A aprovação de um projeto de lei (7.657-A de 2014) que concede pensão vitalícia de R$ 4,3 mil – o teto do Regime Geral da Previdência Social – à ex-ginasta e esquiadora Lais Souza, que ficou tetraplégica após acidente nos Estados Unidos, tem gerado uma onda de críticas nas redes sociais. Muitos internautas questionam, por exemplo, que outras pessoas na mesma condição de Lais recebem somente um salário mínimo. Para a autora do projeto, deputada Mara Gabrilli (PSDB-SP), Lais estaria segurada e não precisaria dessa pensão se fosse jogadora de futebol.

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– Hoje, se um jogador de futebol quebrar o pescoço, o que vai acontecer com ele? Vai ter garantido, para o resto da vida dele, tudo aquilo que qualquer cidadão brasileiro tem direito e mais seguro contra acidente e seguro de vida, e isso quem garante a ele é a Lei Pelé, no seu artigo 45. A legislação só privilegia jogador de futebol. A Lais também é uma atleta, porém, não é jogadora de futebol. Por isso, ela não tem esse direito, não está amparada por nenhuma lei. Aí ela se acidenta e o país faz o que por ela?

INFOGRÁFICO: a lesão de Laís Souza

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Além de jogadores de futebol, corredores de Fórmula-1 e boxeadores também têm seguros obrigatórios, feitos por quem os contrata, salienta Mara. Mas os demais desportistas não têm essa proteção.

Escritor e ativista dos direitos humanos e em defesa das pessoas com deficiência, Ari Heck concorda com as críticas dos leitores. Na quinta-feira, Heck participou de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado, em Brasília, sobre a regulamentação da aposentadoria especial para deficientes no serviço público. Ao final do encontro, concluiu que não há vontade do governo em regulamentar a legislação:

– O governo não quer pagar o teto para ninguém, tanto que todas as aposentadorias especiais são proporcionais. Nada contra a atleta, foi uma fatalidade, mas é de se estranhar e repudiar. Enquanto milhares e milhares de deficientes estão sem direito de se aposentar, sem legislação, estão criando aposentadoria especial no teto máximo para uma atleta. E nós temos servidores com deficiência com mais de 35 anos de contribuição. Isso é muito grave.

Lais treinava desde os quatro anos e, por causa da dedicação à ginástica olímpica, não estudou. Mara reclama que a atleta não recebeu muito apoio após o acidente.

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– Em outros momentos, quando ela era campeã, quando trazia medalhas para o país, todo mundo posava para tirar foto com ela – afirmou a deputada.

A ideia da pensão foi sugerida pela consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, em Brasília. Mara abraçou a causa porque as pessoas com deficiências são a sua bandeira. Aos 28 anos, a deputada sofreu um acidente de carro que a deixou tetraplégica. Hoje, ela tem 46 anos.

– O que eu fiz foi não me omitir e trabalhar para que ela pudesse ter esse direito – disse.

Mara tem esperanças de que futuramente outros esportistas que estiverem em condições semelhantes às de Lais tenham direito a pensão vitalícia. Durante os últimos meses, a deputada e sua equipe realizaram uma pesquisa para descobrir se havia mais algum caso, mas não encontraram.

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Outro projeto da deputada tem o objetivo de mexer na Lei Pelé para incluir outros esportistas, profissionais e não profissionais, para que tenham seguros obrigatórios. Ela também garante que quer expandir benefícios aos trabalhadores com deficiências por meio de outros projetos de lei em construção.

Hoje, o que existe para pessoas com deficiências é o benefício da prestação continuada, de um salário mínimo, e a aposentadoria por invalidez. Em 2012, havia 3,6 milhões de beneficiários da da prestação continuada no Brasil, sendo 1,9 milhões pessoas com deficiência e 1,7 milhões, idosos. Conforme Heck, no país há 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência. Ele salienta que 80% dos benefícios a deficientes na iniciativa privada têm valor de um salário mínimo.

Procurado por Zero Hora, o diretor-presidente da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul (Faders), Roque Bakof, comentou que “o propósito (de atender pessoas com deficiências), em si, é nobre”. No entanto, sem ter se aprofundado no assunto, ele preferiu não fazer julgamentos sobre o caso. O projeto da deputada Mara Gabrilli – o deputado Rubens Bueno (PPS-PR) também assina a proposta – segue agora para apreciação do Senado.

O que diz o artigo 45 da Lei Pelé

As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo de cobrir os riscos a que eles estão sujeitos.

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Os principais questionamentos feitos nas redes sociais e as respostas dadas pela deputada Mara Gabrilli:

E o “cidadão comum”, que não tem direito a aposentadoria pelo valor máximo pago pelo INSS?

“Com o caso de Lais, se qualifica o parâmetro para atender os demais beneficiários. E se cria uma jurisprudência para os atletas.”

Não teria como estender esse valor aos demais cidadãos que precisam?

“Não tem como apresentar um projeto para que todas as pessoas com deficiência no Brasil recebam o teto porque simplesmente não seria aprovado.”

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Por que a lei concede o valor máximo de aposentadoria para a Lais?

“Por ser uma atleta que representava o Brasil e por ser um caso marco zero, ímpar.”

A Lais contribuía para o INSS?

“Sim, ela é autônoma e contribui por meio de sua empresa, na área de palestras.”

A Lais era ginasta e começou a treinar para esquiar. Ela sofreu o acidente no esporte que não foi o que a destacou, quem sabe até por imperícia. Isso não distorce o benefício concedido a ela?

“A Confederação Brasileira de Desportos na Neve (CBDN) foi lá e a convenceu a fazer esse esporte, e ela foi classificada para os Jogos de Inverno. Então, existe todo um critério para classificar. Na hora de convencer o atleta a participar, fazem com bastante veemência. Porém, na hora que acontece uyma tragédia nessas, eles vão arcar com a mesma veemência com que a instigaram a participar? E a legislação meio que isenta dessa obrigação.”