanha em 2012 e depois anunciado como secretário de Comunicação. Agora afastado do governo para coordenar a atual campanha, ¿Marcão¿ novamente é quem segue (e guia) todos os passos do prefeito.

O problema da vida pública

A subida de Udo pelos degraus da vida pública teve seu preço. ¿Mitos perversos¿, disse o prefeito na primeira campanha, vieram à tona. Mensagens de que ele não tinha religião, de que exigia ser chamado de ¿doutor¿ e de que funcionários de sua empresa já haviam sido amarrados às máquinas repercutiram como nunca na internet. Um espaço na página oficial da campanha foi criado exclusivamente para contrapor os boatos, tamanha a dor de cabeça que causaram.

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Passada a eleição, Udo viveu dias de glórias. Selfies em eventos públicos viraram rotina. A sequência do mandato, como era de se esperar, trouxe o desgaste da administração pública e a lua de mel passou. Nestes quase quatro anos, Udo sentiu na pele que, enquanto numa fábrica a direção é normalmente blindada das críticas, numa cidade tudo pode virar culpa do prefeito. Em entrevistas, passou a se queixar da burocracia, do excesso de judicialização de atos administrativos e dos desvios de conduta.

Hoje, mitos do passado não preocupam mais – a atual página de campanha sequer faz referência aos boatos. O prefeito agora é alvo por estar no controle da máquina pública. Udo virou meme na internet, enfrentou a fúria de oposicionistas como o vereador Maycon Cesar (PSDB, não foi reeleito), ganhou perfis e páginas falsas nas redes sociais. A notícia do juiz que determinou a suspensão do Facebook por 24 horas, numa ação ajuizada pela coligação do prefeito contra uma página na rede social, correu o mundo nas últimas semanas.

Ainda que mantenha o discurso da eleição passada, Udo Döhler hoje conhece como poucos a distância entre gerenciar uma empresa e estar à frente de uma prefeitura com 12 mil servidores.

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Escola pública e pés descalços

Se hoje o prefeito tem como lema as ¿mãos limpas¿, na infância poderia dizer que teve seus dias de ¿pés sujos¿. É que o pequeno Udo começou os estudos em colégio público, na Escola Estadual Germano Timm, para onde ia até de pés descalços. A empresa da família ainda era modesta e bastava para o sustento. Seu bisavô havia emigrado da Saxônia em 1881 e, naquele mesmo ano, fundou a fábrica em Joinville.

Udo se juntou aos demais funcionários da Döhler aos 14 anos, na década de 1950, quando havia cerca de 50 empregados. Já em melhores condições financeiras, fez o ginásio e o ensino médio no Colégio Bom Jesus.Entre os colegas de classe estava o pintor Juarez Machado, que assina uma das obras expostas em seu gabinete na prefeitura. Udo também guarda uma carta em que o antigo companheiro de turma o manda jogar a pintura fora no fim do mandato. Uma espécie de piada interna: na época do colégio, Udo costumava rasgar os desenhos que recebia do colega.

Ainda jovem, o futuro prefeito se mudou para cursar direito em Curitiba – ele só exerceria a profissão por dois anos. Quando ainda estudava, viajava pelo menos a cada três meses para Joinville. Um dos motivos do vaivém era Léa. Udo a conheceu porque o irmão dele já era casado com a prima dela. Viam-se com frequência na praia de Barra do Sul durante as férias. Em um dos aniversários da moça, tudo começou. O romance se estendeu por outros verões e, após cinco anos de namoro e dois anos e meio de noivado, Udo e Léa se casaram.

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A reportagem pediu que o candidato escrevesse, de próprio punho, uma carta dizendo as razões pelas quais merece ser eleito. A equipe de campanha não havia atendido à solicitação até esta publicação.