Apesar do cenário de falta de incentivos e oportunidades, negócios negros de sucesso têm florescido e resistido em Santa Catarina. Para mostrar e celebrar algumas dessas conquistas os repórteres Edsoul Amaral, Carol Fernandes e Cristiano Gomes produziram estas reportagens especiais, que fecham a semana da consciência negra na NSC.
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A seguir, você conhece a história de pessoas que sabem que os negócios delas são assim como suas peles: verdadeiras potências.
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A força de todos os dias é para levantar o sonho. Para o professor de Educação Física Marcelo Duarte, a tarefa é diária. Ainda mais para chegar onde está.
– Tenho um atendimento presencial com as pessoas. Também tenho o treinamento on-line, como uma mentoria. E outro braço agora que saiu dentro do meu negócio é o atendimento em empresas, desenvolvendo mais coesão, mais liderança, mais produtividade e buscando mais resultados – comenta o profissional.
Para continuar no mercado, só passando por várias batalhas, inclusive enfrentando o preconceito:
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– Acho que o preconceito, a gente sofre todo dia, infelizmente. Há uns dois meses, eu estava numa empresa para dar uma palestra, me identifiquei na recepção e aí a pessoa da recepção chegou pra mim e falou assim: “Mas você não tem cara de palestrante”. Aí, eu falei assim: “Tu pode me definir o que é a cara de palestrante?”.
Desde 2015, Duarte administra a própria rotina como educador físico. Além disso, oferece mentorias e faz palestras em empresas. Na atividade física, às vezes é necessário dar aquele gás para atingir os objetivos, assim como no mundo dos negócios.
Em meio a desafios, negócios de sucesso criados por negros florescem em SC
A luta de quem empreende e quer servir de referência
– O desafio é você entender que nem todo dia é bom. O fato de não ser bom, não significa que você é ruim. Você precisa continuar. Derrotas a gente tem muitas na vida, pra conquistar uma vitória.
Desafios que o empresário Lazuli Mashal, que também é conhecido como Lau, enfrenta todos os dias. Hoje ele é empresário e junto com um sócio comanda uma empresa da área financeira. A ideia do Lau começa em 2020, em plena pandemia.
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Ele ficava dentro do quarto da casa dele, pensando em várias ideias de negócio. Aos poucos, o negócio foi crescendo, cada vez mais, até que saiu do quarto e ganhou uma estrutura novinha e novos colaboradores, que a cada dia tentam incentivar o chefe a continuar a crescer com o negócio.
– É algo que me dá orgulho, algo que mostra um pouco da minha capacidade que antes eu não acreditava ser tão capaz assim – comenta.
Na empresa, Lau é referência. Inclusive para a consultora comercial Natália Rocha, a amiga que se tornou colaboradora.
– Aqui posso usar os meus turbantes, usar meu black power tranquilamente sem ter olhares estranhos, comentários, piadinhas, como sempre vivi em todas as empresas que passei.
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Histórias de inspiração
As histórias de empreendedorismo do Lau e do Marcelo se encontram. Os dois se conectam pois sabem que são referências e servem de inspiração para muitos que ainda podem chegar onde eles chegaram.
– Quero que os meus consigam olhar no futuro e enxergar que teve um cara aqui no Brasil que está fazendo, assim como vejo que estão tendo outras pessoas que estão fazendo e a gente se mostrar. Que as pessoas vejam, reconheçam que a gente está chegando, que a gente está conseguindo alcançar esses espaços e se mostrar visíveis – projeta Lazuli.
– A gente precisa ficar forte, ocupar lugares, para que as pessoas possam entender que somos todos iguais e não é a cor da pele que determina se eu sou melhor ou pior. Acredito que a questão do esporte e o posicionamento que tenho hoje dá essa condição da gente abrir caminhos para pessoas e se fazer presente, e mostrar que a gente é competente e estamos aí, estamos no jogo – completa Marcelo.
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A força da coletividade no empreendedorismo
Leandro da Silva Lage tem 44 anos e desde cedo aprendeu com o pai, Geraldo Botelho Lage, que estudar seria a melhor maneira de conquistar um espaço. Ele seguiu todos os conselhos do seu Geraldo. Foi militar da Aeronáutica, bancário e, em 2002, se formou em Ciências Contábeis.
Mas, ainda faltava um local para atender os clientes. Eis o momento em que a gente começa a entender a relação linda de pai e filho. Foi num espaço na casa do seu Geraldo, que ele começou a empreender de fato.
