Carlos Alberto de Araújo Gomes Júnior completou em fevereiro de 2020 dois anos à frente do comando-geral da Polícia Militar de Santa Catarina. No primeiro ano do governo Moisés, foi também responsável por implantar o novo modelo da Secretaria de Segurança Pública, dividido em um conselho estratégico, com rodízio anual na cadeira número 1.

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Além do protagonismo local, ele ainda assumiu a presidência do Conselho dos Comandantes-Gerais das PMs e dos Corpos de Bombeiros do país, o que o deixou mais próximo de questões nacionais. Na entrevista a seguir, ele fala sobre o crescimento na criminalidade neste começo de ano depois de um 2019 de baixa, além comentar o atual impasse entre praças militares de Santa Catarina e o governo na negociação por reposição salarial. Confira:

Começamos o ano com as estatísticas de criminalidade subindo em relação ao ano passado. Qual é o diagnóstico? Sabe-se o que tem acontecido? E não apenas de homicídio, o furto e roubo também têm subido.

Em primeiro lugar, gerou a preocupação porque a gente fechou o ano com números espetaculares. Fechamos 2019 com uma redução substancial de roubos e furtos. Os homicídios, não as mortes violentas, pela primeira vez em anos atingiram a marca abaixo de 10 por 100 mil (habitantes), que é um clube seleto no Brasil, somente nós e São Paulo conseguimos isso. Então, esse crescimento é acompanhado com atenção e preocupação. Nós identificamos algumas questões relacionadas a crime organizado, um maior rigor na cobrança de dívidas que, tanto eu como o delegado-geral (Paulo Koerich), acreditamos ser fruto das perdas gigantescas que a estrutura de tráfico no Estado tem tido, tanto nas pequenas apreensões de varejo que desestruturam a rede de varejo do tráfico, como as grandes apreensões, principalmente as envolvendo o transporte rodoviário.

A Polícia Rodoviária Federal tem feito em parceria com as polícias estaduais grandes apreensões, como as apreensões em portos, junto com a Receita Federal. E isso parece ter descapitalizado alguns controladores do comércio do tráfico de drogas no Estado e gerado uma determinação de maior rigor na cobrança dos pequenos traficantes e dos grandes consumidores. E a gente acredita que essa é uma vertente bem forte.

A outra questão que tem nos chamado a atenção é um aumento da violência interpessoal em locais públicos. Houve o aumento dos crimes com características de execução, mas também houve um aumento de mortes pelo que a gente chama na linguagem policial de desinteligência, de discussão. Esse fenômeno nós estamos tentando entender melhor porque ele se acirrou nesse início (do ano). Então, são basicamente as duas maiores preocupações. Havia uma preocupação de que a liberação de algumas regras de acesso a armas pudesse ter mudado o perfil dos homicídios. Isso não se comprova porque as mortes envolvendo cidadãos comuns mantêm um percentual baixo de arma de fogo. Arma branca, outros meios, instrumentos contundentes, inclusive no feminicídio.

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E furtos e roubos?

E aí a consequência é o segundo tempo. Se você olhar a linha temporal vai perceber que no primeiro momento aumentou o número de homicídios, no segundo momento aumentou os furtos e roubos. Ora, se está se matando quem está devendo, quem está devendo parte por qualquer meio tentar obter os recursos para não ser morto. E esse é um efeito em cadeia. Nos furtos nós reduzimos a subnotificação significativamente. Até abril do ano passado as estatísticas de furto eram baseadas exclusivamente nos registros em delegacia. Quando nós integramos as bases de dados, tornamos as estatísticas mais realistas e os boletins feitos pelas rádio patrulhas – que nem sempre viravam boletins de delegacia porque nem sempre o cidadão atendido pela rádio patrulha ia na delegacia –, passaram a integrar a base de dados e só nisso deu uma redução de notificação na faixa de 20%, 22%. Quando você observa as estatísticas de furto segmentando o que vem da delegacia virtual, que foi ampliado, a gente observa que tem um fenômeno aí de redução da subnotificação. Mesmo assim a gente está tratando os números com os números e tratando para reduzi-los.

