Se O Continente seria Caravana, um dos títulos que Erico pensou inicialmente para O Arquipélago seria Encruzilhada _ a viagem original da “caravana” deparando com um ramificar de caminhos possíveis _ imagem que o autor manteve adaptando-a para o esfacelamento da família em uma série de “ilhas”. Uma pulverização que reflete também a do Brasil.
Continua depois da publicidade
_ O Arquipélago é a grande narrativa da corrupção do Brasil durante a Era Vargas _ comenta Flávio Loureiro Chaves.
O livro que mais demorou a ser escrito é, apesar de aparente repetição da estrutura de O Continente, o mais ousado em termos literários de toda a saga. Erico constrói uma obra que alterna vários registros _ a narrativa de ampla exploração psicológica que havia usado anteriormente, as anotações esparsas de um escritor gestando um livro, um diário íntimo escrito por uma mulher _ e que realiza nos anos 1960 uma reflexão disfarçada sobre a própria arte do romance e sua elaboração.
Usando como porta-voz de algumas de suas concepções estéticas Floriano, o filho escritor e deslocado de Rodrigo Terra Cambará, Erico faz das discussões que o personagem trava com seu amigo Roque Bandeira uma reflexão sobre sua própria intenção de escrever O Tempo e o Vento. As objeções técnicas que Bandeira, o “Tio Bicho”, faz ao projeto são as mesmas que Erico teve de enfrentar: o fato de que à medida que a história fosse se aproximando da contemporaneidade do escritor, suscetibilidades seriam feridas; uma restrita margem para inventar os fatos sobre os quais não se tinha certeza, algo facilitado pelo caráter ancestral de O Continente.
Além da formação de Floriano como escritor e da construção do livro como obra romanesca, Erico também mergulha com tremenda profundidade nas motivações de outros personagens além de Rodrigo _ seu vago mundanismo é mostrado par e par com o comunismo de Arão Stein, o conservadorismo de Licurgo e de Jango, o anarquismo afetado de Roque Bandeira, a perplexidade de Floriano. A figura de Rodrigo ainda é maior do que a vida, mas Erico foi eficaz em espremer nos três volumes uma fatia considerável da vida brasileira do período _ com uma habilidade e um fôlego únicos.
Continua depois da publicidade
Momentos históricos retratados no livro:
Foxtrote
Em um serão em sua casa em 1922, Rodrigo apresenta aos convidados um disco com a canção Smiles, do novo ritmo foxtrote. A canção foi composta por J. Will Callahan and Lee S. Robert em 1917 para um musical da Broadway, The Passing Show of 1918. No mesmo ano, foi gravada pela Orquestra Joseph Smith no ano seguinte, e sua popularidade ajudou a divulgar o ritmo. O foxtrote surgiu no início da década de 1910 como uma dança de salão para músicas de “big bands”, conjuntos instrumentais com grande número de integrantes.
Semana de Arte Moderna
No romance, também são discutidas as ações da Semana de Arte Moderna de 13 a 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. O objetivo era mostrar ao público brasileiro a produção contemporânea de pintura, música e literatura, interessada em experimentações de linguagem artística e em quebrar a repetição dos moldes tradicionais. Participaram da Semana, entre outros grandes nomes da arte nacional, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, Heitor Villa-Lobos e Di Cavalcanti.
18 do forte
A certa altura, Rodrigo mostra a um grupo de amigos uma cópia da foto dos “18 do Forte” (abaixo), revolta ocorrida em 5 de julho de 1922 e apontada como o episódio inaugural do tenentismo. Fora planejada a tomada das unidades militares da então Capital Federal, o Rio, para impedir a posse de Artur Bernardes, programada para novembro. No dia combinado, apenas o Forte de Copacabana e a Escola Militar aderiram. Depois de intenso bombardeio ao forte, dos 301 revoltosos originais sobraram 28 homens. Os resistentes avançaram a pé pela Avenida Atlântica até o Leme, mas depois de iniciado um tiroteio com as forças legalistas, apenas 18 persistiram (17 militares e um civil). Destes, apenas os tenentes Eduardo Gomes e Siqueira Campos sobreviveram.
Revolução de 1923
Os Cambará formam uma coluna para combater na Revolução de 1923 ao lado de seus antigos adversários maragatos. O conflito durou 11 meses e opôs os apoiadores de Borges de Medeiros (1863 _ 1961, à esquerda), presidente do Rio Grande do Sul, aos aliados de Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857 _ 1938). Os líderes das facções haviam se enfrentado em 1922 em uma eleição que terminou com a vitória fraudulenta de Borges, detonando o conflito.
Continua depois da publicidade
Getúlio Vargas
Uma das figuras mais presentes na história nacional do século 20, Getúlio Vargas (D) é um catalisador de muitos eventos na terceira parte da saga. A trajetória de Rodrigo Terra Cambará cruzará com a de Getúlio muitas vezes, mas o político e ditador gaúcho só aparece pessoalmente como personagem quando Rodrigo Terra Cambará discursa na Assembleia de Representantes para renunciar ao mandato de deputado estadual pelo partido de Borges de Medeiros.