Entre os jornais estrangeiros, o espanhol El País é o que mais tem dado atenção às manifestações de rua que, desde a semana passada, ocorrem com hora marcada nas maiores capitais do Brasil. Seu correspondente aqui, Juan Arias, ontem foi certeiro: o Brasil vive “uma espécie de esquizofrenia ou paradoxo que ainda deve ser analisado e explicada”. O país da apatia, bom de samba e de bola, de repente, sacode a pasmaceira como havia muito não se registrava – e bem em tempos de futebol. Realmente, um espanto. Só que de casa, do sofá ou via redes sociais fica mesmo difícil compreender o que se passa.

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Até quinta-feira, por exemplo, quando a polícia agrediu a torto e a direito, os manifestantes provocavam a participação da sociedade. Diziam: “você acha que é só pelos 20 centavos de aumento na passagem? Vem pra rua”. Depois de quinta, gente de todas as crenças e idades se juntou a eles, indignada com a covardia do Estado e vendo na mobilização uma válvula de escape para sua frustração com “N” tipos de demandas reprimidas, da fila nos hospitais ao dinheiro na cueca de políticos ladrões. Agora, acontece o inverso: manifestantes exigem que quem quer o fim da corrupção, para citar o caso mais “debatido”, não se “aproveite” das passeatas, etc.

Há, agora, também, uma preocupação de que a “direita” use os protestos para “derrubar” a presidente Dilma Roussef, que é avaliada como regular/ótima-boa por 90% da população (Datafolha, 09/06) e é apoiada/sustentada por políticos como José Sarney, Renan Calheiros, Cesar Borges, Maluf, Collor, Moreira Franco, Edison Lobão, Marcelo Crivella, Garibaldi Alves Filho, Severino Cavalcanti, Jáder Barbalho, Henrique Eduardo Alves, Afif Domingos e Marco Feliciano. E a esquizofrenia aumenta: por esse raciocínio, quem tenta queimar uma Assembleia Legislativa ou invadir o Congresso é golpista e de direita?

Até quinta-feira, as emissoras de TV e os jornais tendiam a dar mais atenção ao excepcional, à ação de uma minoria que provocava a polícia e cometia atentados ao patrimônio público ou à propriedade privada, ou então a considerar todo mundo “baderneiro”, merecedor de repressão. Depois de quinta, a cobertura das manifestações ficou mais sóbria. E a confusão aumentou: a mídia estaria interessada em fomentar um plano secreto, que esvazie as manifestações? Desde que essa corrente ganhou força, manifestantes têm feito, curiosamente, o que apontavam como erro da mídia antes da quinta passada: um cartaz equivocado aqui, um grito de guerra obtuso ali seriam a prova de que a coisa toda “degringolou”.

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“Sou jornalista há 30 anos e não via uma manifestação desse tamanho desde as Diretas Já”, disse a carioca Leilane Neubarth, na Globo News, ontem, assistindo à passeata na Avenida Rio Branco, na capital do seu estado natal. Foi bonito de ver, mesmo. E quinta-feira será a vez de Florianópolis.

Para a rua, portanto, para pedir transporte de qualidade nessa Ilha intransitável. Mas por que não também para exigir o término das obras de duplicação da BR-101, que sucessivas administrações têm postergado como se a gente não desse bola? Ou a construção do Contorno Viário da Grande Florianópolis, que sabe-se lá quantas vezes já foi pago com o dinheiro do nosso pedágio? Ou pela reforma agrária que FHC, Lula e Dilma não fizeram? O por respeito aos índios, escorraçados de suas terras desde sempre pelo Governo Federal?

Quem sabe assim, participando do protesto, no meio da multidão pacífica, a gente não encontre uma resposta para o que está acontecendo com a gente?

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Locais com protestos marcados nas redes sociais pelo mundo:

Visualizar Pelo mundo: grupos organizam protestos contra aumento das tarifas de ônibus no Brasil em um mapa maior