O senhor falou de feminicídios. Tivemos uma alta em 2019 e um começo de 2020 com redução de casos, mas nos últimos dias chegando ao mesmo patamar do ano passado. Qual é o segredo para diminuir estes casos?

A culpa nunca é da vítima e nunca é de quem fala sobre isso, mas há uma discussão muito forte entre os teóricos e os operadores de segurança pública de que talvez o feminicídio opere mecanismos semelhantes ao do suicídio. Quanto mais se fala, mais destrava freios internos, mais destrava freios sociais e aumenta a incidência. Então, começamos o ano sem falar de feminicídio. Quando os números estavam bons, a imprensa voltou a falar para comemorar os bons números, e os números voltaram a crescer. Há um estudo em andamento em nível nacional feito pelo Conselho Nacional dos Comandantes sobre o aumento do número de feminicídios nos meses de maio, que é o mês focado na mídia para trabalhar a questão da mulher e da violência contra a mulher. Então, na minha percepção, existem algumas causas históricas e estruturais.

A cultura da revolução violenta de conflitos, uma distorção na percepção do papel masculino nos relacionamentos, uma aceitação social da violência contra a mulher como um fato senão normal, aceitável ou explicável, que são as causas históricas da violência contra mulher desde o Brasil colônia.

Existem alguns fatores novos que acirram os conflitos, muitos deles positivos. A maior independência da mulher fazendo com que ela se posicione de uma maneira mais forte perante os homens abusadores, um estímulo para que a mulher rompa relacionamentos doentios, não-saudáveis e assim por diante. E uma maior independência da mulher com novos relacionamentos, assim que ela rompe, encontrando nos homens dificuldades de lidar com isso que precisa ser trabalhado. Mas tem algumas questões tipicamente de sistema de Estado que podem ser trabalhadas. Há a rede Catarina, ou seja, o acompanhamento próximo, neste caso por parte da Polícia Militar, mas também há programas da Polícia Civil, que visitam as mulheres que têm medida protetiva e têm um efeito razoável. Então, as mulheres sob proteção da rede Catarina têm um índice de revitimização próximo a zero. Quando nós ampliamos isso e atuamos sobre os homens, visitando os homens, fazendo palestras isso aumentou a efetividade. A prisão preventiva também tem funcionado bastante.

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Cidades onde os juízes e promotores junto com os policiais adotam essa política têm uma redução significativa, um exemplo é Chapecó. E, por último, no médio e no longo prazo acredito que logo vai começar a fazer efeito a rede que se formou extra policial, extra sistema de Justiça Criminal.

O Pacto Por Elas da Assembleia Legislativa, a ação da Comissão da Mulher da OAB, programas específicos do Judiciário e do Ministério Público, que aos poucos vão criando toda uma cultura para reduzir.

Essa tese de quanto mais se fala, pode se reproduzir, é algo ainda a ser…

É uma tese a ser explorada, e ela inclusive é polêmica e contestável. Mas ela tem um fundo. O que não quer dizer, e não estou dizendo, que a mídia não deve falar, mas sim que talvez tem que reconstruir o discurso para que ele seja empoderador e protetor da mulher e não empoderador do homem abusador. Então, a gente tem que entender, e não entendo, como opera a cabeça do homem que pratica violência contra a mulher e que chega ao extremo do feminicídio. O que para nós parece que é o mecanismo de contenção como mostrar como foi a morte, que a morte foi horrível, que isso é péssimo, que todo mundo sofre, num homem que está ali numa briga entre ego e o superego, de repente a exposição da vítima, a exposição da tragédia, a exposição do sofrimento era o estímulo que faltava para ele dizer que aquele era resultado que ele inconscientemente quer, que é o de fazer a mulher sofrer.

