A modelo Elisa Freitas, de 30 anos, fez história em 2014 ao ser eleita Miss Mundo Santa Catarina, sendo a primeira negra a carregar um título de miss pelo Estado. Na época ainda não tinha consciência da importância da conquista como um feito que abriria espaço para discussões de padrões estéticos em concursos de beleza. Hoje, a modelo conquistou seu espaço no mundo da moda e consegue ter a dimensão do quanto é importante a representatividade.

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— Eu peguei essa responsabilidade para mim, esse entendimento da representatividade. O que isso significa pra gente é tão lindo, tão potente. Hoje eu consigo contribuir para que mais meninas possam ocupar esses espaços e que verdadeiramente façam parte deles.

A pequena Olívia, de 5 anos, representa neste mês de novembro a cidade de São José no Mini Miss Estadual, tão pouco tem consciência do quanto a referência para outras meninas de sua idade – que possuem um imaginário ainda muito enraizado com padrões de beleza brancos – pode ser determinante para construção de um novo olhar estético.

Com pais racialmente politizados, embora ainda criança, Olívia já demonstra um postura de empoderamento construída, segundo a mãe Cinthia Rosa, num trabalho constante de fortalecimento da autoestima e da autoafirmação.

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— Seguimos nesta caminhada da moda com a Olívia, e ao invés de nos calar ao nos deparar com o preconceito ainda existente, fortalecemos nossos passos em um espaço de luta e ressignificação para outras crianças negras.

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Questões como essa ganham ainda mais visibilidade em datas como o 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, data que lembra da luta de movimentos sociais negros e que homenageia Zumbi dos Palmares, escravo que virou símbolo da luta do povo negro contra a escravidão, mas principalmente data que marca o reconhecimento dos descendentes africanos na constituição e na construção da sociedade brasileira.

E qual a importância de ensinar crianças a valorizar a estética negra?

A professora e psicanalista Jaqueline Conceição amplia a discussão ao colocar que a estética negra vai além do cabelo afro, do nariz largo ou da pele preta, mas inclui um conjunto de valores e significados que falam sobre ser negro.

— Uma criança branca ou negra, vai achar bonita uma estética negra quando ela compreender todos significados daquela estética, por isso, é muito importante ensinar as crianças a ideia da diversidade étnica que existe no mundo. Porque a estética não é só a imagem física, ela é uma compreensão da cultura e tudo que é passado para o sujeito: história, memória, filosofia, cultura e também o corpo.

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São esses valores que constroem a identidade de um povo e são eles que devem ser repassados também no ensino escolar. A Lei 10.639, sancionada em 2003, fala da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo fundamental e médio, o que na prática ainda não é muito aplicado. Mas Jaqueline reforça a importância desse conhecimento.

— Compreender as diferenças para uma cultura de paz e amadurecimento emocional das crianças é fundamental para criar um mundo mais tolerante. E no Brasil o racismo impede que se enxergue de forma positiva. O que se ensina sobre a estética negra é algo negativo. É a escravidão, a dor, essa memória que é real e faz parte da história do país, mas que não é a única memória, não é a única forma de existência nem no Brasil e nem no mundo — observa a professora.

Nesse sentido a representatividade em concursos de beleza ou espaços de poder e visibilidade fortalecem a identidade positiva do povo negro. Essa representação em alguns espaços ainda é recente, mas fruto de uma luta muito anterior.

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Para jovens como a Mariah Mendonça, de 12 anos, que também participa de um concurso de beleza mirim, representando Florianópolis, no Miss Juvenil Universe Santa Catarina 2020, a lista de pessoas negras que são referência de sucesso é longa e traz nomes como Maju Coutinho, Lazáro Ramos, Taís Araújo e Edsoul, profissionais que conquistaram o seu espaço por seu trabalho, mas que também utilizam dele para a ressignificação de conceitos pré-estabelecidos e contribuem para construção de uma identidade negra afirmativa e positiva.

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Segundo Jaqueline, essa identidade positiva não está diretamente relacionada a uma consciência racial, mas é um primeiro passo para a consciência negra se consolidar e passar a ser um veículo importante na forma como as pessoas negras interagem no mundo e de como as pessoas brancas também compreendem as coisas.

— Acho que todo espaço de poder e controle que as pessoas negras conseguem acessar, como nos concursos de beleza, criam um padrão de estética e todo padrão tem um objetivo de controle, quando pessoas negras acessam esse espaço de validação daquilo que é bonito, é importante, se não para desconstrução, para a atenção. Sabe aquela coisa de ficar pressionando algo até que ela se abra e mude? É isso. Eu penso que a participação em concursos, causa essa atenção nas relações sociais e questiona inclusive aquilo que a gente chama de padrão de beleza.

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