Com uma agenda mais seletiva nesta fase da campanha, Aécio Neves (PSDB) escolheu dar prioridade a eventos em que tenha oportunidade de expor suas ideias, intercalando propostas com críticas severas ao PT e ao governo da presidente Dilma Rousseff. O corpo a corpo ficará em segundo plano diante da necessidade de gravar programas de TV, dar entrevistas, participar de debates e atender a convites de entidades empresariais.

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Aécio falou aos jornais do Grupo RBS na terça-feira, no apartamento funcional que ocupa em Brasília. Na sala, decorada com sofás claros e personalizada com objetos de arte trazidos de Minas Gerais, detalhou seu plano de governo.

Admitiu renegociar a dívida dos Estados e reduzir o percentual de comprometimento da receita, desde que o dinheiro vá para projetos de infraestrutura.

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Só se mostrou incomodado ao ser questionado sobre o aeroporto do município de Cláudio (MG), construído em terreno desapropriado de sua família. Defendeu a legalidade da obra, mas se recusou a informar quantas vezes utilizou a pista. Ontem, o candidato acabou admitindo ter usado “algumas poucas vezes” o terminal.

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Ao final, emocionou-se ao falar dos gêmeos, Julia e Bernardo, que nasceram prematuros. A menina já está em casa com a mãe, Letícia, mas o menino precisou ficar mais tempo na incubadora. Sempre que pode, vai ao Rio para ver a mulher e os filhos.

Na equação tradicional, inflação se combate com juro alto e corte de gastos. Se eleito, qual será a sua fórmula?

A fórmula é crescimento. Temos de resgatar, no Brasil, a capacidade de crescer. Isso passa por confiança dos agentes econômicos, matéria-prima em falta hoje. E essa confiança se dá com regras claras e transparência absoluta na condução da política fiscal. O governo do PT é vítima de uma armadilha que ele mesmo criou ao buscar, por meio da contabilidade criativa, superávits que não eram reais. Quando o mercado percebe que os números não vão se manter para o futuro, reage de forma preventiva. Inflação é também expectativa. Se hoje você vê preços represados, como dos combustíveis e do setor elétrico, você trabalha com a perspectiva de que, em algum momento, isso vai ser liberado. O Brasil vive uma crise de confiança que tem abalado os investimentos.

Crescimento leva tempo. Em um primeiro momento, em 2015, vai haver inflação e juro altos. Como combater isso?

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Olha, 2015, em grande parte, vai estar precificado por esse governo. Ninguém se ilude em relação a isso. O que percebo é que uma vitória nossa pode trazer um movimento inverso aquele que houve em 2002. Não pelo Lula, pessoalmente, mas pela incerteza que se tinha. Naquele momento, teve disparada do dólar, teve inflação de 7,5% para 12% em um período muito curto. Por quê? Porque não se sabia o que ele iria fazer. E ali ele agiu de maneira adequada. Lula precisava sinalizar para o mercado: colocou o (ex-ministro da Fazenda Antonio) Palocci, manteve os pilares macroeconômicos inalterados, e aí as coisas se encaminharam para um período longo de estabilidade. Com uma vitória nossa, poderemos criar uma expectativa melhor. Não estou dizendo no começo de 2015, mas no meio do ano poderemos contar com os investimentos que deixaram de vir.

Qual é o erro deste governo na área econômica?

O PT fez uma aposta, que em determinado momento tinha lógica, no crescimento da economia via consumo. Foi quase a única aposta. E como viabilizar isso? Com oferta de crédito amplo para toda a economia. Isso não estaria errado se viesse acompanhado, na outra ponta, de investimentos na oferta. Seriam os investimentos de infraestrutura, que deixaram de vir. Esse crescimento pelo consumo tem um teto em qualquer parte do mundo, que é o do endividamento das famílias. Então, hoje temos um crescimento anacrônico. Não há infraestrutura, o Custo Brasil é altíssimo. É o país que menos cresce na região nos últimos três anos. O fato concreto é que o governo Dilma fracassou na condução da economia – vai nos deixar com um quadro de estagflação, crescimento pífio e inflação alta -, fracassou na gestão do Estado, pois o Brasil é um cemitério de obras inacabadas, e fracassou naquilo que eles se julgavam monopolistas, na construção de uma nova política social.

O preço dos combustíveis tem sido represado artificialmente pelo governo. O senhor vai alinhar em relação ao mercado internacional?