A outra questão é o mecanismo freudiano da busca da punição por quem comete um comportamento em que ele vê desejado, mas em que ele vê culpa. Então, às vezes, até o fato de dizer que o cara foi preso funciona para destravar porque você sabe que muitas vezes você faz uma coisa errada e inconscientemente, segundo Freud, você busca a punição. Pelas teorias psicanalíticas é uma busca inconsciente da punição, o inconsciente dele sabe que ele deveria ser punido por aquilo. Então, acho que o problema é mais complexo e merece pesquisa acadêmica mais profunda para ajudar as polícias a ordenarem. Enquanto isso, vamos fazer o beabá, identificar as vítimas de risco.

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A gente tem a percepção que não é um trabalho só de polícia. Entretanto, temos também a percepção que a Polícia Militar pode ter um papel importante, primeiro identificando nas ocorrências do dia a dia situações de risco potencial, levando rapidamente isso à Justiça para tomar medidas. Adotamos o protocolo de análise de risco em ocorrências doméstica, ele está no tablet e vai direto para o promotor. Foi já negociado com o Tribunal de Justiça e Ministério Público. Segundo, quando há a decretação da medida protetiva, muitas são inócuas por falta de controle. Contribuímos para o controle com a Rede Catarina. Vamos, visitamos, orientando e estimulamos a manter a medida quando achamos adequado. Terceiro: percebemos que é um duplo polo. Não adianta a mulher estar conscientizada se não houver um trabalho sobre o homem.

A Rede Catarina está ampliando a atuação para os homens. O botão de pânico também está nesse contexto para as mulheres. E tem um quarto componente que a gente testou o ano passado e vai terminar no segundo semestre que é um programa chamado de Protetores do Lar, que envolve adolescentes, a conscientização de adolescentes para a percepção e a reação à violência doméstica.

A gente percebeu que adolescentes que nasceram em lares violentos não percebiam a violência doméstica porque ela era naturalizada. Nós estamos trazendo esse adolescente dentro da sala de aula para perto da gente para dizer que isso não é (natural), que não pode.
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(Foto: Diorgenes Pandini)

Nesse começo de ano tivemos também dois tipos de crimes muito fortes, que é o de ataques de caixeiros a bancos e os assaltos a ônibus, não tanto em nosso território, mas envolvendo catarinenses. Qual é a estratégia para estes casos?

Dos roubos a banco com explosivo ou aqueles roubos cinematográficos, que é chamado hoje na linguagem nacional de “Novo Cangaço”, nós investimos em duas coisas. Melhoramos o plano de pronta resposta, então aperfeiçoamos e investimos na inteligência para a identificação e localização. A gente se preparou para durar mais no terreno após os assaltos. Então, duas coisas chamaram a atenção. A primeira é que ao longo destes assaltos a resposta foi sendo cada vez mais efetiva, houve aprendizagem até que a penúltima culminou com praticamente todo mundo preso ou morto e o dinheiro recuperado em uma ação de inteligência. Na última nós pegamos (os bandidos) antes de acontecer.

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Isso mostra o crescimento e as estratégias dando certo e depois daquilo os assaltos também pararam no nosso território. Estamos investindo nessa estratégia. Como é que isso conversa com a estratégia da Polícia Civil? A Polícia Civil tem uma delegacia especializada nisso. Entendemos que o trabalho de desarticular em profundidade as grandes quadrilhas é da Polícia Civil.

A pronta resposta e evitar que aconteça é conosco, e que as duas missões se articulam. A gente bate rápido e duro e a Polícia Civil vem depois e faz o trabalho cirúrgico.

Os assaltos a ônibus representam uma difícil solução justamente porque a mesma mobilidade que têm os ônibus há entre os assaltantes. Eles têm pontos que favorecem no itinerário gigante, locais com áreas desabitadas, locais com dificuldade de ligação por celular, locais próximos aos esconderijos, locais longe do apoio policial, e eles têm uma área gigante para se escolher. Da mesma forma que os assaltos a banco, a forma de resolver esse problema é através da inteligência. Identificar as quadrilhas, identificar onde elas guardam as armas, onde estão os esconderijos, os carros e prender os criminosos através de inteligência e investigação é a forma de acabar.

