Ser jogador de futebol. O sonho de criança mais clássico dos brasileiros era também a ambição de Bernardo Pisetta, 14 anos, de Indaial, e Vitor Isaías, 15, de Florianópolis. Os dois catarinenses estão entre os 10 jovens mortos no incêndio do Centro de Treinamento (CT) do Flamengo, no Rio de Janeiro, na madrugada desta sexta-feira (8). Outros três atletas ficaram feridos.
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O fogo atingiu o alojamento provisório do clube, no complexo conhecido como Ninho do Urubu, na zona Oeste do Rio. Até a noite de sexta não havia causa apontada para o incidente.
Segundo informação do portal G1, peritos suspeitam que um curto-circuito em um ar-condicionado pode ser a causa do incêndio.
Em nota divulgada na tarde de sexta, a prefeitura do Rio disse que a área do alojamento não constava no último projeto aprovado de licenciamento e era descrita como um estacionamento.
Não havia registro de novos pedidos de licenciamento para dormitórios. Um processo de investigação será aberto pela prefeitura para apurar responsabilidades. A prefeitura informou ainda que a inspeção neste tipo de edificação só é feita em casos de denúncia.
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Sonho interrompido
O drama fere o sentimento de qualquer um que já alimentou o desejo de ser jogador de futebol. Ou que já viu um irmão, um sobrinho, um vizinho comungar do mesmo sonho de Bernardo e Vítor.
No caso do goleiro de Indaial, ele começou a se destacar em times de futsal e futebol da região até chegar ao Athlético Paranaense. Desde agosto de 2018, atuava nas categorias de base do Flamengo.
A trajetória de Bernardo no ingrato mundo da bola foi tão curta quanto intensa. Os primeiros passos do menino de Indaial foram dados com o treinador Marinho. Em seguida, começou a jogar no campo da Associação Unidos, no bairro Tapajós, ao lado da escola em que a mãe trabalhava como professora.
No futebol os talentos despertam atenção cedo. Mesmo no sub-9, Bernardo já chamava a atenção do treinador Alcemir Pisetta pela altura e envergadura. Ainda treinava futsal com o técnico Ruy Alexandre Pauli.
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Entretanto, foi no gramado que ele seguiu chamando a atenção de olheiros. Logo conseguiu uma vaga no Athletico Paranaense. Mudou-se para Curitiba, onde ficou sob olhares cuidadosos dos avós.
Em agosto do ano passado, veio o convite do Flamengo e realização precoce do sonho de jogar no time do coração de (quase) toda a família. A conquista fez até o pai, que torce para o Fluminense, vestir com orgulho a camisa rubro-negra.
— Na verdade, todos vestiram a camisa do Bernardo — conta o primo, Marcelo Lanznaster.
A ascensão social e a promessa de fama fazem do futebol o sonho de muitos meninos. Não era esse, porém, bem o caso de Bernardo, movido mais pela magia e paixão pelo esporte.
Bernardo era o mais jovem dos dois filhos do casal Darlei e Leda. Ex-treinadores contam que o pai, representante comercial, sempre fez de tudo para dar ao garoto a estrutura e as condições para continuar brilhando no esporte. Tanto pai quanto filho mantinham os pés no chão e não se deslumbravam, mesmo que tudo parecesse dar certo.
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Bernardo havia visitado a família há pouco tempo. Passou as férias em Indaial. Treinou nas últimas três semanas com o ex-goleiro e hoje supervisor da Fundação Municipal de Esportes da cidade, Elton John Cavali da Silva, para manter a condição física antes de se reapresentar ao Flamengo.
A sexta-feira passada deveria ser o dia do último treino. Mas Elton decidiu dar folga e sugeriu que Bernardo aproveitasse o tempo com amigos e a família, já que depois ficaria longe deles durante a temporada.
– Agora tudo passa pela nossa cabeça. Parece que sugeri a folga para que ele pudesse se despedir – conta o preparador.
No sábado passado, Bernardo assistiu à final do Torneio de Futsal de Indaial e comemorou o título do Cachorrões, time amador para o qual torcia por influência de primos e amigos da família, como Sandro Mantau, organizador da equipe. Ainda em janeiro, foi ovacionado pela torcida ao ser anunciado no intervalo de um dos jogos da competição. Era com a camisa do Cachorrões, aliás, que gostava de treinar quando estava na cidade. A camisa deste ano, que Mantau prometeu enviar ao jovem pelos Correios, agora será entregue à família.
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Na última segunda-feira, Bernardo estava de volta ao Rio de Janeiro para o que deveria ser mais um ano de evolução e sonhos. Sonhos que ficaram indefesos diante de mais um drama.
Na quarta-feira, Bernardo chegou a trocar mensagens com amigos, tranquilizando-os depois que um forte temporal que atingiu o Rio.
– Foi um sonho que todos sonharam juntos. Todos vestiram a camisa. É um sonho destruído. Dói demais, mas Deus convocou ele para a seleção do céu – lamenta o primo Marcelo. (Colaborou Adriano Lins).
"Ele sempre vinha aqui", lembra diretor de escola sobre Vítor Isaías, morto no incêndio no CT do Flamengo
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