
*Por David Yaffe-Bellany
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Tornou-se uma imagem icônica do surto de coronavírus na China: um oficial mascarado apontando o que parece ser uma pequena pistola branca para a testa de um viajante.
Há semanas, esse dispositivo de aparência sinistra é usado em postos de controle em toda a China – pedágios, complexos de apartamentos, hotéis, supermercados, estações de trem –, enquanto autoridades do governo e cidadãos tomam a temperatura das pessoas em busca de febre, em um esforço para evitar a propagação do coronavírus.
Às vezes descrito como "termômetro pistola", o dispositivo é equipado com um sensor infravermelho que pode medir rapidamente a temperatura da superfície sem entrar em contato com a pele de uma pessoa. Nos últimos anos, tornou-se uma importante ferramenta para os países que lutam para conter surtos virais. Foi amplamente usado para tentar retardar a propagação da Sars na China no início dos anos 2000 e para conter o surto de ebola na África Ocidental uma década depois.
Mas, mesmo com toda a sua poderosa tecnologia, o termômetro provou ser um mecanismo de defesa ineficaz, de acordo com autoridades médicas e especialistas em dispositivos infravermelhos. Como as máscaras cirúrgicas que se tornaram onipresentes na China, os termômetros pistolas tendem a não ser confiáveis fora de ambientes de saúde cuidadosamente controlados.
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Os termômetros determinam a temperatura medindo o calor que emana da superfície do corpo de uma pessoa. Porém, muitas vezes, aqueles que utilizam as ferramentas não as seguram perto o suficiente da testa do indivíduo, gerando leituras de temperatura extraordinariamente baixas, ou as seguram muito perto e recebem uma leitura alta. As medições podem ser imprecisas em certos ambientes, como uma estrada empoeirada ou quando alguém tomou medicação para baixar a febre.
"Esses dispositivos notoriamente não são precisos e confiáveis", disse James Lawler, especialista médico do Centro Global de Segurança em Saúde da Universidade de Nebraska.
Quando viajou pela África Ocidental durante o surto de ebola, Lawler era frequentemente testado com termômetros infravermelhos fora de hospitais ou em postos de controle na beira da estrada. Os resultados sugeriam que ele estava morrendo de hipotermia.
"Minha temperatura chegava muitas vezes a 35 ºC ou menos, o que começa a se tornar incompatível com a vida. Portanto, não tenho certeza de que eram precisos", declarou Lawler.
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Em teoria, os termômetros, assim como câmeras mais complexas que também podem medir o calor exalado por uma pessoa, permitem que as autoridades locais determinem rapidamente quem pode estar com febre e, então, fazer novos testes nessa pessoa. Até agora, dezenas de milhares contraíram o coronavírus, e o número de mortos passou da marca de 1.800. Em janeiro, a Organização Mundial da Saúde disse que os exames de temperatura poderiam reduzir "o risco de importação".
Mas, nas redes sociais na China, pessoas que passam pelos postos de controle reclamaram que os termômetros estão produzindo leituras absurdamente baixas em algumas situações ou artificialmente altas em outras, como quando um viajante dentro de um carro quente é testado.
Uma pessoa escreveu no Weibo, o serviço chinês de rede social, depois de receber uma leitura de um guarda: "Você sabe que a pistola de temperatura é imprecisa. Sei que a pistola de temperatura é imprecisa. Ele também sabe que a pistola de temperatura é imprecisa. Mas ninguém diz nada porque faz parte do processo. Que formalismo!"

Só porque uma ferramenta infravermelha diz que alguém está com temperatura alta não significa que a pessoa está doente, muito menos com o vírus.
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"Eles poderiam estar se exercitando, poderiam estar tomando certas drogas. Uma pessoa que está em um aeroporto tentando pegar um voo para o qual está atrasada pode ter corrido pelo saguão", afirmou Jim Seffrin, especialista em dispositivos infravermelhos do Infraspection Institute, em Nova Jersey.
