Seu Ivo ainda não sabe como vai mudar os dias. Religiosamente, ele acorda antes das três da manhã para começar sua rotina. Primeiro reza na sala de casa — sem pedir, só agradecer —, depois sai por volta das 4h50min e pega o ônibus de Santo Amaro da Imperatriz para Florianópolis. Com o dia claro, chega ao posto de trabalho que ocupa desde sempre: a Ponte Hercílio Luz.
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Aos 83 anos de vida, Ivo Pelegrini trabalha na ponte há 60 anos. Viu ela funcionando, viu a interdição para carros em 1982 e a para pedestres em 1991. Viu o medo pelo risco de colapso e também todas as décadas de trabalho até hoje, que resultaram na reabertura deste histórico 30 de dezembro em que a emoção pelo retorno da ponte é misturada à indignação pelos mais de 30 anos de atraso.
Ivo fez de tudo na obra da Hercílio Luz. Quando os primeiros portugueses chegaram para trabalhar na obra de restauração, ele estava lá para remover o cemitério que havia ao lado da ponte e construir o escritório da empresa responsável pelos serviços. Durante a obra, trabalhou na coordenação das equipes que colocaram os tubos submersos, até voltar ao serviço que era a sua especialidade: com a equipe que cravava os rebites na estrutura.
— Com a reinauguração eu vou pensar o que fazer agora. Parar eu não vou, se parar a gente morre. Quero continuar trabalhando aqui até onde der — diz o eterno trabalhador da obra.
Poucos têm uma relação tão duradoura com a ponte quanto Ivo, mas o laço de amor é compartilhado por vários outros trabalhadores da obra. Pessoas que chegaram a cruzar a Hercílio Luz na infância, guardam memórias, e nos últimos anos ajudaram na retomada daquele tempo. É o caso do técnico em segurança no trabalho Marcos Rogério de Souza, que brincava nos arredores da ponte quando era criança.
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— Eu lembro que eu atravessava a ponte com o meu pai, ele era taxista, trabalhava com um Del Rey prata, ainda lembro do carro. A gente atravessava a ponte, tinha parentes ali Estreito, brincava no parque perto da cabeceira da ponte e depois voltava. Quando fecharam para os carros a gente ainda passava em uma charrete, de um rapaz que lá no início cobrava para atravessar de cavalo.
Depois do dia 30 os funcionários da ponte terão uma visão diferente do local de trabalho, com um sentido ressignificado. Alguns devem partir para outras empreitadas, enquanto outros podem seguir na equipe de manutenção da estrutura, como é o desejo do Seu Ivo.
— Se depender de mim eu continuo. A ponte tá no meu sangue, a relação com ela não vai chegar ao fim, só no último dia de vida.