*David W. Brown

Perto de um grande buraco no gelo e sob o cinzento céu do meio-dia do verão antártico, seis pinguins-de-adélia olhavam para seis homens e suas ferramentas. O abismo no gelo poderia ser uma entrada convidativa para as águas ricas em krill, mas nenhuma das aves mergulhou no buraco, um quadrado de quase dois metros de diâmetro. O risco de haver focas-leopardo era muito grande. Caso tivessem pulado, os pinguins não encontrariam uma foca, mas um robô.

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Em novembro, cientistas e engenheiros do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa testaram com sucesso o BRUIE – sigla em inglês de Sonda Flutuante para Exploração do Gelo – sob o gelo do leste da Antártica. O robô operado remotamente foi construído para se mover ao longo da parte inferior das plataformas de gelo.

Esses testes na Terra têm o objetivo em longo prazo de um dia buscar evidências de vida sob a espessa camada de gelo que cobre Europa, a lua oceânica de Júpiter. Abaixo desse gelo, há três vezes mais água líquida do que a encontrada em todos os oceanos da Terra.

Levará anos até que uma nave espacial da Terra pouse em Europa, que foi muito estudada pela missão Galileo da Nasa na década de 1990. A próxima sonda robótica a visitá-la será a Europa Clipper, programada para ser lançada em 2025.

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Quando lá chegar alguns anos mais tarde, essa nave espacial orbitará Júpiter e encontrará Europa dezenas de vezes, de diferentes ângulos, para digitalizá-la e mapeá-la. Essa lua é considerada uma das melhores candidatas em nosso sistema solar a ser habitada por alguma forma de vida extraterrestre.

Não é certo que um módulo visitará a lua jupiteriana no futuro. Mas isso não impediu que engenheiros e cientistas da Nasa desenvolvessem tecnologias para ajudar na missão.

"Conseguir levar um veículo como a sonda flutuante e outros submersíveis ao oceano de Europa é a visão em longo prazo do que esperamos um dia realizar. Ela virá depois da Clipper e de um módulo de pouso na superfície. Essas missões precursoras preparariam o terreno para atravessar o gelo e chegar ao oceano", disse Kevin Peter Hand, líder científico do projeto do Laboratório de Propulsão a Jato.

Lua
(Foto: Nasa/JPL-CalTech via The New York Times)

A BRUIE está em desenvolvimento desde 2017. A sonda é o casamento da inventividade ao estilo Júlio Verne e da máquina mais simples possível de construir: pouco mais que um eixo e duas rodas, cada uma do tamanho de uma pizza grande.

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Como seu nome indica, a BRUIE flutua. O mar a pressiona contra a plataforma de gelo e, enquanto a sonda se movimenta, seus sensores coletam dados. Durante seus testes na Antártica sob o gelo da Baía O'Brien, perto da Estação Casey, uma base australiana na parte oriental do continente, a estrutura robótica suportou com sucesso três gélidas tentativas de três horas.

Um quarto teste crítico manteve-a sob o gelo por 42 horas e 30 minutos. Andy Klesh, engenheiro-chefe do projeto, dirigiu a sonda usando um laptop. Ela pode ser pilotada por meio de conexão via satélite, mas, durante essa missão, Dan Berisford, engenheiro mecânico, a alimentou com uma fina corda amarela.

A sonda submersa moveu-se lenta, mas habilmente. Uma câmera a bordo transmitiu um vídeo para o laptop e revelou uma Antártica ainda mais desconhecida que a da superfície. Com exceção dos pinguins curiosos, o continente é severo e em grande parte sem vida à vista no horizonte. Mas, alguns metros abaixo, a sonda encontrou vastas teias marrons de algas marinhas agarradas ao gelo. Os peixes nadavam e as mordiscavam. Bolhas de oxigênio se acumulavam à medida que a fotossíntese ia sendo processada.

Em Europa, a verdadeira ação está em seu oceano; se, finalmente, a lua jupiteriana receber uma sonda que chegue abaixo de sua superfície, é lógico que o robô se mova pela parte inferior de seu manto de gelo. A química da radiação e a geofísica da superfície de Europa podem conter um mecanismo que fornece oxigênio para a vida em suas profundezas.

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Nasa
(Foto: KP Hand via The New York Times)

Para estudar essa vida, a sonda submarina não poderia ser invasiva.

"Os propulsores de um veículo subaquático normal operado remotamente podem perturbar as algas sob as camadas de gelo, mas a BRUIE é muito mais delicada", disse Daniel Arthur, tecnólogo que trabalha com o Instituto de Tecnologia da Califórnia e com a Universidade da Austrália Ocidental.

A sonda analisa a interface gelo-água passivamente e a distâncias consistentes, utilizando pouca potência – especialmente em relação aos drones submarinos. "A energia será escassa em Europa e não queremos uma hélice atrapalhando o primeiro encontro da humanidade com a vida extraterrestre", disse Arthur.

A interface gelo-água na Terra é uma zona onde a física, a química e a biologia interagem, disse Alison Murray, cientista especializada em Antártica do Instituto de Pesquisa de Desertos, em Nevada. Em nosso planeta, ela é rica em micro-organismos.

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"Queremos entender a habitabilidade dessas interfaces, além da diversidade da vida que as habita. Em ambos os casos, podemos entender melhor se essa interface nas águas escuras de Europa pode realmente ser capaz de suportar a vida", disse Murray.

Hand espera que o trabalho em dispositivos como a BRUIE possa gerar o desenvolvimento de robôs para explorar a criosfera da Terra, onde o gelo encontra os oceanos.

"Espero que explorar o oceano de Europa possa incentivar, do ponto de vista da engenharia, o desenvolvimento desses tipos de capacidades para fazer o mesmo trabalho no planeta Terra", afirmou.

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