Aos invés da pistola, um batom e um rímel. No lugar das algemas, colares, pulseiras e anéis. Antes de chegar à delegacia, uma passada no cabeleireiro. Assim é a rotina de Lucia Maria Stefanovich, a mulher que quebrou o tabu dentro da polícia no Brasil. Ela foi 1ª delegada do país em 1972. No início da década de 90, ela também foi a precursora como chefe da Polícia Civil e, em 95, assumiu o cargo máximo na Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, sendo a primeira mulher nesta posição na federação.

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Aos 68 anos, a xerife da 5ª DP do bairro Trindade, em Florianópolis, não pensa na aposentadoria. Natural de Lauro Müller, a delegada Lucia chegou a Florianópolis em 1960. A paixão pelo serviço policial começou na faculdade de Direito.

— Na minha sala tinham muitos policiais que contavam histórias das suas rotinas. Eu comecei a gostar do que ouvia e optei em me tornar uma delegada. Minha primeira experiência foi na comarca de Rio do Sul, que era responsável, na época, por 27 municípios — lembrou.

Durante os 44 anos na atividade policial, a delegada ganhou o respeito e a admiração dos seus “tiras” e chefes. Passou por bons e maus momentos. Um deles ela não apaga da memória. Foi quando os seus quatro filhos, sendo um de criação, foram ameaçados de sequestro.

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— A Deic [Diretoria Estadual de Investigação Criminal] descobriu um mapa com o roteiro da minha filha. Com isso, os meus filhos tiveram que ser escoltados por seguranças durante um período, mas conseguimos prender toda a quadrilha — revelou.

Contrariando todas as previsões, a delegada mantém a rotina cumprindo o expediente diariamente. Muitos colegas de profissão faleceram ou aposentaram, mas ela está quebrando mais um tabu: como uma das delegadas mais experientes em atividade.

— Eu pretendo, Deus me dando saúde, agora que passou a PEC da bengala, se eu puder ir até os 75 anos, eu vou. Eu já poderia estar em casa há muitos anos, mas amo a minha profissão e não saberia fazer outra coisa.

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No mês passado, a delegada ganhou o título de Cidadã Honorária de Florianópolis.

Delegacia só com mulheres

Em 1983, Lucia Stefanovich recebeu a missão de criar a primeira delegacia somente com mulheres no Estado. Foi assim que nasceu a 6ª DP da Capital, que na época era exclusiva para o atendimento a menores.

— Montamos uma delegacia exclusivamente com mulheres. Depois do primeiro ano, o estado de São Paulo, através do secretário de Segurança Pública Michel Temer, hoje o vice-presidente do Brasil, resolveu montar uma delegacia de mulheres e pediu a nossa orientação.

Na sequência, Santa Catarina também criou uma delegacia de mulheres e a 6ª DP virou a unidade da mulher e do menor infrator. Na época, a delegada Ester Coelho, que também está na ativa, foi a 1ª titular da DP da Mulher.

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Deslocada para o interior por castigo

Uma das paixões da delegada é a política partidária. Mas por isso, já pagou um preço caro. Em 1982, o seu candidato perdeu a eleição para o governo do Estado. 

— Por discordar do candidato eleito, fui castigada e enviada para a delegacia de Tubarão. Na época tinha um filho recém-nascido. Deixei ele com a minha filha mais velha e com o meu marido e fui para o Sul do Estado com o meu filho do meio, que tinha um sério problema de saúde. Fiquei pouco tempo, mas foi o suficiente para eu ser castigada — recordou Lucia.

A delegada é devota de Santa Terezinha do Menino Jesus e acredita que conseguiu várias graças com a sua fé. Uma delas foi a cura do próprio filho.

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Construiu delegacias e implementou as pistolas

A delegada Lucia Stefanovich foi secretária de Segurança Pública de 1º de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 1998. Durante os quatro anos, ela revolucionou a Polícia Civil no Estado. Determinou a construção de delegacias, implantou o sistema digital e trocou o armamento das corporações.

— Quando assumi a SSP, as delegacias estavam caindo aos pedaços e ameaçadas de despejo. Eram ambientes doentios, onde o criminoso se sentia em casa. Apenas com os recursos do fundo de reaparelhamento das polícias, adquirimos 550 viaturas somente para a Polícia Civil, trocamos os revólveres por pistolas .40, que eram exclusivas do Exército, e muitos outros materiais — destacou.

Lucia gosta de apontar uma pesquisa do Diário Catarinense que perguntava aos turistas, nesta época, o porquê de escolher o Estado. Ele lembra que a segurança pública ficou atrás das belezas naturais.

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“Parei no tempo”

Inovadora quando secretária, hoje Lucia revela que não gosta de computadores. Em seu gabinete, ela não tem um PC. O celular funcional é até moderno, mas ela faz apenas ligações.

— Acho que essa modernidade é importante, mas não me atingiu. Meus neurônios funcionam bem e a minha cabeça ainda dá um banho em muitos computadores. Não gosto de internet e redes sociais, porque também nunca tive interesse. Realmente, eu parei no tempo — afirmou.

Uma das reclamações da titular do 5º DP é quando o sistema cai e a delegacia para. Ela lembrou que na época da máquina de escrever a delegacia sempre estava em atividade.  

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Lucia guarda na memória um elogio que recebeu do então colega delegado Maurício Eskudlark, que resume sua atuação.

— Ele disse que nas horas necessárias sempre fui enérgica, mas sem perder a ternura. Isso é a mulher em uma delegacia de polícia.

Trajetória

1960 – Mudou-se para Florianópolis;
1971 – Terminou o curso de Direito;
1972 – Prestou concurso para a Polícia Civil e, em agosto, assumiu a delegacia de Rio do Sul;
1974 – Assumiu a delegacia de costume e menores, na Capital; 
1977 – 1ª delegada a comandar a Diretoria de Polícia Científica, hoje, IGP;
1979 – Assessoria do superintendente da Polícia Civil;
1981 – Polinter;
1982 – Foi enviada para Tubarão;
1983 – Convidada para montar uma delegacia só com mulheres, criada a 6ª DP;
1990 – 1ª mulher superintende da Polícia Civil, hoje, chefe da PC;
1995 – 1ª mulher secretária de Segurança Pública e única de SC até hoje;
1999 – Foi para a 5ª DP da Capital, onde permanece até hoje.

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