Há 101 dias, um senador boliviano vive em território que convenções internacionais definem como brasileiro, apesar de estar encravado na Avenida Arce, uma das principais de La Paz, a capital da Bolívia.

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O oposicionista Roger Pinto Molina, um crente batista de 52 anos que se diz refratário a rótulos como “esquerda” e “direita”, está recluso em uma sala de 20m2, na embaixada do Brasil.

Em 28 de maio, Pinto chegou à representação diplomática brasileira e criou uma saia justa para a presidente Dilma Rousseff. Pediu audiência, urgente, com o embaixador Marcel Biato. Objetivo: conseguir asilo político e encaminhar uma carta a Dilma, na qual discorria suas razões para a requisição – ele seria alvo do que define como “perseguição política”, por ter denunciado autoridades bolivianas de envolvimento com o narcotráfico,. Isso teria lhe rendido processos por desacato à autoridade, por exemplo.

O Brasil se solidarizou. Concedeu o asilo, apesar da manifesta contrariedade das autoridades bolivianas, que se recusam a dar o salvo-conduto. Sem o documento, Pinto corre o risco de ser preso caso deixe a embaixada, onde ocupa um espaço isolado no primeiro piso do prédio.

A filha Denise, 22 anos, e alguns amigos o visitam diariamente. Denise leva roupas e comida ao gosto do pai – carne assada e bacon. Na segunda-feira, religiosos batistas oraram no prédio ao lado. Pinto, que reza todos os dias, concentrou-se no mesmo instante, do outro lado da parede – era uma oração pelo seu futuro, afinal de contas.

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E qual é esse futuro? Pessoas que privam da sua intimidade contam: Pinto está apreensivo com a irredutibilidade do governo boliviano, que parece não cogitar dar-lhe o salvo-conduto. A intenção do político é, chegando ao Brasil, estabelecer-se em Brasília.

Boa parte da sua família já está no Acre. São a mulher, uma das filhas, dois netos e a sogra. Caso Pinto vá para Brasília, eles devem mudar o endereço brasileiro. Atualmente, todos se comunicam pela internet.

Em meio a tal impasse, o senador vive com algum conforto. Tem cama, mesa de cabeceira, frigobar, aquecedor, televisão, uma cômoda onde põe sua Bíblia grossa e de capa preta, o controle remoto da TV, seu notebook e muita papelada. Do lado de fora, uma bicicleta ergométrica para a saúde do corpo, já que as orações tratam da alma.

Na representação do Equador em Londres, está Assange

Um dos livros de cabeceira do senador na embaixada é El Sueño del Libertador, cujo apropriado enredo é o do político peruano Raúl de la Torre, que ficou anos na embaixada da Colômbia em Lima. Casos desse tipo, aliás, têm sido recorrentes na América Latina. O exemplo do momento é Julian Assange, fundador do WikiLeaks, que, em junho, entrou na embaixada do Equador em Londres, onde obteve asilo.

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Outro caso recente – na embaixada brasileira em Tegucigalpa: em setembro de 2009, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, refugiou-se no prédio e ficou mais de quatro meses.

Também recentemente, o proprietário do jornal equatoriano El Universo, Carlos Pérez, processado pelo presidente Rafael Correa, refugiou-se na embaixada do Panamá em Quito.