Antes das 8h desta sexta-feira, em Cuba, a blogueira Yoani Sánchez já estava de pé, respondendo e-mails. A resposta é curta: “Desculpe a brevidade, meu acesso à internet é curto. Por favor, me ligue”.

Continua depois da publicidade

Como já aconteceu 18 vezes nos últimos quatro anos, o governo cubano novamente negou a Yoani a possibilidade de viajar a países como Alemanha, Espanha e EUA a para receber prêmios e participar de conferências. Desta vez, a negativa é uma viagem ao Brasil, onde ela participaria do lançamento do documentário “Conexão Cuba-Honduras”, para o qual foi entrevistada. A exibição será no dia 10 de fevereiro em Jequié, na Bahia.

A indignação de Yoani é tanta que ela gravou um vídeo, no qual fez um apelo à presidente Dilma Rousseff. Para Yoani, a brasileira é a única esperança para que possa sair e retornar a Cuba. Na manhã desta sexta-feira, ela concedeu entrevista exclusiva a ZH:

Zero Hora – Por que você gravou o vídeo?

Continua depois da publicidade

Yoani Sánchez – A ideia fundamental era enviar uma mensagem humilde desde a pequenez do indivíduo até a presidente do Brasil, a senhora Dilma Rousseff. Em primeiro lugar, porque eu esgotei todos os caminhos legais para que o governo cubano me permita viajar temporariamente. Agora tenho essa oportunidade no Brasil, graças ao convite de Dado Galvão, realizador e diretor de um documentário sobre o estado do jornalismo em Honduras e em Cuba (“Conexão Cuba-Honduras”). Por esse convite, pedi novamente às autoridades a permissão para sair da ilha. Como foi negado, decidi fazer um pedido a Dilma, porque sei que é uma pessoa que sentiu na pele o que é a desproporção de poder entre um governo totalitário e os indivíduos. É uma mulher que foi processada, que esteve na prisão por suas ideias. De alguma maneira, sua história e a minha se parecem, apesar das diferenças de contexto histórico e de ideologia. Sei também que é uma mulher que escuta os rogos e os pedidos e, sobretudo, que é escutada pelas autoridades cubanas. Entre Havana e Brasil, há contatos mais fluidos do que os existentes entre cidadãos cubanos e seu próprio governo. Espero que ela possa interceder e conseguir o que quatro anos de pedidos, solicitações e insistências não conseguiram. Em quatro anos, meu governo já me negou 18 vezes a possibilidade de viajar, sem dar explicações. Se Dilma Rousseff não conseguir desfazer o muro de impedimentos para que eu possa viajar, pelo menos conseguirá uma explicação de por que não me deixam sair.

ZH – Que explicação o governo lhe dá para que não lhe deixar sair?

Yoani – Eles não dão explicações. Todos os cubanos, os 11 milhões de pessoas que vivem na ilha, precisam de uma autorização para viajar, que se chama “permissão de saída” ou, popularmente, “cartão branco”. Esse cartão branco é concedido por uma dependência do Ministério do Interior. Ou seja, esse direito cidadão está nas mãos dos militares. Em todas as negativas que recebi e pedi uma explicação, eles só repetiram uma frase: “Você não está autorizada a viajar”. Eu não cometi nenhum delito, não estou sendo processada judicialmente, nunca trabalhei em um lugar onde haja segredos de Estado, nunca pertenci a um corpo militar. Não haveria nenhum motivo para não me deixar sair. O único motivo, evidentemente, é que sou uma pessoa que se expressa criticamente sobre a situação do país, e uma pessoa que por meio do jornalismo e da palavra, tentar propor mudanças a sua nação. Esse é o motivo, embora nunca o digam.

ZH – Há outro motivo para não lhe permitirem sair de Cuba?

Yoani – Acho que não me deixam sair porque sabem que vou voltar. Isso é importante: não quero me exilar nem me mudar definitivamente a nenhum lugar. As pessoas críticas, os opositores e dissidentes geralmente são empurrados pelo governo, de uma maneira ou outra, à imigração. No meu caso, eles sabem que se viajo, é para ter contato com jornalistas e bloggers que podem me dar muitas ideias tecnológicas, jornalísticas e informativas que eu poderia trazer a Cuba. Uma viagem a qualquer lugar me ajudaria a voltar com muito mais conhecimento sobre minha profissão, o mundo e o que está acontecendo lá fora.

Continua depois da publicidade

ZH – Porque é importante para você viajar ao Brasil?

Yoani – Seria a oportunidade de me encontrar fisicamente com muitas pessoas que me leem, pela internet ou em meus livros, que comentam, por exemplo, os tweets que mando cada dia. Sei que tenho muitos leitores no Brasil, seria a possibilidade de falar com eles, dar conferências, conhecer a experiência brasileiras. Há muitas semelhanças culturais e histórias com Cuba, sinto que os brasileiros se parecem muito aos cubanos. Os brasileiros são como os cubanos, se fôssemos livres.

ZH – Sua passagem seria paga pela organização do festival?

Yoani – Parte será paga com a solidariedade do festival e do diretor, e outra parte com a solidariedade de muitos amigos que tenho no Brasil, que por meio das redes sociais estão fazendo muita pressão para que eu possa viajar. Agora mesmo, há um abaixo-assinado online para que eu viaje ao Brasil. Em três dias, há mais de 500 assinaturas. Também graças a esse abaixo-assinado, a viagem poderá ser paga.

ZH – Que países já lhe fizeram convites para participar de eventos?

Yoani – Tenho um passaporte cheio de vistos, que nunca pude usar. Fui convidada à feiras do livro e jornalismo Alemanha e na Itália. Fui várias vezes convidada para ir à Espanha receber prêmios, participar de festivais e conferências de todo o tipo. Ainda me chamaram da Argentina, do Chile, do Canadá e dos Estados Unidos, para ir à Universidade de Columbia receber um prêmio de jornalismo. Já estive convidada para ir ao Brasil três vezes, e sempre estiveram fazendo pressão para que eu pudesse ir.

Continua depois da publicidade

ZH – Como está Cuba nesse momento? O que pode acontecer no país em 2012?

Yoani – Tenho muitas esperanças, mas elas não estão centradas na vontade política do governo ou de Raul Castro para fazer reformas. Minha esperança está centrada no que o povo pode exigir, na pressão que vem debaixo. Raul Castro quer fazer mudanças, transformações, mas apenas para se manter mais tempo o poder. Mas a sociedade cubana precisa mais, precisa de transformações profundas e rápidas. Não acredito que Raul Castro esteja disposto a isso. Então tenho esperança de que a insatisfação das pessoas e a frustração acumulada possam gerar uma pressão, de dentro e de fora, que obrigue Raul Castro a fazer reformas que ele não quer.

Assista ao apelo da cubana à presidente Dilma Rousseff: