A poucos dias da Festa das Flores, que começa na terça e vai até o dia 17, amantes de flores bem diferentes uns dos outros falam de sua história com o tema, que há 75 anos marca uma tradição em Joinville. O artista André Peticov revela que flores são seu tema preferido na pintura. Emir Franzoi transformou o hobby em negócio. O dentista Rodolfo Brandes e o empresário Manfred Schulz são da “velha guarda”. Juízes em competições de orquídeas falam do olho clínico na busca pela planta ideal.
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Um capítulo muito especial em minha vida, por Lenine
“Foi completamente arrebatador a maneira como a descoberta se deu, e mais, como essa paixão transformou o meu olhar. Havia comprado um sítio no município de Petrópolis, e a primeira coisa que fiz foi mapear todas as ocorrências botânicas na área da minha nova propriedade, isso com o intuito de projetar um pomar.
Para minha sorte, percebi uma planta florida, muito estranha, com um formato que jamais tinha visto, a cinco metros de altura, agarrada a uma grande árvore. Seria algum tipo de parasita? Peguei uma grande vara de madeira, consegui arrancá-la do galho e, de posse dela, vi quão especial era. A forma era completamente nova para mim, parecia um alienígena, fiquei maravilhado e, curioso que sou, corri atrás para descobrir que planta era aquela!
O resto da história é igual à história de todos que são apaixonados pela família das orquidáceas. Quando a gente descobre a complexidade e a diversidade deste universo botânico, não há quem resista! Assim comecei minha coleção. A planta que originou tudo foi um Catasetum, e por causa disto me apaixonei pelas espécies e os híbridos naturais.
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A música tem sido uma grande aliada nesse processo, como ela me leva por todo o País e para fora dele, com frequência, pude ir descobrindo nessas viagens o endemismo de cada lugar, e mais: pude ir associando estas informações com os lugares das ocorrências de cada planta, altitude, tipo de substrato, tipo de bioma… Isso me levou à Festa das Flores de Joinville no ano passado, uma das mais antigas do mundo! De lá veio uma Laelia purpurata muito especial, que já está em minha coleção.
No Brasil ainda temos muito trabalho pela frente, somos um continente, e ainda com muitos biomas para serem estudados e catalogados, e não são muitos os eventos dedicados a este mapeamento. Cada projeto como o da Festa das Flores de Joinville – que também tem como objetivo o estudo das espécies associado ao seu habitat – é de importância vital!
Nós ?orquidólatras? agradecemos eternamente!”

Laelia é “esporte” de homem
O trabalho com minúcias define o empresário Manfred Schutlz, de 75 anos, morador do bairro Glória, em Joinville. Dono da Relojoaria Suissa, empresa da família com mais de um século de história, Manfred é detalhista tanto no trabalho de relojoeiro quanto no cuidado das Laelias purpuratas, orquídeas-símbolo de SC e a homenageada da Festa das Flores.
A história do empresário mostra bem como este tipo de orquídea, muito difundido em Joinville e no Estado, é “negócio de homem”, mesmo que muitos achem que flor é coisa delicada, feminina. Manfred começou a gostar das Laelias cedo, por volta dos dez anos. Aos 19 anos, isto em 1958, entrou para a Associação Joinvilense de Amadores de Orquídeas (Ajao), clube deste tipo mais antigo da América Latina. Tanto que foi um dos mais jovens a entrar na agremiação e hoje detém o título de “sócio número 2” que permanece na ativa.
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A esposa e o próprio Manfred garantem que, em décadas passadas, principalmente o cultivo da Laelia, era “esporte” quase que exclusivo de homem. Só mais recentemente é que mais mulheres têm aderido à prática. Os orquidófilos até fazem questão de esclarecer que cultivos de outras plantas em suas casas, como cactos, bromélias e outros, são iniciativas das esposas.
A preocupação, hoje, é manter esta tradição, trazer jovens para a atividade, algo limitado pela correria da vida atual e pela falta de espaço para cultivo das plantas, segundo os veteranos. Para Manfred, o hobby tem dois benefícios. Um, solitário, é o fato de a atividade ser quase um remédio ao espírito, capaz de aliviar qualquer estresse ou dor de cabeça. O outro é o de reunir amigos em torno de algo em comum, proporcionar o lazer, a recreação, a contação de histórias, coisas boas da vida.

