*Por Ernesto Londoño e Letícia Casado
O governo brasileiro de extrema-direita tem uma mensagem para os adolescentes, pois o país lida com uma taxa teimosamente alta de gravidez na adolescência e com o aumento de infecções pelo HIV: deixe o sexo para o casamento.
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"Nossos jovens, em geral, estão fazendo sexo como resultado da pressão social. Você pode ir a uma festa e se divertir muito sem fazer sexo", disse recentemente Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, ao incentivar a abstinência.
Para formular sua política, Damares deixou claro que trabalhou em estreita colaboração com a equipe por trás de uma campanha chamada "Escolhi Esperar", iniciada por pastores evangélicos com um grande número de seguidores nas redes sociais. Ao fazê-lo, ela incitou um debate acalorado sobre direitos reprodutivos e educação sexual na maior nação da América Latina.
Críticos dizem que a nova ênfase do governo na abstinência enfraquece a linha entre Igreja e Estado, e talvez leve os jovens a tomar decisões mal informadas sobre sexo, que podem ser prejudiciais à sua saúde.
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"Temos 20 anos de estudos de saúde pública em todo o mundo que mostram não só que as políticas de abstinência são ineficazes, mas que têm consequências nefastas quando se trata de gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmissíveis. Estamos fazendo políticas públicas baseadas em crenças religiosas", disse Debora Diniz, professora de direito e ativista dos direitos reprodutivos.
A ênfase do governo na abstinência dá continuidade à campanha presidencial de 2018, durante a qual o sexo e a sexualidade foram um tema dominante.
O presidente Jair Bolsonaro e seus aliados acusaram seus rivais de esquerda de encorajar adolescentes a fazer sexo em tenra idade. Ele também condenou uma campanha escolar contra a homofobia que foi planejada, mas nunca realizada, por seus antecessores de esquerda. Ele a chamou de "kit gay", destinada a "perverter" os jovens.
Sua mensagem foi poderosamente eficaz na mobilização de eleitores evangélicos, um eleitorado crescente e politicamente poderoso no Brasil.
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A campanha de abstinência do governo está sendo liderada por Alves, pastora evangélica que se autodenomina "extremamente cristã" e está entre os integrantes mais populares e visíveis do gabinete de Bolsonaro.
Especialistas dizem que a campanha pode prejudicar o progresso que o Brasil tem feito na redução da gravidez na adolescência.
No país, a taxa de gravidez durante a adolescência, que atingiu o pico na década de 1990 – cerca de 80 em mil nascimentos –, seguiu a tendência global de queda nas últimas décadas, mas permanece teimosamente alta: em média, 62 por mil nascimentos, bem acima da média global de 44 por mil, de acordo com um Relatório das Nações Unidas publicado no ano passado.
Outro desafio urgente na área da saúde que pode ser prejudicado pela campanha é a contenção da propagação do HIV. O Brasil ganhou elogios globais por seus esforços no combate à doença no início deste século, inclusive ignorando patentes globais e fazendo versões genéricas de medicamentos que salvam vidas. Mas, nos últimos anos, o vírus vem se espalhando a uma taxa que os especialistas chamam de alarmante.
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Em 2018, foram notificados 43.941 novos casos, segundo o Ministério da Saúde, um aumento de 41 por cento em relação ao número de casos registrados em 2014.
Alves, que não respondeu a um pedido de entrevista, defendeu a campanha de abstinência de seu ministério em recente ensaio publicado no jornal "Folha de S. Paulo", ressaltando que, em vez de substituir, complementaria iniciativas existentes, que incluem o acesso a contraceptivos e preservativos.
"Estamos trabalhando com todos os ministérios para oferecer material adicional conforme as pessoas vão tomando suas decisões", escreveu ela, acrescentando que o governo não queria "impor, mas sim informar, o que fortalece a autonomia".
Laryssa Pereira de Souza, de 15 anos, que teve um bebê no ano passado, disse que a mensagem de abstinência poderia talvez funcionar com adolescentes evangélicos, mas previu que seria ignorada pela maioria dos jovens.
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Laryssa, criada em uma família evangélica conservadora no Rio de Janeiro, teve dificuldade em enumerar todas as suas colegas de classe que tiveram filhos. "Quase todas as minhas amigas da escola engravidaram", disse ela, enquanto acalentava seu filho de sete meses, Arthur Bernardo. Como muitas meninas da sua idade, Laryssa aproveitou programas de educação domiciliar, que permitem que mães adolescentes permaneçam matriculadas na escola.
"Aqui, as coisas são muito liberais. O que precisamos é de melhor acesso a pílulas e essas coisas", acrescentou ela, referindo-se ao controle de natalidade.
Alves forneceu poucos detalhes sobre o orçamento e o escopo da campanha de abstinência, que está para ser lançada. Ao defender a abordagem, ela disse que as campanhas de abstinência nos EUA são eficazes.
Leslie Kantor, professora da Escola de Saúde Pública da Universidade Rutgers e especialista em gravidez na adolescência, disse que a alegação da ministra é comprovadamente falsa com base nas descobertas de dezenas de estudos sobre o assunto, que tem sido objeto de uma acirrada luta política nos EUA desde a década de 1980.
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Os programas de educação sexual que enfatizavam a abstinência, disse Kantor, tenderam a excluir informações pertinentes às pessoas gays e bissexuais e forneceram informações enganosas sobre a eficácia de preservativos e contraceptivos. Ela disse que a ideia de limitar, ou atrasar, a educação sexual pode parecer politicamente conveniente, mas é, em última análise, uma má ideia.
"O risco é de que as pessoas não recebam educação sexual mais tarde. Se você não a oferecer na escola, ela não vai existir no altar também", disse ela.
A campanha de abstinência está sendo lançada num momento em que as informações sobre educação sexual e direitos reprodutivos estão sendo restringidas no Brasil.
No ano passado, Bolsonaro pediu ao Ministério da Saúde que recolhesse um panfleto de saúde reprodutiva que incluía detalhes da anatomia humana, algo que o presidente considerou impróprio para crianças.
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E, também no ano passado, os principais provedores de internet do país começaram a bloquear o acesso ao site da Women on Waves, uma organização de direitos reprodutivos que pretende promover o acesso ao aborto seguro, fornecendo informações sobre saúde reprodutiva e, em alguns casos, disponibilizando pílulas abortivas para mulheres em países onde seu uso é ilegal.
Os provedores de internet disseram que bloquearam o site em resposta a uma ordem judicial. Eles se recusaram a dizer quem emitiu a ordem e a identificar o juiz responsável por ela.
Rebecca Gomperts, médica em Amsterdã que fundou a Women on Waves, disse que o site do grupo ainda recebe mais visitas de usuários do Brasil do que de qualquer outro país.
Em uma semana recente, disse ela, 78 mil pessoas no país conseguiram acessar o site apesar do bloqueio. Gomperts afirmou que esse é um sinal de que as mulheres no Brasil – onde o aborto é ilegal com algumas exceções, incluindo casos de estupro – estão precisando urgentemente de informações confiáveis sobre saúde reprodutiva.
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Os únicos outros países onde os provedores de internet bloquearam o acesso ao Women on Waves são a Arábia Saudita, o Irã, a Turquia e a Coreia do Sul, afirmou Gomperts.
Ela contou estar perplexa com a censura no Brasil, que tem fortes proteções à liberdade de informação.
"O Brasil é um país muito grande e há uma necessidade enorme. Se você está censurando informações cientificamente precisas sobre as melhores práticas médicas, que é o que estamos fornecendo, isso significa que você divulga informações que podem não estar corretas e que podem ser prejudiciais."
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