Essa medida (o represamento dos preços) foi equivocada sob todos os aspectos: descapitaliza a Petrobras, estimula o consumo de combustível fóssil e destrói o único setor em que éramos vanguarda e buscávamos novas fronteiras no mundo, o do etanol, que hoje está com mais de 40 usinas e 100 mil empregos fechados. É prejuízo por toda parte. Como fazer esse realinhamento? Só vou ter como saber quando tiver acesso a todas as informações e ao custo disso para a Petrobras. Mas quero resgatar rapidamente o setor sucroenergético, porque gera divisas. É extremamente importante do ponto de vista ambiental e social. Gera em sua cadeia mais de 2 milhões de empregos.

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Em caso de vitória, qual será o papel de Armínio Fraga no seu governo?

Vocês não querem que eu revele o ministério já, né? Olha, é um privilégio para qualquer um que deseje a Presidência ter a companhia de Armínio. Além da experiência de governo, ele tem a virtude de estar conectado ao mundo: tem contato com o presidente do Fed (banco central americano) e do banco central da União Europeia. Isso é um ativo muito importante em uma economia globalizada, em que um agente também se move pela ação de outros.

Um tema que interessa ao Rio Grande do Sul é a renegociação da dívida dos Estados. O senhor manterá a promessa de mudar o indexador, se eleito?

Sou um dos propositores desse acordo, quando ainda era governador, antes de ser senador e candidato à Presidência. Hoje, os Estados estão estrangulados porque o Brasil não é mais uma federação, o Brasil se tornou um Estado unitário. Apenas o governo federal detém recursos e determina o que fazer com eles. Ou refundamos a federação do Brasil, e uma das peças desse quebra-cabeça é a renegociação das dívidas, ou cada vez mais vamos ter serviços de pior qualidade e atrofia dos municípios e de alguns Estados, o que nos preocupa muito. O governo fez o acordo, foi ao Congresso por meio do seu ministro da Fazenda (Guido Mantega) e, depois, desfez o acordo. Esse é um tema que é muito caro ao Rio Grande do Sul, que infelizmente continua com essa equação desequilibrada.

Como resolver?

A renegociação é necessária. É possível fazer um acordo para que uma parcela dessa quantia renegociada seja direcionada para um investimento estruturante do Estado, de acordo com a sua potencialidade na economia.

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Que outras alternativas existiriam para aliviar as contas de Estados e municípios?

Existe uma proposta de minha autoria no Senado que infelizmente o PT não deixou aprovar, na qual as desonerações de impostos não atinjam as parcelas do Fundo de Participação dos Estados e municípios. Você permite que o governo continue tendo o instrumento das desonerações, mas sobre sua parcela, sobre a sua receita. Hoje, o governo desonera o IPI do automóvel e afeta o caixa do município e do Estado. Nos últimos três anos, R$ 12 bilhões deixaram de entrar nos cofres municipais em função de desonerações em que o município não é consultado, não é chamado para opinar se para ele não é mais vantagem desonerar a linha branca, automóveis ou o que quer que seja, ou se, para ele, o mais importante é ter essa receita para cuidar da saúde nos municípios.

O senhor pretende mexer apenas no indexador da dívida ou também na parcela de 13% da receita paga mensalmente?

Tenho muita cautela em tratar disso, mas já avançamos em uma discussão no Congresso em que eventualmente poderíamos diminuir esse percentual para algo em torno de 11%. Desde que essa variação possa ser investida em obras estruturantes, que possam ter como objetivo a retomada do crescimento. Obras de logística, por exemplo.

O Brasil é um anão diplomático, como disse o porta-voz israelense em resposta à condenação brasileira aos ataques na Faixa de Gaza?

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É uma crítica um pouco grosseira, não é diplomática. Mas estamos perdendo relevância. Política externa, hoje, é comércio, é pragmatismo. Há 40 anos, o Brasil participava em algo como 2,3% do conjunto do comércio internacional. Hoje, participa com 1,3%. Em cinco anos, vai ser 1%. Essa perda de relevância do Brasil faz com que as suas posições diplomáticas também não sejam posições definitivas. Mas o Brasil é estratégico para o mundo, sobretudo pela capacidade de produção de alimentos. Agora, estamos perdendo relevância inclusive na nossa região. Temos sido muito mais caudatários de decisões tomadas por Argentina e Venezuela do que conduzindo esses países a decisões mais equilibradas. O que me preocupa é que o Brasil se solidariza exageradamente com países que demonstram muito pouco apreço pelos valores democráticos. Isso para mim é especial.