Olho clínico no julgamento da melhor flor
Rodolfo Brandes Filho, de 69 anos, é dentista aposentado, profissão que desempenhou até há dois anos e que foi seguida pelo filho. O mesmo olho clínico que ele teve de ter na profissão continua pondo em prática atualmente em outra atividade: faz parte de um seleto grupo de juízes de orquídeas em festas e exposições como a Festa das Flores.
A atividade requer conhecimento e experiência com as plantas. Brandes consegue detectar nuances sutis em formas, cores e texturas das plantas indistinguíveis a um leigo. E faz questão de dizer que é um pouco “chato”, rigoroso e criterioso – a fórmula que consagrou os orquidófilos de Joinville a terem uma das mais (senão a mais) conceituada agremiação deste tipo na América Latina.
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– Há exposições em que nós sabemos que é algo mais para o público ver do que para nos orgulharmos, porque não há plantas realmente boas. Nosso prazer é ver a orquídea ideal, aquela que nunca vimos, a melhor de todas, e isto é um trabalho de extrema paciência e uma boa dose de sorte – explica.
O rigor é que faz o hobby ser o que é. Uma muda de Laelia leva sete anos para dar a primeira flor. E ela vai florir só uma vez a cada ano a partir de então, sempre em novembro, logo após a primeira onda de calor que prenuncia o verão. Neste tempo todo, é preciso adubá-la, pôr água, matar pragas…
Mesmo com os cruzamentos para se chegar ao tipo de flor desejada, saber se ela vai sair boa é lance de sorte. Quanto tempo as flores ficarão abertas, viçosas, aptas a ganhar uma competição é outro detalhe. É todo esse detalhismo que, segundo Brandes, torna o hobby interessante. A recompensa não é material: é um dia deparar-se com a flor mais bela, aquela que vai entrar para as rodas de conversa e marcar um momento da vida.

Do hobby ao aluguel de orquídeas
“Por que não tive esta ideia antes?”, muitos se perguntam ao conversar com Emir Franzoi, de 55 anos, gerente aposentado da Caixa Econômica Federal de Jaraguá do Sul. O orquidófilo que iniciou no hobby há oito anos encontrou, motivado pela insistência de amigos, uma forma de aliar a paixão pelas plantas com um jeito de mantê-las financeiramente: Emir aluga orquídeas para escritórios. A ideia deu certo a ponto de Emir ter 20 clientes hoje. Só não amplia o negócio porque não quer. Brinca que já se aposentou para se dedicar ao hobby e não quer mais tanta responsabilidade como nos tempos de gerente. Mas afirma que, se quisesse, chegaria a pelo menos 50 clientes.
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– O aluguel começou sob insistência de um amigo dentista, que queria que pusesse uma flor no escritório dele. Fez questão de pagar. Aí outros amigos viram e começaram a me pedir. Minha iniciativa virou até trabalho de conclusão de um estudante de administração de Jaraguá – afirma.
O trabalho consiste em cultivar as plantas, manter uma boa quantidade delas floridas o ano inteiro e, todas as quartas-feiras, passar de escritório em escritório para trocá-las. Sempre leva uma planta de cor e formas diferentes da anterior. A planta que é recolhida, normalmente um pouco “estressada”, segundo ele, por causa do contato com ar-condicionado, volta para o viveiro para descansar.
Emir tem, assim, um jeito de agregar utilidade e sustentabilidade ao seu hobby. Os escritórios, por sua vez, ganham cores e perfumes diferentes a cada semana. Segundo o aposentado, acabou se tornando vantajoso porque os clientes gastariam mais para comprar uma planta nova e mantê-la. A renda que Emir tem com o aluguel acaba, de qualquer forma, toda revertida à sua paixão, as plantas.

“Se pudesse, passava o dia todo só pintando flores”
O artista plástico André Peticov, de 60 anos, de São Paulo, já criou cenários, capas de discos e outros trabalhos para shows do Violeta de Outono, banda de Rita Lee, dos Mutantes e até do Sepultura. Mas o tema que mais gosta de pintar – e que o trouxe à Festa das Flores deste ano, em Joinville – tem mais a ver, curiosamente, com música erudita do que com rock.
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– Se pudesse, passava o dia todo só pintando flores. É meu tema preferido. E é uma satisfação muito grande, vocês não imaginam o quanto, poder mostrar este meu trabalho na Cidade das Flores – afirma.
Peticov usa técnicas que dão um realismo impressionante às suas pinturas, como a anamorfose, que lembra aquelas faixas publicitárias colocadas em campos de futebol, que imitam placas, mas, na verdade, são tecidos estendidos sobre o gramado. A primeira reação de quem vê algumas de suas telas é achar que elas são feitas em relevo, em três dimensões. Ele ri e revela que criar estas surpresas é um dos maiores prazeres de seu trabalho.
O artista conta que pinta flores desde os anos 80. Atualmente, em vias de se mudar de São Paulo para uma cidade mais pacata, no interior, ele cultiva mais de 40 plantas e pretende ampliar o canteiro. Ama formas, cores e a simplicidade das flores. Diz ser seu tema mais intimista, quase um hobby, já que pintura também é seu ganha- pão.
O convite para vir à Festa das Flores ocorreu por meio do contato com produtores culturais que conheciam seu trabalho. Para a festa, o artista trouxe 20 quadros, que vão de 50 cm por 50 cm até 1,4 por 1,4 metro. As obras ficarão expostas no Megacentro Wittich Freitag, na Expoville. Peticov também vai pintar ao vivo quadros que depois poderão ser comprados pelos visitantes.
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– É uma maneira de viver a festa e interagir com o público – diz.