Enquanto isso, temos desenvolvido estratégias de parceria com a polícia do Paraná, onde os assaltos acontecem, melhorando a troca de informações para que pronta resposta nos dê pequenos ganhos e que esses pequenos ganhos nos deem os fios da meada para a resposta definitiva da inteligência. Às vezes, num assalto desses, você precisa de uma placa, um DNA, uma munição ou uma arma, um preso que seja identificado. Normalmente, quando isso acontece, a gente consegue desbaratar a quadrilha inteira. Nos dois processos têm sido muito interessante a parceria com o Ministério Público através dos Gaecos.

A participação da Polícia Militar dentro dos Geacos, algo que sempre estimulei e, inclusive, ampliei durante meu comando, tem-se revertido na forma de uma de uma parceria mais intensa dos Gaecos, que tradicionalmente se concentravam nos crimes de colarinho branco para nos auxiliar nessa criminalidade violenta mais estruturada.

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O senhor comandou a Secretaria de Estado de Segurança no primeiro ano do governo Moisés por conta do rodízio. Mesmo assim, nestes dois anos temos ouvido falar nos bastidores em falta de integração entre as polícias. A integração teve melhoria nesse novo formato?

Quando se fala em integração, há três questões que levanto. Quando você conversar, você vai ver que a regra, principalmente no chão de fábrica até os níveis regionais, é de interação. E você tem incidentes pontuais em que normalmente estão mais relacionados a problemas de relacionamento interpessoal do que a questões institucionais. Às vezes é um oficial que briga com um delegado, às vezes é uma ocorrência lá na ponta de um sargento que briga com um plantonista e isso ganha proporção.

Segunda questão é que na base sempre foi, ainda é e está sendo, cada vez mais extremamente integrado, nas pequenas e médias cidades se você observar as assinaturas das operações do último ano para cá, você vai ver o quanto aumentou as assinaturas de operação integrada da Polícia Militar e da Polícia Civil e assim por diante. Terceiro é integração no nível de cúpula. O modelo tradicional de um secretário fazendo a gestão da pasta dele propiciava pouca interlocução entre as instituições. O modelo de colegiado, e aí acabei aplicando uma técnica militar que é aquela reunião semanal com briefing de inteligência, de logística, gerando uma transparência de dados entre as instituições.

Queira ou não queira, criou-se um espaço formal com repercussão informal que aproximou as instituições. E hoje são inumeráveis as situações que talvez num passado distante poderia ter virado crises institucionais por falta de diálogo e que hoje são resolvidos com telefonemas e a troca do WhatsApp entre os gestores máximos na tranquilidade muito grande. Porque todos se sentem responsáveis em que o modelo dê certo.

Até o começo desta semana (dia 10 de março), somente as associações dos praças (militares estaduais) negaram a proposta da reposição salarial. O senhor teme algum avanço negativo do movimento, que serviços possam ser afetados e os praças possam parar alguma atividade?

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Primeiro, o próprio presidente de uma associação (Aprasc) que é o (João Carlos) Pawlick que, tanto em público como nas reuniões, afirmou que nada de ilegal seria feito, nada que prejudicasse o cidadão seria feito e que a busca de visibilidade para o desconforto deles com a proposta seria buscada pelos meios legais. A Polícia Militar de Santa Catarina tem uma tradição de enorme respeito ao povo catarinense. As bases de hierarquia e disciplina aqui são construídas muito mais em cima de confiança mútua, de parceria, entre os atores do que no frio regulamento ou coisa parecida. Acredito que, independente da posição das associações, os policiais dividem o cidadão e a sua remuneração do profissional e o serviço que ele tem que prestar para o cidadão. Eu conversava esses dias numa roda de policiais sobre essa questão e eles davam o exemplo do sistema de saúde. É impensável imaginar que a população fique ao lado, por exemplo, de um médico reivindicando que utilize como meio de reivindicação se negar a atender alguém quando ele é o único que pode fazer o atendimento. É óbvio que até nós policiais reprovaríamos isso no outro. Seria impensável nós fazermos isso como protagonistas. Não acredito em radicalização.

