A publicitária Laísa Pérez, 31 anos, achava que era ela o problema quando a família pressionava para a maternidade e ela não tinha a mínima vontade de ter essa experiência. Com a ajuda de terapia e da sua rede de apoio, se libertou:
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— Não é um problema. Tenho afilhados, tenho sobrinhos, gosto de criança. Realmente gerar uma vida é algo lindo, mas eu não tenho esse desejo pra mim.
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A decisão foi se construindo aos poucos e hoje não se arrepende da sua escolha. Está feliz e se sente realizada sendo uma esposa dedicada, que viaja, trabalha e foca em sua carreira e nos seus projetos pessoais. Desde criança não se via neste papel durante as brincadeiras lúdicas.
— Eu preferia outras brincadeiras. Eu sempre gostei mais da Barbie profissões do que dos bebês. Eu queria ter a casa da Barbie, o carro da Barbie.
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A história de Laísa está muito atrelada aos estudos que a psicóloga Juliana Baron faz sobre o tema e sobre o que vê nos pacientes que atende em consultório. Ela explica que existem diversos fatores que influenciam a decisão da mulher de se tornar mãe ou não.
Um deles é a sobrecarga imposta a elas no que diz respeito aos cuidados com os filhos. Além disso, ela explica, existe a falta de apoio no ambiente de trabalho para mães e mulheres em idade fértil. Outro aspecto relevante que contribui para essa escolha, é a consciência da complexidade do esforço que envolve ter filhos, especialmente, quando não há uma parceria e uma rede de apoio presente.
Ainda segundo a psicóloga, tomar a decisão de não ter filhos também é um processo complexo, pois envolve a pressão que as mulheres terão que lidar ao longo da vida por não serem mães. A especialista ainda diz que ainda existe muito estigma e julgamento, pois a sociedade assume que ter filhos é uma escolha natural, e quem não a faz é taxado de ruim ou egoísta.
— O mais interessante, para não dizer paradoxal, é que a mesma sociedade que exige das mães uma performance que leva muitas à exaustão é a que condena as mulheres que escolhem não viver essa pressão. No fim, a questão é sempre sobre críticas às escolhas das mulheres.
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“A sociedade espera que você siga um roteiro”
Essa crítica é relatada pelas mulheres que tomam a decisão de não serem mães. A jornalista de 28 anos Daianny Camargo, em sua adolescência percebeu o comprometimento e a dedicação necessária para cuidar de um filho. Assim, decidiu não abdicar de certos pilares de sua vida para se tornar mãe, visto que não se sentia abraçada pela ideia. E a escolha não foi bem vista.
— A sociedade tradicionalmente espera que você siga um certo roteiro de vida: casar, ter filhos e formar uma família nuclear. Quando alguém decide desviar desse roteiro, muitas pessoas reagem com estranheza ou desaprovação. Frequentemente, ouço comentários de que minha decisão é apenas temporária, ou que eventualmente mudarei de ideia. Esse tipo de pressão ignora a validade das escolhas individuais e impõe uma visão limitada do que constitui uma vida plena e satisfatória.
A jornalista frequentemente se sente coagida a dar justificativas sobre sua vida pessoal.

Opção reflete no número de nascimentos
Em Santa Catarina, a taxa de natalidade reduziu 19,3% no período de 2000 a 2024. O número de nascimentos no Estado neste período caiu quase 700 mil. Os dados são do Instituto de Pesquisa e Estatística (IBGE). Para a psicóloga clínica e doutora em Antroposofia Social, Micheline Ramos de Oliveira, essa queda está relacionada à decisão das mulheres de não quererem ser mães.
— A mudança de paradigma trazida pelo feminismo e pela liberdade das mulheres permite que elas escolham se querem ou não ter filhos. Atualmente, os homens também estão repensando essa questão. Isso se deve à crescente conscientização deles como pais e ao entendimento de que têm responsabilidades tão grandes quanto as das mulheres. Portanto, eles também estão refletindo mais sobre a paternidade.
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Não há uma teoria única definida por especialistas que explique esta queda no número de nascimentos desde o início do milênio até este ano, mas a histórica pressão social sobre as decisões tomadas pelas mulheres tem um peso importante.
— Hoje as mulheres têm a clareza de que elas não necessariamente são meras reprodutoras, então elas podem escolher se elas querem ser mães ou não. Elas podem escolher o estilo de vida delas, elas podem escolher a idade que elas querem ser mães. Muitas delas optam pelo lugar da profissão, querem ser profissionais antes de serem mães, daí vão deixando a maternidade para depois e muitas vezes acabam mudando de ideia mais tarde — diz Micheline.
Não ter filhos não significa não ter família
Um dos questionamentos mais comuns que Daianny e Laísa escutam é se elas não tem medo de se sentirem sozinhas. E a resposta é unânime: não.
— As pessoas perguntam quem vai cuidar de mim na velhice. Olha, os filhos, eles não são obrigados a cuidar dos seus pais, né? Claro, se a minha mãe precisar, eu vou estar sempre do lado dela, mas eu não posso pensar em gerar uma vida para isso, não posso ser egoísta a esse ponto. Então, não tenho medo, sou feliz assim — diz a publicitária Laísa Pérez.
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A psicóloga Juliana Baron enfatiza a importância das mulheres encontrarem segurança em suas escolhas, apesar da pressão e julgamento que podem enfrentar até que tais escolhas sejam normalizadas. Além disso, sugere que as mulheres busquem fortalecimento em grupos de pares, destacando a existência de várias comunidades de mulheres que podem oferecer um ambiente acolhedor e respeitoso onde suas vozes são ouvidas.
Daianny cercou-se de pessoas que a respeitam e apoiam suas escolhas, e não se sente sozinha. A jornalista deu um conselho como mulher que vive diariamente com essa decisão: para ela, o mais importante é buscar autoconhecimento e compreender o que realmente a faz feliz e realizada.
— Lembre-se de que sua vida é sua para viver como desejar, e isso inclui tomar decisões que possam não ser convencionais. A verdadeira felicidade vem de ser fiel a si mesma e viver de acordo com seus próprios valores e desejos — aconselha a jornalista.
*Sob supervisão de Raquel Vieira
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