Na terça-feira passada, a presidente Dilma Rousseff enviou ao Congresso a sugestão de cinco temas para o plebiscito da reforma política. A proposta deflagrou, oficialmente, a discussão da realização da consulta popular. Dilma enfrenta resistência de deputados e senadores, que preferem um referendo e não querem que as mudanças sejam realizadas a tempo de influenciar as próximas eleições. Na quinta, os líderes governistas praticamente descartaram a votação da reforma neste ano.

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– Das cinco propostas da presidente, quatro não teriam a necessidade de reforma política ampla para serem postas em prática – diz o cientista político Ricardo Caldas.

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Para entender melhor as sugestões, Zero Hora conversou com especialistas sobre os eventuais benefícios das mudanças para o sistema político e para a sociedade.

1. FINANCIAMENTO PÚBLICO

Se por um lado a mudança onera ainda mais os já assediados cofres públicos, o cientista político Pedro Arruda avalia que trocar o financiamento privado das campanhas pelo público é um custo que pode valer a pena. Setores da sociedade incapazes de fazer doações seriam melhor representados. O risco de aumento de repasses ilegais, via caixa 2, é visto como um risco. Mas não seria um impeditivo:

– Não há sistema imune a fraude. E quando toda doação se torna ilegal, pode ficar mais fácil de ser fiscalizar. Hoje, há uma compra de votos institucionalizada.

Em 2010, as campanhas no Brasil custaram R$ 3,9 bilhões. Com o financiamento público, a intenção também seria baixar dessas despesas. Primeiros números falam em R$ 500 milhões, a serem divididos pelos partidos conforme as suas bancadas.

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– Esse é um dos motivos pelos quais há resistência ao financiamento público. Quem hoje está na oposição, receberia um valor menor – aponta o cientista.

Obrigados a dividir um bolo menor, os partidos devem apresentar menos candidatos. Do contrário, haverá ainda menos recursos para quem se aventurar na vida pública. Campanhas mais baratas também dependerão mais das propostas do que dos artifícios do marketing. Mesmo que se mantenha o financiamento privado, há paliativos para melhorar o atual sistema, como estabelecer um teto para doações, e torná-las exclusivas a pessoas físicas.

COMO É HOJE:

Se cruzados os dados entre as campanhas mais caras e os políticos eleitos, poucos nomes não aparecerão nas duas listas.

Isso permite concluir que não é apenas por dó dos cofres públicos que o financiamento público de campanha não avança no Congresso. Ocorrem casos como o do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha.

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Para eleger-se, o peemedebista gastou R$ 4,7 milhões, a campanha mais cara do Rio. Hoje, Cunha é figura central em todas as negociações com o Planalto, inclusive a da reforma política.

O problema se multiplica quando políticos têm de legislar em questões que interessam aos seus financiadores de campanha.

2. FIM DAS COLIGAÇÕES

A palavra “fraude” é usada pelo juiz eleitoral Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, para definir as eleições sob o atual sistema de coligações partidárias. Mas o magistrado esclarece:

– Não é preciso acabar com as coligações para acabar com os efeitos ruins dela.

Hoje, coligar-se a outra legenda tem duas finalidades: somar forças para ganhar vagas no Legislativo e somar tempo de horário eleitoral nas eleições majoritárias. Afinidade de propostas foi para o fim da fila.

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A fraude, conforme Reis, é um eleitor votar em um candidato específico e beneficiar outro completamente diferente.

Para combater essas práticas, no entanto, não seria preciso plebiscito ou ampla reforma, mas uma simples mudança na lei vigente. Para isso, o Movimento de Combate à Corrupção coleta assinaturas para um projeto de iniciativa popular. O tempo de TV se basearia apenas no partido do candidato titular, sem coligados.

COMO É HOJE:

Para o eleitor de Luciana Genro, ex-deputada do PSOL, não compactuar – e por tanto, não coligar-se – com nenhum outro partido é, provavelmente, visto como um mérito.

Porém, a postura de “independência ou morte” resultou no enterro de sua candidatura nas urnas. Luciana fez votação expressiva, superior à grande parte dos eleitos para a Câmara, mas seus 129 mil votos não foram suficientes para atingir o quociente eleitoral de 198,8 mil, que lhe daria uma vaga na Câmara.

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No tempo de TV, partidos pequenos e solitários também sofrem. Marina Silva, ainda no PV, tinha apenas um minuto e 24 segundos.

3. SISTEMA ELEITORAL

Os pontos mais complexos da reforma residiriam em duas mudanças do sistema eleitoral: o voto distrital ou o voto em lista. Elas são classificadas pelo cientista político Adriano Oliveira, respectivamente, como “desnecessária” e “estapafúrdia”.

– O primeiro problema do voto distrital é como se dará essa divisão por distritos. Mas o principal deles é que esse sistema, informalmente, já existe – avalia.

Segundo ele, o eleitor vota naturalmente em políticos da sua região. Oliveira vê com bons olhos a maior vigilância entre o cidadão e um parlamentar ligado ao seu distrito, mas nada fundamental para mudar a política brasileira.

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Já o voto em lista – em que a pessoa votaria em um partido, e elegeria uma fila de parlamentares definido previamente pela sigla – recebe críticas mais duras:

– Ele beneficia “donos” dos partidos e vai contra tudo o que há de mais moderno na política: novas lideranças, candidaturas avulsas e pulverizadas.

Quem é a favor da medida diz que ela aproxima o voto ao seu resultado final. Hoje, ao votar em dezenas de nanicos sem chance de vitória, elegem-se involuntariamente outros candidatos da mesma coligação.

A saída poderá ser o sistema misto que está em debate. No primeiro turno, votação no partido. No segundo (que teria de haver sempre), escolhe-se um candidato para as vagas que o partido conquistar.

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COMO É HOJE:

O voto em lista reduziria as chances dos “candidatos coelhos” – o brasileiro elege um e ele se multiplica. Em 2002, ao receber 1,5 milhão de votos, Enéas Carneiro elegeu cinco candidatos do antigo Prona à Câmara.

Quatro anos depois, Clodovil Hernandez (que morreu em 2009) elegeu a si e mais um correligionário do PTC. Atento à prática, o PR trouxe Tiririca que, graças à coligação, elegeu políticos dos mais diversos matizes em 2010. Para 2014, o PR traçou a estratégia de ter um coelho em cada Estado.

Com o voto em lista, para eleger um personagem folclórico, o eleitor teria primeiro de dar uma cadeira ao seu partido inexpressivo.

4. VOTO SECRETO

Das cinco sugestões para o plebiscito, o fim do voto secreto é a que mais prospera no Congresso. Os defensores argumentam que o voto secreto, por vezes, preserva o interesse do povo, por escudar o parlamentar das imposições dos partidos ou do governo federal.

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– É uma preocupação cabível. Mas é uma questão de custo-benefício. A sociedade tem mais a ganhar com essa total transparência do que o parlamentar a perder – declara a cientista política Maria do Socorro.

Ainda há uma preocupação relativa aos próprios financiadores de campanha. Não revelar os votos em alguns temas, alegam os defensores do voto secreto, é também uma forma de se manter a atuação do parlamentar obediente apenas a sua consciência.

– Pois acredito que aconteça mais o contrário. O parlamentar vota secretamente a favor de quem doou para a sua campanha – rebate a cientista política.

COMO É HOJE:

O maior exemplo dos efeitos do voto secreto senta na cadeira mais alta do Congresso. Pressionado por inúmeras suspeitas em 2007, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), renunciou ao posto e sofreu um processo de cassação.

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Julgado por seus pares em sessão e votação secreta, Renan (abaixo) teve o mandato salvo por 40 votos a 35 (mais seis abstenções). Em 2013, voltou a ser eleito presidente do Senado com 56 votos. Secretos, é claro.

5. SUPLENTE SEM VOTO

É mais fácil encontrar o mar em Brasília do que um defensor do mecanismo de suplência dos senadores.

A unanimidade, no entanto, não impede que 21% do Senado (17 vagas) seja ocupado por ilustres desconhecidos, substitutos de senadores que se tornaram governadores, ministros ou faleceram. E quem seria o substituto ideal de um senador afastado?

– Ninguém. Deve-se realizar uma nova ou aguardar a próxima eleição – opina o cientista político Ricardo Caldas.

Ele é simpático à ideia de alçar ao posto de senador o próximo candidato mais votado dentre os não-eleitos. Para o especialista, elevar um concorrente que não se elegeu é um desrespeito ao eleitor.

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Em uma eventual mudança, Caldas sugere o modelo americano, em que um senador alçado a outro cargo perde o mandato. Serviria para prestigiar o parlamento.

COMO É HOJE:

Em 2010, Minas Gerais não tinha do que se queixar entre seus quadros para o Senado: concorriam um ex-presidente, Itamar Franco, um ex-governador, Aécio Neves (PSDB), e um ex-prefeito, Fernando Pimentel (PT). Em uma disputa acirrada, os mineiros escolherem os dois primeiros.

No entanto, a morte de Itamar em 2011 fez com que, dos seus oito anos de mandato, mais de sete ficassem sob a tutela do pedetista Zezé Perrella (acima), ex-deputado e ex-presidente do Cruzeiro.