– Ele falou que queria montar um escritório, e a gente pensou em ceder a sala de visita, para ele iniciar ali o escritório de contabilidade dele. Começou a ter clientes, aí começamos a guardar o material da contabilidade lá na minha garagem – recorda seu Geraldo.
– Neste período eu era soldado e também fazia universidade. Depois que eu me formei, decidi sair da base aérea, porque era um concurso limitado a seis anos. Aí sim, comecei a trabalhar num banco. Pegamos um pouquinho da sala, depois passamos para a churrasqueira e depois a gente fez uma grande reforma neste espaço da churrasqueira – lembra Leandro.
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O resultado da dedicação surtiu efeito. A empresa do Leandro teve que mudar de endereço porque cresceu e muito. Hoje em dia, ele não só dá orgulho para a família, como também, emprega bastante gente.
– Hoje emprego 21 pessoas, que dependem diretamente do escritório, dependem de mim, de ter empreendido no passado e ter acreditado neste projeto – conta o empreendedor.
Filosofia africana
A inspiração de outro negócio veio de uma filosofia africana, que valoriza o coletivo, a humanidade unida. Falando simplesmente, é admitir que eu sou, porque nós somos. Este é o nome da agência de viagens que a Lauri Machado e o Luciano Pereira Machado montaram. Eles são responsáveis por muitos sonhos realizados.
– O mundo do empreendedorismo veio muito cedo na minha vida. Em torno de 18, 19 anos, já estava tentando empreender – conta Luciano.
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– Mas somente em 2017 que nós conseguimos abrir a Ubuntu Viagens – completa Lauri.
Como todo trabalho, nem tudo são flores. O início foi muito difícil.
– E veio a pandemia. Momento de desespero, inclusive, porque paramos as nossas atividades totalmente e só resolvemos problemas. Pessoas que remarcaram as suas viagens, outras queriam cancelar e, graças a Deus, que conseguimos resolver todos os problemas e nenhuma pessoa cancelou. Só houve o adiamento das viagens, remarcações – explica Luciano.
Agora, passados os tempos tenebrosos, o foco é se manter firmes e fortes para que o empreendimento em família faça a felicidade de muitas outras famílias que querem viajar.
– O nosso negócio agora está retomando com força. O que nós pretendemos enquanto empreendedores pretos é a satisfação do nosso empreendimento, dos nossos clientes. Até utilizamos um termo: “Só estamos satisfeitos realmente, quando os nossos clientes estão satisfeitos”. Seguindo bem a sabedoria Ubuntu. Pretendemos crescer bastante. Atendemos o Brasil inteiro, em todas as regiões, parte da Europa e alguns africanos – diz Luciano.
Barbearia com direito a Karaokê
Para onde quer se olhe, a black music está presente. Tupac, Notorius Big, Jay-Z, Bob Marley numa parede, pintados em disco de vinil. Na outra, Barack Obama, Nelson Mandela, Malcom X e Martin Luther King.
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Toda a decoração da barbearia representa a cultura na qual Laércio Antunes de Matos, o La Mattos, foi inserido ainda criança.
– Tive uma infância muito voltada a ouvir os hip-hops, influências da black music, a música que a gente respira todos os dias, e eu trago isso pra minha vida sempre, sempre e sempre. Exerço essa profissão há 12 anos, foi quando eu me deparei com o meu primeiro corte, no meu irmão.
O espaço conta até com um karaokê:
– É isso aí. Trabalhando e colocando o povo para cantar.
As histórias vistas nesta reportagem caminham no sentido da inspiração. O dia 20, e todo o mês de novembro, celebram a possibilidade do empoderamento da população negra e pede pelo fortalecimento da criação das nossas próprias histórias e discursos. Mas para que o empreendedorismo não continue sendo para muitos dos nossos a única opção de trabalho e renda em um Estado, e país, que sempre nos negou tudo – e ainda nos nega e apaga – é preciso avançar.
Políticas públicas que promovam o verdadeiro acesso a direitos básicos de saúde, educação, segurança, cultura e lazer às pessoas negras fortalecem não só o desenvolvimento do empreendedorismo, mas de todas as possibilidades de vida, trabalho e criação da nossa população. Queremos o que nos é de direito, para criar como nunca e movimentar/aquilombar como sempre.
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Esta reportagem é uma contribuição dos repórteres da NSC TV, Edsoul Amaral e Cristiano Gomes
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