Foi em um pedacinho catarinense de Copacabana, no Rio de Janeiro, que aconteceu um dos momentos mais emblemáticos dos primeiros dias do regime militar. Era 7 de abril de 1964, seis dias após o golpe que levara à renúncia do presidente João Goulart. O apartamento do deputado federal lageano Joaquim Ramos, na Avenida Atlântica, número 2.364, era palco do encontro entre o ex-presidente Juscelino Kubitschek e o marechal Humberto Alencar Castelo Branco.
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No dia seguinte, o Congresso Nacional, em Brasília, elegeria Castelo Branco presidente da República, iniciando um ciclo de 21 anos de governos militares e de eleições indiretas. O acordo já estava fechado com o PSD, maior bancada do parlamento, mas faltava um gesto simbólico: o voto do popular Juscelino, senador pelo Estado de Goiás e candidato já oficializado pelos pessedistas para as eleições diretas marcadas para o ano seguinte. JK queria ouvir do marechal que a disputa de 1965 seria mantida e o poder devolvido aos civis.
Deputado federal lageano Joaquim Ramos
Joaquim Ramos já havia sido anfitrião de Castelo Branco na véspera, quando o militar se encontrara com lideranças pessedistas. O lageano estava em seu quarto mandato consecutivo como deputado federal e era conhecido pela discrição e pelo perfil articulador. Era irmão do governador catarinense Celso Ramos e do ex-presidente Nereu Ramos, morto em 1955 em um acidente aéreo – e que havia morado no mesmo prédio em Copacabana.
Dois meses antes, em fevereiro, Joaquim havia intermediado uma conversa entre Juscelino e João Goulart. O objetivo era a aproximação de ambos visando a sucessão presidencial. Jango queria do senador uma defensa mais firme das reformas pregadas por seu governo, em especial a agrária. JK falava de necessidade de realizar reformas, “sem assustar o Brasil”. Saíram do apartamento do lageano da mesma forma como entraram.
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Em abril, com Jango apeado do poder, as reformas não estavam mais em debate, apenas a promessa de sucessão. Os relatos da reunião são de desconforto entre Juscelino e Castelo e pouca conversa. O militar teria ficado incomodado com as repetidas vezes com que o ex-presidente consultava o relógio. De qualquer forma, deixou o apartamento do político catarinense garantindo que votaria em Castelo na eleição indireta, marcada para 10 de abril.
De Santa Catarina, Celso Ramos acompanhava com expectativa as articulações do irmão. Quando chegaram ao Estado as primeiras informações sobre o golpe militar colocado em marcha pelo general Olímpio Mourão Filho da madrugada de 31 de março para 1o de abril, os Ramos não tinham como saber se também não seria alvos da chamada revolução. Politicamente, quem insuflava o processo era a UDN, tradicional adversária do PSD e liderada em Santa Catarina pelo senador Irineu Bornhausen – derrotado por Celso Ramos na disputa pelo governo em 1960. No equilibrado xadrez político local, o apoio do PTB de João Goulart havia garantido a vitória do clã lageano.
Ao primeiro sinal concreto de que o golpe era para valer, aliados do governador foram para o Palácio do Governo, hoje Cruz e Souza, com as armas que tinham em casa. O jornalista Sérgio da Costa Ramos, na época com 16 anos, lembra de o pai, o também jornalista Rubens de Arruda Ramos “sair de casa armado com um 38 que não combinava com o estilo pacifista e conciliatório”.
Após a reunião entre Juscelino e Castelo no apartamento de Joaquim, o cenário ficava mais claro. Na manhã seguinte, dia 8, Celso conversa com o governador paranaense Ney Braga. Combinam de partirem juntos para o Rio de Janeiro – com o catarinense de carona no avião oficial do Estado vizinho. Braga voa a Florianópolis, Celso embarca e ambos partem para o centro dos acontecimentos.
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No mesmo dia, os dois se encontram com Castelo Branco. No dia 10, estarão em Brasília para acompanhar a eleição do marechal para um mandato-tampão que se estenderia além do combinado. No Congresso, Juscelino fez sua parte, votando no marechal e sendo ovacionado pelas galerias. Não sabia que teria os direitos políticos cassados dois meses depois e que o Brasil só voltaria a votar para presidente da República no distante 15 de novembro de 1989.
Governador de Santa Catarina, Celso Ramos é recebido no aeroporto Hercílio Luz, depois de sua viagem a Brasília e a Guanabara