O ato no Ceará (motim de policiais) pode encorajar de alguma forma aqui, impactar e criar alguma animosidade?

Na verdade ele não tem elementos para encorajar, pelo contrário. No Ceará se reproduziu algo que a gente já tinha visto em outros lugares. As reivindicações não foram atendidas, policiais foram expulsos, um grande número de policiais está sendo processado e o crime de motim, que é um dos crimes que eles estão sendo processados, é um crime grave dentro da legislação castrense, começa de oito anos.

É perceptível que a população não viu com bons olhos e não ficou do lado da polícia nisso. Então, vejo que o episódio do Ceará, se ele for utilizado como exemplo, ele tem o efeito contrário. Ele mostra que esse não é um caminho efetivo, um caminho que alcança o resultado que se pretende.
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(Foto: Diorgenes Pandini)

Sobre o efetivo da PM, mesmo com a reposição de 535 policiais neste começo de ano, o número do quadro se assemelha ao do ano passado. Com a atual situação econômica do Estado há dificuldade para contratação, como o senhor pretende ter efetivo para trabalhar?

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A questão de efetivo é talvez a mais premente da corporação, como é premente em todo o serviço público em geral. A inclusão dos 535 homens vai manter por algum tempo ainda uma estabilidade, mas com certeza nós precisaríamos de mais efetivo. A questão do efetivo é crítica, mas temos trabalhado isso tentando reduzir a atividade administrativa automatizando processos para disponibilizar mais policiais para trabalharem na rua, mudando linhas de gestão para reduzir níveis de decisão e tornar as coisas mais ágeis podendo liberar mais policiais para a rua. Continuamos trabalhando com horizonte do compromisso de governo de ao longo de quatro anos incluir mais 2 mil policiais.

Claro que condicionado o calendário das inclusões à capacidade financeira do financeira do Estado. Temos investido na questão de agentes temporários desempenhando algumas funções que a gente considera próprias de não policiais como atender telefone, observar as câmeras, ajudar no serviço administrativo. Nós conseguimos transferir boa parte da nossa missão de proteção aos poderes para policiais que já estavam na reserva e que são recontratados para cumprir missões de menor complexidade, que são os famosos Ctisps, e que hoje são maioria no Judiciário, no Ministério Público, no Legislativo, fazendo a guarda de prédios, aquele serviço interno de fórum, por exemplo, que é tradicionalmente um serviço policial. E sabemos que há um nível de serviços que depende do elemento humano. Só que não tem como deixar de falar do quanto às novas tecnologias impactam essa questão da necessidade de efetivo.

Você, por exemplo, pega o PM-SC Cidadão, que é o aplicativo para chamar a polícia. Ele está já, sem uma campanha intensa, com 30 mil, 35 mil downloads feitos. Já gerou aí em torno de 3 mil a 4 mil chamados e agora aos poucos ele vai se acelerar porque vamos incorporando novos serviços.

Só as centrais de emergência consomem 800 integrantes da força policial, entre ativos, Ctisp e temporários. Representa praticamente 8% do efetivo alocado em call center, que os aplicativos com o passar do tempo devem reduzir. Para citar só um exemplo onde a tecnologia possa ter impacto direto na realocação de uma atividade que não é meio, é operacional, mas para outra atividade operacional mais próxima da comunidade.

No ano passado o senhor promoveu no curso de formação de sargentos uma atividade diferente, que até foi criticada por movimentos radicais, de levar movimentos sociais para conversar com policiais até para mudar de relação nas ocorrências. Pretende continuar com isso, já que tem um curso de formação em andamento de soldados e oficiais?

