Há mais de 60 anos chegava a Blumenau um morador disposto a unir forças para falar, diante de autoridades, sobre um tema considerado “proibido”. Avandié Inácio de Oliveira que, mais tarde, ficaria conhecido como o “Príncipe Negro”, criou a União Cultural dos Homens de Cor na cidade, a UCHC, onde lutava por debates que incluíssem a população negra em cenários de igualdade, sem que houvesse qualquer discriminação. Naquele tempo, vale ressaltar, temas antirracistas ainda eram pouco discutidos na sociedade.

Continua depois da publicidade

Mesmo assim, ele conseguiu encontrar maneiras de ser ouvido e de ganhar destaque em meio ao preconceito escancarado da época.

Receba notícias de Blumenau e região no nosso canal do WhatsApp

Natural de Uberaba, em Minas Gerais, Avandié se mudou para Blumenau em 1961 e, na mesma década, criou a entidade. Cantor e radialista, ele buscava atrair mulheres e homens negros para o grupo organizado, se tornando presidente da “UCHIC” — sigla que passou a contar com a letra “i” depois que os integrantes do movimento se denominaram de “uchiquianos”.

Vestido normalmente com roupas brancas, o Príncipe Negro organizava atividades com um grande público e usava a própria imagem para divulgar a população negra nas cidades de Santa Catarina em que atuava. A partir disso, surgiam congressos, palestras e encontros com a presença de autoridades políticas, eclesiásticas e até militares, por quem Avandié era respeitado.

Continua depois da publicidade

Em maio de 1963, ele conseguiu fazer com que a UCHIC fosse oficializada perante a lei em Blumenau, através da Câmara Municipal. A prefeitura chegou a oferecer um auxílio de 80 mil cruzeiros para a construção de uma sede própria para a entidade no município.

Coreógrafo transforma dança em Blumenau ao acolher pretos em projeto social: “Oportunidade”

O grupo também criou um concurso de beleza como uma forma de mudar o olhar que se tinha da mulher negra, já que ainda costumavam ser relacionadas, de maneira estereotipada, ao trabalho enquanto servas. Nas passarelas, por outro lado, elas se tornavam candidatas a rainha, conforme mandava a competição. E esse era o objetivo do evento.

Para divulgar o Concurso Estadual Cultural e Individual Miss Mulata de Santa Catarina, o Príncipe Negro também criou o próprio jornal da UCHIC, o “Colored”, que teve a primeira edição em 1962. O periódico era voltado para o cotidiano dos negros no continente africano.

Sempre de forma respeitosa e nunca em tom de crítica, os textos elogiavam a comunidade blumenauense ao mesmo tempo em que abordavam, de forma sutil, a presença e força da população preta em Santa Catarina, enaltecendo diferentes personalidades negras.

Continua depois da publicidade

Mais tarde, também foi criado o Kings, outro jornal publicado pelo grupo. O objetivo era que, com esse meio de comunicação, os ideais pregados pelo movimento chegassem com mais agilidade até as pessoas, já que esse meio de comunicação alcançava um maior número de leitores e possíveis membros.

Veja fotos de algumas edições do “Colored”

Na época, a UCHIC se autodenominava como uma entidade que reunia a classe negra, focada, principalmente, nos mais desamparados, onde buscava orientar a população que estivesse em qualquer parte do Brasil, não apenas os catarinenses.

Em 1988, ano em que a abolição da escravatura completou 100 anos no Brasil, também foram comemorados os 25 anos da UCHIC em Santa Catarina. À época, em celebração à data, o embaixador da República do Togo, na África, Dr. Adjaburbú, esteve nas cidades de Blumenau, Brusque e Itajaí por seis dias. Nesse período, ele foi acompanhado por Avandié, que era considerado a “imagem” da entidade.

Continua depois da publicidade

O movimento seguiu atuante em Santa Catarina até o final da década de 1980, quando o Príncipe Negro anunciou que começaria a dar palestras em escolas de Blumenau. O legado, mesmo após sua morte, permanece desde então.

Leia também

Turma com 10 alunos negros se forma na UFSC e celebra conquista: “Continuação de um sonho”

Fotos de meio século mostram como clube negro se fortaleceu em Joinville