*Por Jamie Tarabay e Christina Simons
Ilha Kangaroo, Austrália – A Ilha Kangaroo é a Austrália em miniatura.
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Ela é um paraíso da vida selvagem, com suas próprias variedades de cangurus, equidnas (um tamanduá espinhoso) e cacatuas, bem como de uma população de coalas vista como uma espécie de seguro, caso o desastre atinja a espécie no continente. É um ímã turístico, com pousadas luxuosas e praias repletas de leões-marinhos. É um centro agrícola, produzindo vitela, lã, grãos e mel para fornecedores locais e internacionais.
Agora, a Ilha Kangaroo está irreconhecível. Incêndios florestais que queimaram durante semanas consumiram metade da ilha – mais de 2.070 quilômetros quadrados. Duas pessoas morreram, dezenas de casas foram destruídas e parques selvagens foram transformados em cinzas, enchendo a paisagem com cadáveres de animais. Em uma floresta uma vez repleta da atividade de insetos, aves, répteis e mamíferos, só há silêncio e cheiro de podridão.
"Tudo está morto", declarou Simon Kelly, fazendeiro que perdeu mais da metade de suas nove mil ovelhas e as enterrou em valas comuns.
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Nesta temporada de incêndios inimagináveis na Austrália, talvez nenhum lugar esteja enfrentando questões mais assustadoras sobre seu futuro do que a Ilha Kangaroo.
As operadoras de turismo estão preocupadas com um êxodo de visitantes durante o que normalmente é sua época mais movimentada do ano, um problema que só piorou agora que o coronavírus na China tem impedido as pessoas de viajar. Agora, os agricultores que perderam tudo precisam voltar a formar rebanhos, substituir equipamentos e esperar que a terra se regenere. Muitos dos 4.500 moradores da ilha temem que a comunidade sofra se as pessoas forem trabalhar no continente e nunca mais voltarem.

Antes dos incêndios, que se prolongaram de dezembro a janeiro, a receita da ilha era dividida igualmente entre turismo e agricultura, com cada um deles valendo cerca de 180 milhões de dólares australianos anuais, ou US$ 124 milhões, disse o prefeito, Michael Pengilly. "Isso vai afetar drasticamente os dois setores da economia, e me preocupo muito com o tecido social e econômico da ilha. Se perdermos pessoas, tudo pode acabar ficando diferente. Se você perdeu dez famílias com crianças, são crianças fora das escolas, são crianças fora de clubes esportivos", disse ele em uma entrevista.
Todos aqui sabem que, sem as duas indústrias, a comunidade não pode sobreviver. Mas a população da Ilha Kangaroo, que fica ao largo da costa sul da Austrália, é circunspecta em relação a seus problemas. A agricultura sempre teve altos e baixos, dizem eles. A Mãe Natureza é imprevisível; incêndios às vezes acontecem. Eles encontrarão uma maneira de reconstruir.
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Kelly, cujas ovelhas forneciam lã e carne localmente e para o continente, tem uma atitude filosófica em relação à sua perda. Seu avô derrubou árvores para construir a fazenda em 1936, e, mesmo que nada como isso tivesse acontecido antes, ele não quer culpar alguém pelo ocorrido.
"Isso nos fará recuar alguns anos, mas vamos superar", afirmou ele, carregando folhas de aço corrugado na parte de trás de seu caminhão, com mãos tão grandes quanto um prato. O aço era de um galpão que abrigava dois jipes, uma moto e US$ 20 mil em feno – e que foi consumido pelo fogo.

Pouco antes dos incêndios, Kelly tinha instalado comedouros dourados nos padoques. Os 65 quilômetros de cerca ao redor da propriedade eram novinhos em folha. A fazenda estava sem dívidas, e as coisas estavam indo bem. "Eram as melhores ovelhas, os cordeiros melhores. Foi uma boa temporada. A fazenda como um todo estava melhor do que nunca. E vamos ter de começar tudo de novo", lamentou ele.
As ovelhas, cuja lã ficou preta por causa do fogo, morreram por inalação de fumaça. Vacas presas contra cercas também pereceram. Ao andar por sua propriedade, Kelly encontrou mais animais feridos e os sacrificou, incluindo um coala que não poderia ser salvo e que foi despachado com uma bala rápida na cabeça.
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Dias após o incêndio, amigos vinham para ajudá-lo a enterrar as ovelhas. Kelly e os voluntários fizeram o mesmo em outras dez fazendas próximas, que também perderam tudo. "Nós nos chamamos de exército de ovelhas mortas", contou ele.
Enquanto o fogo devorava sua fazenda, Kelly passou uma noite sem dormir protegendo sua casa das árvores em chamas e das brasas voadoras. Pelo menos 65 outros agricultores perderam a casa e grande parte de seus animais, disse ele.
O prejuízo para a vida selvagem também foi terrível na ilha, muitas vezes considerada a Galápagos da Austrália. Desde que os incêndios terminaram, não houve avistamentos da abelha nativa, a mamangaba. "Infelizmente, se não está extinta, está perto disso. Não importa onde estivessem vivendo, teriam sido queimadas", disse Bill Dunlop, gerente do Parque da Vida Selvagem da Ilha Kangaroo.

Cerca de 30 por cento da população de uma subespécie da cacatua preta, que está essencialmente extinta no continente e que contava com apenas cerca de 500 indivíduos na ilha, também se foram, disse Dunlop. Acredita-se que de 30 a 40 por cento dos cangurus locais morreram, bem como um terço de seus 15 mil coalas.
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Desde os incêndios, o parque da vida selvagem se transformou de uma atração turística em um hospital improvisado para animais.
Recentemente, dentro de uma grande tenda de plástico branco, um voluntário cuidava das patas sangrando de uma fêmea de coala grávida. Quase todas as criaturas lá presentes tinham as patas enfaixadas. Algumas estavam muito atordoadas ou medicadas para se mover; outras tremiam de medo e estresse por causa dos manipuladores.
Grupos humanitários também trabalhavam, vasculhando florestas para coletar coalas feridos nas árvores e retirar os cangurus bebês, chamados joeys, das bolsas de suas mães mortas.

Sam Mitchell, o dono do parque da vida selvagem, arrecadou mais de US$ 1 milhão para ajudar a cuidar dos animais feridos. Mas, sem turistas por perto, ele não tem ideia de como vai continuar a pagar sua equipe, que cuida dos 700 animais que possui aqui. "A indústria do turismo está prestes a morrer", disse ele.
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Os incêndios arrasaram a densa mata da ilha, revelando colinas e outros terrenos que estavam escondidos havia anos. Placas de sinalização feitas de metal derreteram e agora se inclinam para a estrada.
Ainda assim, a Ilha Kangaroo se mantém de braços abertos. Moradores locais e operadoras de turismo estão se esforçando para assegurar ao público que ainda vale muito a pena visitá-la. A maior parte da costa leste permanece imaculada, com águas limpas e frutos do mar abundantes.
"Acho que a Ilha Kangaroo está decidida a permanecer a mesma, mas passará por um momento difícil. Estou confiante em que chegaremos lá, mas haverá muita dor enquanto isso", concluiu Pengilly.
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