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Aquele seminário chamou atenção e foi descontextualizado, mas a gente leva aos policiais informações de todas as matizes do conhecimento, todos os recortes de realidade com o qual ele vai trabalhar. Isso não representa uma defesa de nenhuma posição, ele não representa a concordância com as posições impostas, mas representa o contato do policial com algo que ele vai ter contato no mundo real. Numa instituição como a nossa, estadualizada, isso se torna mais importante porque muitas vezes temas com os quais o policial vai lidar numa grande cidade ou uma capital não são familiares a aquele que veio de uma pequena cidade rural no Meio-Oeste do Estado.

E é importante que ele tenha acesso a esses conhecimentos com a mediação do policial que faz a transposição disso para as normas, os protocolos, a legislação, os valores institucionais, do que ele ter o primeiro contato na rua.

Esse tipo de ação e outras ações trazendo temas que sejam naquele momento considerados temas relevantes vão sempre acontecer tanto na formação como no aperfeiçoamento dos policiais.

Temos visto alguns casos de cadeias superlotadas no Estado em que o policial faz a prisão e por falta de vagas e o preso é solto. Como lidar com essa situação de não ter vaga e a frustração do policial que fez o trabalho dele?

Em primeiro lugar, o relacionamento com o sistema prisional é de parceria absoluta. O trabalho de um repercute diretamente no trabalho do outro. Colocamos uma carga enorme sobre o sistema prisional. A intensificação das operações policiais tem lançado sobre o sistema prisional uma carga muito grande de necessidade de se ampliar vagas. Em nenhum momento tivemos pressão do sistema prisional, nem foi postura de comando, reduzir esse ritmo. A todo momento o sistema prisional se manteve de portas abertas. Sobre a questão de ter problemas de não conseguir às vezes fazer uma entrega de preso, e isso acontece no cumprimento do mandado de prisão, porque as outras prisões são entregues na delegacia, com certeza é um problema operacional grave.

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Gera frustração na ponta, mas todos os casos acionam uma rede de resolução dos problemas pontuais. Uma rede que envolve a Polícia Civil, então eles nos ajudam a dar vazão, embora tanto eu como o delegado Paulo Koerich estejamos muito focados em que Santa Catarina continue sendo um Estado sem presos em delegacias, uma marca de qualidade de SC que a gente não pode perder porque a delegacia não é feita para isso e cuidar de preso não é missão da Polícia Civil.

Tem envolvido o Judiciário através do grupo de monitoramento e fiscalização, que é liderado por um desembargador de primeiro escalão, participante do primeiro escalação do Judiciário e que muitas vezes interfere no caso concreto ajudando no encaminhamento com juiz local e assim por diante.

E com o próprio Ministério Público e a Procuradoria-Geral do Estado, que em muitas ocasiões nos ajudam a resolver uns principais nós de curto prazo que é a desjudicialização do limite de vagas. Fora isso o governo do Estado tem feito investimentos no sistema prisional, que não é minha parte, mas é importante reconhecer.

Em relação aos recursos para a segurança pública vindos do governo federal. Eles têm sido a altura com Santa Catarina e os demais estados?

A primeira percepção, e aí não como comandante da PM-SC, mas como presidente do Conselho Nacional de Comandantes, é de que na estrutura orçamentária o suporte federal às políticas de segurança nos estados não é compatível com outras políticas públicas de grande porte como a segurança deveria ser. Então, os repasses na área de saúde giram em torno de R$ 122 bilhões a 125 bilhões por ano, os repasses na área de educação de R$ 23 bilhões a R$ 25 bilhões e os repasses do ano passado na segurança foram de R$ 256 milhões. É uma quantia que quando rateada pelos estados se torna absolutamente insuficiente e insignificante para impulsionar políticas públicas. Segundo é que essa não é uma questão do Ministério, mas uma questão de estrutura orçamentária. Os critérios de distribuição foram estabelecidos de maneira técnica com a colaboração dos secretários e com aporte de comandantes, delegados e peritos. Hoje tem uma ferramenta transparente que diz quanto vai para cada estado do fundo, calculado com base na área, em população, na presença de fronteira, índices de melhoria de redução de criminalidade e assim por diante. Então isso precisa ser pontuado.

