É um patrimônio da sociedade e das instituições o relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado ontem, num dia histórico para que o país acerte contas com sua memória recente. O documento faz inventário de desmandos cometidos de forma sistemática por agentes do Estado, durante os 21 anos da ditadura. Num primeiro momento, o país pode seguir orientação de uma frase pronunciada pela presidente, quando do recebimento do relatório.
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Disse a senhora Dilma Rousseff que “a verdade não significa a busca da revanche”, numa clara alusão a algumas interpretações, segundo as quais o levantamento poderia estar contaminado por ressentimentos.
O significado do documento e seu alcance estão muito acima de questiúnculas políticas ou ideológicas, conforme enfatizaram os integrantes do grupo de trabalho. O que deve ser exaltado é a sua missão: esclarecer questões ainda nebulosas de um período de exceção, para que o país nunca mais corra o risco de repeti-lo e para que especialmente as novas gerações tenham a exata compreensão dos danos provocados pela subtração da democracia. Merece acolhimento o entendimento da Comissão de que muitos dos crimes cometidos, quase sempre em nome da ordem, são delitos imprescritíveis. Incluem-se nesse caso os comprovados episódios de tortura, assassinato e ocultação de cadáver.
É simbólico que o levantamento tenha sido divulgado no Dia Internacional dos Direitos Humanos. A Comissão se inspirou na data para propor que os casos relatados sejam examinados por quem de direito, para eventual responsabilização criminal, civil e administrativa de seus autores. É natural que se amplie a partir de agora uma controvérsia: a anistia em vigor desde 1979, ratificada pelo Supremo, protege ou não todos os envolvidos em atos praticados durante o regime que vigorou de 1964 a 1985? Observe-se, de qualquer forma, que o Brasil é signatário de convenção internacional que o submete à determinação de julgamento de crimes contra a humanidade.
Há que se salientar também que o período em questão registrou excessos inaceitáveis por parte de insurgentes que, nem sempre orientados pela democracia, cometeram assassinatos e outros crimes. Agora, o que se espera é que a estrutura institucional do país saiba cuidar dessas questões e do conteúdo do relatório, para que se cumpra o desejo do coordenador da Comissão. Afirmou o senhor Pedro Dallari que “a verdade não promove o resgate da memória social se não é revelada e compartilhada”. Chegou o momento de o Brasil pacificar sua memória e sua consciência coletiva.
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