*Por Besha Rodell

Qual é a comida australiana? É uma pergunta que me faz ter ataques de raiva frustrada, como se pudesse haver uma explicação simples, uma maneira de destilar o sabor, a criatividade e a história de um país tão grande e diversificado como a Austrália. Mas também é a linha de investigação que tem sido a base da minha missão nos últimos dois anos, como crítica e colunista do "The New York Times" na Austrália: explorar e explicar a comida e os restaurantes para o público global.

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Foram dois anos incríveis. Comi comida tailandesa maravilhosa no meio do maior parque nacional da Austrália, procurei tacos fantásticos nos subúrbios de Adelaide e considerei os prazeres de fazer um churrasco, algo que está crescendo aqui. Explorei a glória dos antigos bares à beira-mar da Austrália, seus emergentes chefs afegãos e etíopes, cingaleses e indonésios, e segui meu nariz e meu estômago até o norte de Nova Gales do Sul, a região rural de Victoria e a zona vinícola da Austrália Ocidental. Redescobrir meu país pela lente de seus restaurantes continua sendo uma dádiva e uma honra.

Agora que entramos em uma nova década, penso no que distingue um país no mundo, e onde exatamente a Austrália se encaixa nesse paradigma. A globalização dos últimos dez anos teve um impacto especialmente grande na Austrália. Quando deixei Melbourne e fui para os Estados Unidos no início dos anos 1990, era como se eu tivesse me mudado para outro planeta – a Austrália tinha acabado de sair da minha vida. A volta foi o oposto: graças às mídias sociais, aos celulares e a uma rede global de chefs e escritores, estou quase tão conectado aos EUA como quando morava em Los Angeles.

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(Foto: Lauryn Ishak / The New York Times)

A incrível lista de festivais e eventos culinários da Austrália na última década trouxe para cá a mídia alimentar e os chefs do mundo em maior número. O apoio das indústrias de turismo e de relações públicas é tal que esses convidados são tratados de forma esplêndida, e muitas vezes saem daqui como verdadeiros crentes, prontos para espalhar o evangelho da Austrália pelo mundo. E os atuais chefs, bartenders e enólogos do país são, sem dúvida, a geração mais bem viajada de profissionais da indústria alimentícia que a Austrália já viu.

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Essa globalização também é o desenvolvimento que provavelmente representará mais desafios para chefs e restaurateurs australianos, que – gostem ou não – estão agora competindo em uma arena internacional. Assim, do que a Austrália precisa para reforçar sua crescente reputação como destino gastronômico? Aqui estão alguns ângulos a se considerar:

Sabores Nativos

Localmente, a maior história da comida australiana da última década é que, depois de mais de 200 anos ignorando os sabores nativos deste continente, chefs e comensais não indígenas finalmente acordaram para o tesouro que sempre esteve aqui. Essa é uma mudança com ramificações internacionais – ingredientes nativos australianos oferecem uma paleta de sabores totalmente nova, apresentando-nos uma comida completamente distinta de qualquer outra no mundo.

O interesse por esses ingredientes só está crescendo, mas temo que as vozes que não estão sendo ouvidas nessa conversa sejam as dos nativos australianos.

Não sei qual resultado decorre para a imagem da Austrália do fato de que esse progresso foi mais vigorosamente defendido por não australianos. O chef dinamarquês René Redzepi foi uma das primeiras vozes a defender ingredientes nativos australianos, reforçada por seu pop-up Noma de 2016 em Sydney – uma residência de dez semanas que é frequentemente creditada com a agitação generalizada em relação aos alimentos nativos. Na Austrália, os dois chefs que mais visivelmente trabalham com esses ingredientes são Ben Shewry, do Attica, que é original da Nova Zelândia, e Jock Zonfrillo, um escocês.

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Shewry presta homenagem ao povo aborígine, de quem recebe seus ingredientes e seu conhecimento, e Zonfrillo dirige um grupo sem fins lucrativos dedicado a explorar e promover alimentos nativos. Mas eu adoraria ver mais, na próxima década, a inclusão e a promoção de vozes indígenas, e mais chefs nativos liderando o caminho.

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(Foto: Rachel Kara Ashton / The New York Times )

Exportar a cultura

A cultura alimentar australiana deixou sua marca no exterior na última década, mais proeminentemente com a ascensão de cafés australianos em Nova York e além. Eu, porém, gostaria de ver a Austrália exportar mais do que apenas torradas de abacate sofisticadas.

Acredito que a cultura de pub da Austrália é incomparável; seria bom ver um pouco disso infiltrado nos mercados dos EUA e da Europa. E estamos tão à frente quando se trata de comida vegana (agora muitas vezes chamada de "dieta baseada em plantas") que a Austrália deveria ser conhecida como pioneira nesse mercado em rápida expansão.

Nos próximos anos, eu adoraria ver o vinho australiano ganhando uma base de fãs mais ampla, além do pesado shiraz e do amadeirado chardonnay pelos quais é conhecido, graças às mudanças que estão se processando nesse setor local. Deveríamos ser conhecidos por nossos rieslings de clima frio, nossos pinot noirs biodinâmicos e nossa vasta variedade de vinhos naturais. O mesmo vale para os destilados, particularmente uísque e gim, que agora estão entre os melhores do mundo, mas são relativamente desconhecidos para aqueles que não são nerds da alta graduação alcoólica.

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(Foto: Kristoffer Paulsen / The New York Times )

Refeição claramente australiana

A ideia que surgiu para mim mais do que qualquer outra é que devemos nos voltar para as coisas que nos tornam únicos, que devemos prestigiar os restaurantes que são decididamente australianos, em vez de imitar tendências de outras partes do mundo.

Se tenho uma crítica generalizada à sofisticação do menu australiano, é a de que muitos restaurantes considerados nossos melhores poderiam estar localizados em quase qualquer lugar do mundo. Nessa nova realidade, na qual os restaurantes estão sendo comparados globalmente e os clientes cruzam fusos horários para saborear a refeição certa, é especialmente importante oferecer algo distinto.

Ingredientes nativos não são o único caminho para a distinção. No Saint Peter, em Sydney, Josh Niland ganhou merecida atenção internacional por seu trabalho inovador com frutos do mar. O multiculturalismo da Austrália produziu preciosidades como o Lankan Filling Station e o Boon Cafe, restaurantes que só poderiam existir aqui.

Essa característica – a de que um vinho, restaurante ou bar é exclusivamente australiano – talvez seja a qualidade mais importante à qual os chefs e produtores do país devem aspirar. Se tudo for feito corretamente, até 2030 ninguém vai se perguntar: qual é a comida australiana?

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