Em seu Samba da Bênção, Vinicius de Moraes refere-se a si próprio como o “branco mais preto do Brasil”, uma constatação (e homenagem) de sua afro-brasilidade independentemente da cor da pele. O poetinha de alma negra acabou por influenciar, sem saber, toda a trajetória de outro branco: Andrew Scott Potter, baterista e percussionista norte-americano, que ainda era bem jovem quando Orfeu do Carnaval (1959), filme baseado na peça de teatro Orfeu da Conceição, escrita pelo próprio Vinicius, estreou em sua cidade natal, Chicago. O longa dirigido por Marcel Camus foi decisivo para o destino do garoto que já sabia tocar os primeiros instrumentos de percussão.

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Aos 64 anos e uma carreira marcada por grandes concertos na cena jazzística de Chicago e Nova York, além de uma sólida trajetória no Brasil, onde vive desde 1986, ele diz com honesta simplicidade que seu chamado de vida é expressar a força da música e da cultura africana. Numa tarde de segunda-feira em Florianópolis, onde mora com a família desde 1992, relembrou sua história musical e resumiu assim seu modo de ver o mundo:

– Cultura não tem alfândega ou passaporte.

Potter começou a tocar bongô e conga aos oito anos. Quando Orfeu do Carnaval foi lançado nos Estados Unidos, o pai escritor e dono de um sebo conseguiu um LP da trilha sonora, que acabou sendo um divisor de águas na vida de Potter. Ainda adolescente o músico começou a tocar bateria e a se entrosar com os jazzistas de Chicago.

– Toquei com muitos músicos negros nos guetos. Na juventude morei perto de um grande bairro negro. E eles me aceitavam. Minha vida social, a dança, foi tudo nesse universo. É parte de mim – conta.

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Potter até aprendeu piano, mas a bateria e percussão sempre tocaram mais seu coração e expressavam melhor as questões de sua alma. Em 1978 mudou-se para Nova York onde integrou a cena musical da cidade. Costumava frequentar uma loja de discos na Rua 46, onde atualizava seu acervo sobre música brasileira. Em 1986 finalmente teve coragem de seguir o destino e o coração, fez as malas e veio para o Brasil. Sabia apenas alguma coisa de português.

– Eu só tinha o contato de uma moça que me levou para o show de Barrosinho, no Rio, que tocava jazz de alto nível. E ele abriu o palco para mim – lembra.

O jazz foi uma das músicas de sua alma, assim como a cubana, africana e, claro, a brasileira. Quando chegou rapidamente fez contato com grandes músicos da cena carioca e também conheceu a mulher, Edileuza Guimarães Machado, cantora e dançarina com quem ainda hoje realiza muitos trabalhos.

Em Salvador conheceu a família dela, que o apresentou as outras facetas da musicalidade afro-brasileira. Curioso, ele ainda foi pesquisar o universo musical de Chico Science e o manguebeat. Em Recife, onde morou por alguns meses, aprendeu até maracatu.

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Em 1992 veio para Florianópolis com a família, com a ideia de criar o filho num lugar tranquilo. Aos 26 anos, Jack Potter segue os passos dos pais e faz um trabalho mais ligado ao hip hop. Mas o trio é incansável e tem uma companhia chamada Bons Ritmos, que realiza diferentes projetos e apresentações de jazz, dança, hip hop e folclore.