A crescente demanda por termômetros pistolas e câmeras infravermelhas que possam detectar febre tem causado escassez em todo o mundo, desde o centro do surto em Wuhan até o pequeno fornecedor no Texas. Uma série de empresas chinesas fabrica o termômetro pistola, que encareceu à medida que aumentava a demanda tanto do governo quanto de clientes privados, como escolas e fábricas.
A Alicn Medical (Shenzhen), fabricante na cidade chinesa de Shenzhen, faz 2,5 milhões de termômetros pistolas por ano e é uma das poucas empresas na China que conseguem alcançar esse nível de produção, disse Mo Yingchun, seu gerente geral. Ainda assim, os custos das matérias-primas aumentaram e muitos trabalhadores não conseguem contornar os esforços de contenção de surtos da China para vir trabalhar, o que significa que a empresa não está produzindo em plena capacidade.
"Até governos estão disputando o produto entre si. Os governos locais querem garantir suas próprias necessidades primeiro", disse Mo, observando que os preços estão de três a cinco vezes mais altos que o nível habitual.
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Normalmente, ele acrescentou, o produto da empresa é usado em casa para verificar a temperatura de bebês. "Os termômetros pistolas são usados apenas para triagem rápida e não são tão precisos quanto os tradicionais. O setor era pequeno e, se não fosse pelo surto, não estaria em evidência", relatou Mo.
A milhares de quilômetros do centro do surto, um pequeno fornecedor de tecnologia em Beaumont, no Texas, chamado Infrared Cameras Inc., também sente a pressão da demanda. A empresa fabrica equipamentos de imagem de alta tecnologia, bem como termômetros infravermelhos, que custam US$ 25 cada.
Em um mês normal, a empresa vende cerca de cem câmeras infravermelhas, de acordo com seu executivo-chefe, Gary Strahan. Desde janeiro, vendeu mais de mil, fornecendo para escolas, navios de cruzeiro, fábricas, escritórios, hospitais e salas de cinema em países como a China e a Coreia do Sul.
Strahan disse que trabalha todos os dias das 4h às 22h para acompanhar as encomendas. "É a coisa mais avassaladora com que tive de lidar na minha vida. Temos pessoas vindo até nós diretamente e dizendo: 'Você pode fornecer mil câmeras? Você pode fornecer duas mil câmeras?'", contou ele.
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As câmeras e os termômetros pistolas da empresa têm uma margem de erro de 0,1 a 0,2 graus Celsius, de acordo com Strahan, que vende câmeras infravermelhas desde a década de 1990. Mas muitos produtos no mercado são menos confiáveis.
Durante surtos passados, alguns postos de controle usaram câmeras ou termômetros que foram projetados para fins industriais, como medir a temperatura de um veículo, não como ferramentas médicas finamente calibradas.
"Se você vai utilizar a tecnologia, tem de ter o equipamento adequado. O que vimos durante o surto da Sars é que as pessoas rapidamente começaram a usar instrumentos industriais", disse Seffrin, do Infraspection Institute.
Mesmo um sensor de temperatura perfeitamente preciso não necessariamente detectaria todos os portadores do coronavírus. Pessoas infectadas podem levar vários dias para desenvolver uma febre, de acordo com o "New England Journal of Medicine". E os viajantes que já têm febre podem tomar Tylenol para ocultar seus sintomas, às vezes em um esforço deliberado para enganar as autoridades. Na província de Qinghai, na China, a polícia está investigando um homem suspeito de ter passado por postos de controle encobrindo sua febre.
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Ainda assim, Strahan disse que espera que sua empresa ajude a retardar a propagação do vírus, mesmo que seja improvável que as medições de temperatura impeçam o surto completamente.
"Devido à imprecisão de muitos dos sistemas que estão sendo vendidos por aí, a febre pode não ser detectada e a infecção se espalha. É uma situação real, e sinto que estou bem no meio disso", concluiu.
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