No caso do conflito israelense-palestino, na Presidência o senhor teria agido como?

A tradição da política externa brasileira é de absoluto equilíbrio. E por isso ela era, sempre foi, relevante. Não digo que deixou de ser por conta desse episódio. Eu condenaria o uso excessivo da força de parte de Israel, mas condenaria também os ataques vindos do outro lado, de Gaza (feitos pelo Hamas). E focaria o esforço no apelo por um cessar-fogo. O que ficou mais evidente nesse episódio foi uma certa solidariedade brasileira a uma parte.

O PT tem criticado o que chama de “tratamento diferenciado” ao mensalão do PT em relação ao mensalão tucano. O senhor vê favorecimento?

Olha, são coisas tão diferentes. Vamos deixar que a Justiça julgue o caso. A diferença básica entre PSDB e PT é que nós não transformaremos eventuais condenados em nossos heróis nacionais. O fato concreto que incomoda o PT é que a Suprema Corte condenou próceres, líderes muito importantes do partido. Nunca torci para isso. Do ponto de vista pessoal, isso não me traz alegria alguma. Mas foi uma decisão da Suprema Corte brasileira, que precisa ser respeitada.

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Em que momento vocês decidiram recuperar o legado do presidente Fernando Henrique Cardoso, que foi esquecido nas últimas duas eleições?

Nem foi na campanha. Sempre achei um equívoco não nos apropriarmos de forma mais clara dos avanços do presidente Fernando Henrique. Até porque não teria havido o governo de Lula se não fosse o governo FH, com estabilidade da moeda, da economia, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, com privatizações, com o resgate da confiança internacional no Brasil. O governo FH criou as bases para que o governo Lula tivesse avaliações positivas. Inclusive com o início dos programas de transferência de renda. Pelas circunstâncias daquelas eleições, foi tomada uma decisão. Agora seria fácil eu dizer que foi uma decisão equivocada. Ao final do governo FH, havia uma certa fadiga de material, realmente.

O senhor não tem problema em defender as privatizações?

As privatizações foram essenciais para que tivéssemos investimentos durante o próprio governo Lula. Ou alguém diria que o setor de telefonia estaria melhor hoje nas mãos do Estado? Até brinquei em outra sabatina: quem aí compraria um avião da Embraer se o presidente dela fosse indicado do PT? As privatizações foram importantes e ajudaram o Brasil a se modernizar. O PT hoje tem uma base partidária cujo único objetivo é um projeto de manutenção de poder. Quero devolver as estatais, como a Petrobras, aos brasileiros. Ela é hoje instrumento político. É inacreditável você falar hoje em indicação política para a diretoria de uma instituição financeira e da própria Petrobras. No meu governo, não vai ter, como não teve em Minas.

Qual é a reforma mais urgente hoje para o país?

É a reforma política. Vou citar três pontos essenciais, que não são consensuais nem dentro do meu próprio partido, mas será minha posição e vou negociar para que sejam aprovados. O primeiro é o voto distrital misto. Na nossa proposta, metade das vagas seria dividida em distritos. Em cada Estado, você pega o número de vagas existentes e divide por distritos, onde os partidos lançam candidatos majoritários naquele distrito. Isso aproxima o representado, o cidadão, do seu representante. O eleitor vai lembrar em quem votou, então é alguém que vai ter conexão com suas realidades locais, e isso é importante para o parlamento. A outra metade seria eleita por listas partidárias. Vai haver representantes de um segmento de pensamento que não tem base territorial eleitoral. Vai ter um grande jurista dedicado à reforma do Código Penal, vai ter um sindicalista que vai discutir as questões trabalhistas, e por aí vai. Isso estimulará os partidos a buscarem bons quadros, porque esses nomes da lista são os que, em última instância, se apresentam em nome dos partidos para ajudar os candidatos de base territorial. Acaba criando uma relação positiva, um ciclo virtuoso na construção dos partidos. Vamos requalificar imensamente o parlamento brasileiro.

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E os outros dois pontos?

O restabelecimento da cláusula de desempenho eleitoral é essencial. Partido tem de ser representante de um segmento de pensamento na sociedade. E o terceiro item, o fim da reeleição e mandatos de cinco anos para todo mundo, com coincidência das eleições.

