Sem ter sequer o gramado plantado a menos de dois meses da abertura da Copa das Confederações, o Estádio Nacional Mané Garrincha sofre com atrasos na obra. O maior problema, porém, deve ser de longo prazo: qual será o futuro do estádio mais caro do país após a Copa, em uma cidade sem clubes importantes de futebol?

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Orçado em R$ 1 bilhão e com capacidade para 71 mil pessoas, o estádio tem tudo para virar um elefante branco. A maior lotação do Campeonato Brasiliense no ano passado foi de 7,5 mil espectadores, no clássico entre Brasiliense e Gama. Para lotar o estádio, seriam necessárias 10 partidas iguais – ao mesmo tempo. Mesmo somados os espectadores de todos os confrontos do regional de 2012, o estádio não lotaria – foram, ao todo, 40 mil torcedores.

Como as outras arenas em cidades com pouco futebol, o governo aposta na atração de grandes eventos. Deve abrir concorrência para contratar uma empresa para gerenciar a programação de espetáculos e shows. O problema é: haverá público para isso?

– O modelo funciona e é o correto, mas Brasília não é um mercado tradicional na realização de eventos de grande porte – avalia o economista Ricardo Araújo, professor do curso de Gestão de Arenas Esportivas na Trevisan Escola de Negócios.

Segundo o economista, manter uma arena como a de Brasília custa cerca de R$ 8 milhões ao ano. Somente para manter a estrutura, portanto, seria necessário cerca de 10 megaespetáculos – quase um por mês -, considerando que o aluguel para shows seja de R$ 800 mil. Isso, sem considerar lucros: apenas para pagar os custos básicos. O governo do DF ainda não calculou o custo mensal para manter o estádio – mesmo assim, avalia que o retorno do investimento ocorra em 10 anos.

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No fim do ano passado, o Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (Idan) publicou estudo sobre os 12 estádios brasileiros que vão sediar a Copa de 2014. Elaborado com base na média de público das partidas nas cidades-sede, o relatório dos pesquisadores Jens Andersen e Jens Alm mostra que, se o público dos estádios não crescer significativamente até 2014, o Brasil vai contar com uma série de elefantes brancos ao final da Copa. O caso mais emblemático é justo o de Brasília.

– Os clubes que utilizam o estádio são das séries B, C e D, com público estimado entre 2 mil e 5,6 mil espectadores. Mesmo que o estádio seja focado em shows e eventos culturais, são poucos os eventos que levarão de 60 a 70 mil pessoas semanal ou mensalmente – observam.

O governo do Distrito Federal alega que tentará trazer jogos do Brasileirão durante o ano – para 26 de maio, está previsto o primeiro jogo da competição, entre Santos e Flamengo.

ENTREVISTA

Jens Alm, pesquisador do Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (Idan)

“Haverá competição entre os estádios”

O pesquisador Jens Alm, do Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte (Idan), faz um alerta aos brasileiros: é perigoso confiar só na renda de shows para pagar os estádios da Copa. Confira os principais trechos da entrevista.

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ZH – Porque o senhor considera que o Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, pode se tornar um elefante branco?

Jens Alm – Considerando que o estádio ainda não possui uma empresa de alto nível responsável por administrar a programação e a manutenção, há um risco considerável de que seja subutilizado após a Copa de 2014.

ZH – Será necessário investir em outras opções, como grandes shows e eventos culturais, para garantir a viabilidade econômica do estádio?

Alm – Não existem muitos clubes no Brasil, ou até no mundo, que consigam preencher um estádio com capacidade para 70 mil pessoas toda a semana. E, para garantir a sustentabilidade econômica, é importante investir em outras áreas. No entanto, como a Copa produzirá uma série de novos estádios, é provável que haja uma competição entre eles para sediar shows e espetáculos culturais. É crucial para as novas arenas contar com empresas experientes neste segmento para que possam aumentar as possibilidades de atrair grandes eventos e atingir, no longo prazo, a sustentabilidade econômica.

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ZH – O senhor acredita que, algum dia, o investimento de R$ 1 bilhão feito pelo governo do Distrito Federal poderá retornar aos cofres públicos?

Jens Alm – É difícil prever, mas o administrador terá de organizar uma programação anual com muitos eventos de grande porte – shows, espetáculos culturais e de outros esportes – para alcançar o retorno. Muitos estádios da Copa da África do Sul passam por dificuldades econômicas, e essa experiência mostrou que a construção de arenas pode ter impacto negativo. As autoridades precisam entender que a construção gera custos significativos para os anos seguintes.

ZH – O Brasil e a Fifa deveriam ter optado por utilizar estádios já existentes, em vez de construir novas arenas esportivas, de alto custo?

Alm – Quando você constrói um novo estádio, você tem que levar em consideração as necessidades daquela região específica. No caso de Brasília, seria muito melhor se a Fifa e as autoridades brasileiras tivessem escolhido um estádio que já existisse. O novo estádio não atende a uma necessidade da comunidade. Também é importante levar em consideração o legado social. Será que a arena e o seu entorno poderão ser utilizados futuramente pela população de Brasília como uma área social, para prática de esportes e outras atividades recreativas ou o novo estádio vai acabará esquecido e será somente um monumento referente à Copa de 2014?

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