No quartel militar de Treinta y Tres, Guido Gutierrez, um tupamaro – grupo guerrilheiro que lutava contra a ditadura no Uruguai -, é açoitada sem piedade por um milico quando uma foz afinadíssima fez o torturador parar. Foram três minutos sem pensar na dor.
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– Sua voz me deu força para resistir um pouco mais a maratona diária de torturas – garantiu Guido em depoimento a Mario Rodrigo Alzueta, músico e amigo pessoal da voz encantadora que paralisou o milico.
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Sérgio Ramirez D?Avila é mais conhecido no Brasil como o atleta uruguaio que correu atrás de Rivellino em pleno Maracanã, uma cena engraçada e recordada ano a ano. Em Santa Catarina, Ramirez é técnico conhecido e hoje comandante do Guarani de Palhoça. Mas esse charrua de 64 anos também é um cantor e música de mão cheia e com um passado marcado pelo sofrimento da cidade pequena e pela ditadura, que por mais apolítica seja a pessoa atinge a todos em qualquer nação. Foi assim com Ramirez em 1 de janeiro de 1973.
Em frente ao Bar London com os amigos o então jovem jogador do Liverpool, pequeno clube de Montevidéu, se diverte em sua terra natal em uma roda de música.
– Aparece um policial e pede para pararmos que o comandante não queria mais barulho. Alguém joga uma garrafa de cerveja nele. Cinco minutos depois outro policial e outro aviso. No último para um caminhão militar e dessem vários homens. Sai correndo, aproveitando meu condicionamento físico. Mas quando estou em casa chegam dois milicos que me levam ao quartel. Lá sou interrogado e colocam um capuz em minha cabeça. Queriam que eu entregasse os tupamaros. Mas eu não fazia ideia de nada, não morava mais ali, estava de férias – recorda Sérgio Ramirez.
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O poder da canção
Ao ser questionado quem era e o que fazia no bar, Ramirez respondeu que apenas cantava. Um dos militares então o provocou:
– Depois que terminar no futebol vais voltar a ser um negro qualquer.

Na foto Ramirez detido pela ditadura uruguaia
Sérgio Ramirez respondeu que as pernas podiam parar, mas lhe restaria a voz. Ainda com um capuz na cabeça o jovem jogador recebeu um violão nas mãos e uma ordem:
– Canta.
A música não poderia ser outra se não Afonsinha y El Mar, a sua favorita da cantora e compositora argentina Mercedes Sosa:
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– Foi o dia que melhor cantei na vida. Estávamos em no pátio do quartel e a minha voz ecoava. Depois disso me soltaram e fui para casa. Meus amigos ficaram e apanharam. Muitos anos depois soube que aqueles poucos minutos meus cantando fizeram os milicos pararem as torturas e que um amigo meu, Guido, esqueceu por um tempo do horror que acontecia com ele naquele momento – recorda emocionado Ramirez, fazendo seu sorriso largo e fácil sumir do rosto.
Afonsinha y El Mar cantada por Sérgio Ramirez
Diante de tantas adversidades na vida, comandar os garotos do Guarani _ que tem um elenco recheado de meninos da base _ no Campeonato Catarinense será um prazer, afinal no entender do treinador o futebol e música podem ser transformadores.
– Falo para os garotos daqui que já revelei muitos jogadores que tiveram sucesso e mudaram a vida deles e de suas famílias. Eu quero dar esse empurrão para o sucesso deles, espero que me ajudem – finalizou um dos charruas mais brasileiros do mundo.
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