Na polêmica do Mais Médicos, o senhor abriria mão dos profissionais cubanos, uma vez que não aceita as regras do acordo com Cuba? E o senhor disse que criaria a carreira de médico federal. Já fez as contas de quanto isso custa?

Não fiz, estamos fazendo. Em primeiro lugar, ninguém pode ser contra mais médicos. Quero mais médicos e mais saúde. O que ocorreu é que o governo federal não estimulou a criação de cursos de Medicina e tomou uma medida que tem algum apelo popular e um viés marqueteiro muito forte. Essa medida é contraditória dentro do conjunto das ações do governo, porque fala de mais médicos no momento em que oferece menos saúde à população. Quando o governo do PT assumiu, em 2003, 54% de tudo que se gastava em saúde vinha da União. Passaram-se 11 anos, e

hoje a União participa com 45%.

Seus adversários dizem que o senhor vai acabar com o Bolsa Família. O que planeja fazer?

Vamos aprimorá-lo, mas tenho de dizer o seguinte: não vamos acabar com o Bolsa Família. O programa faz parte da paisagem econômica e social de uma parcela importante do Brasil. E você sabe a origem dele, o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação, do governo do PSDB. Apresentei um projeto que o PT, incrivelmente, votou contra e impediu que fosse aprovado, que é a transformação do Bolsa Família em programa de Estado. O Bolsa Família vai continuar, mas a diferença é que, para nós, é um ponto de partida. Para o PT, é um ponto de chegada.

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E os outros programas?

Vamos lá. Minha Casa Minha Vida é um projeto que vem dando resultado, mas não encontrou ainda uma forma de ampliar o acesso às faixas de até três salários mínimos. Esse será o foco. Vamos manter todos esses programas e vamos aprimorá-los. O Ciências Sem Fronteiras é importante também, mas temos de fazer um esforço de ensinar inglês para os meninos antes de eles irem para o mundo, para que possam aproveitar melhor. Os relatos são de que as pessoas não estão aproveitando adequadamente porque não estão com uma base mínima para sair do Brasil.

Mas é um belo programa e vamos ampliá-lo e fazer a outra mão: abrir espaço para pesquisadores e professores estrangeiros. Gostaria de constituir um programa para fortalecer esse intercâmbio com uma visão externa de outras partes do mundo, para beneficiar aqueles que não saíram do Brasil.

Quais suas propostas em relação à segurança?

Vamos transformar o Ministério da Justiça em Ministério da Justiça e Segurança Pública, não apenas para dar um nome, mas para estabelecer uma nova política de articulação junto aos Estados. Hoje, há uma tradição de transferência de responsabilidades. Constitucionalmente, a segurança é responsabilidade dos Estados, mas não se pode esquecer que controle de fronteiras, tráfico de drogas, tráfico de armas, tudo isso é responsabilidade da União, e é aí que está a base do crescimento da criminalidade.

Quantas vezes o senhor utilizou o aeroporto construído em área desapropriada de um parente no município de Cláudio?

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Nesse caso, há muito de desinformação e um certo tempero eleitoral. Todos os investimentos que fizemos em Minas Gerais foram planejados, inclusive esse. Fiz investimentos em todas as regiões, praticamente em todos os municípios do Estado. Ligamos 230 cidades por asfalto, ligamos 450 por telefonia e aproximamos a malha viária dos principais centros geradores de riqueza no Estado. Isso ocorreu em Cláudio, também. O curioso é que o ataque vem como se fosse possível alguém construir uma obra pública em uma área privada.

O senhor se arrepende de ter feito esse aeroporto na propriedade de um parente seu?

Não, não me arrependo e poderia ter feito até mais caro em um ponto mais distante, mas, naquela região, era um ponto necessário e é como vai ficar provado fora do ambiente eleitoral.

Mas o senhor utilizou o aeroporto ou não?

Não vou entrar nessa polêmica. Isso é absolutamente irrelevante. Quero centrar na acusação que me foi feita de que foi construído um aeroporto público em uma terra privada. Essa acusação é mentirosa, e aqueles que fizeram já afastaram essa acusação.

Por que o senhor se incomoda com essa pergunta?

Não me incomoda. Respondi a você. Você gostar ou não da resposta é outra questão. Respondo a tudo em 30 anos de política.

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