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As transferências federais são insuficientes para impactarem as políticas estaduais e locais de segurança dos patamares atuais. Acabei participando de uma ação na qual o governador teve um papel bem importante, que foi uma ação coletiva dos procuradores de estados do Brasil pelo descontingenciamento do Fundo Nacional de Segurança Pública, que se encontrava contingenciado por conta da lei do teto de gastos. Obtivemos uma decisão no STF e se imagina que agora em março a gente deva ter o repasse do que faltou no ano passado. Lembrando que não é muito mais, dobra o valor para R$ 500 milhões, muito distante dos R$ 122 bilhões que se passa, por exemplo, para a saúde. Há um desequilíbrio entre competência, responsabilidade e contribuição para a resolução, para a manutenção do problema.

Embora boas práticas de gestão e a dedicação dos profissionais sejam fundamentais para controlar a criminalidade, é absolutamente óbvio e de consenso que a segurança pública é uma atividade intrinsecamente cara quando usa todas as tecnologias que ela deveria usar para proteger a população. E que recursos mais significativos vindos da União, que fica com uma fatia importante do que se arrecada no Estado, seria absolutamente fundamental.

Acredito que o governo federal deve partir para fazer repasses maiores quando a gente faz a leitura do movimento de reavaliação do pacto federativo e que se mais recursos vierem para o Estado ou ficarem no Estado, com certeza a segurança pública é uma das políticas públicas que vai se beneficiar disso.

Nos bastidores tem se falado muito da eventual proposta da lei orgânica das polícias, que também tiraria o poder das polícias dos governadores. O que realmente se quer?

As polícias militares já têm caráter nacional desde a Constituição de 1934, que as colocou como força auxiliar do Exército. Isso vem se repetindo em todos os textos constitucionais, inclusive o de 1988. Não há uma mudança de perspectiva no sentido de que vai federalizar. Isso já é uma realidade, essa dupla identidade das polícias militares estaduais. Há um dispositivo legal, que é o 667/69, em que a Constituição diz que é a União que legisla sobre efetivo, organização das polícias militares. E já há um decreto que trata disso, mas é um decreto superantigo, que precisa ser atualizado. Ele foi recepcionado pela nova Constituição, mas ele tem alguns dispositivos anacrônicos, algumas linguagens vencidas, algumas previsões que não se aplicam mais.

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Nesse sentido vem a pretensão de uma lei orgânica nacional que estabeleça patamares mínimos de organização, de prerrogativas dos operadores, de regras de meritocracia, de questões de estrutura para fortalecer uma identidade nacional, uma interoperabilidade nacional. E não é só um anseio militar. É um pleito já vencido pela magistratura com a Loman, também durante mais de 15 anos trabalharam isso, pelo MP, as guardas não fizeram a lei orgânica, mas fizeram uma lei nacional que se chama hoje de estatuto das guardas. A Polícia Civil tem em paralelo com a nossa também tramitando uma lei orgânica. Esse projeto já está há mais de 10 anos e vai e volta, avança e recua.

O que tem no momento é a discussão de uma emenda substitutiva, porque desde que foi montado o projeto, há 10 anos, ele envelheceu. A realidade brasileira mudou, o cenário brasileiro mudou, as discussões na área de segurança pública amadureceram e muitas coisas que achamos que deverão ser incluídas, não estavam incluídas no projeto original.

O que se discute nos bastidores é que no ano passado não se trabalhou muito esse tema porque havia um foco muito grande dos comandantes-gerais em cima da questão do sistema de proteção social. Então, todo foco de articulação no Congresso, de interlocução, foi para isso.