O músico e compositor Paulinho da Viola retorna para Santa Catarina com o show “Na Madrugada” no próximo dia 29, no Centro de Eventos da UFSC, em Florianópolis. A apresentação é dedicada ao pai, que vivo completaria 100 anos em 2019, e também ao parceiro de grandes composições, Elton Medeiros, morto em outubro deste ano. O espetáculo celebra também os 50 anos de lançamento de dois clássicos da obra do sambista, Sinal Fechado e Foi Um Rio Que Passou Em Minha Vida.
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– É sempre difícil quando a gente não tem um show a partir de um conceito, isso não deixa de ser um conceito, mas são 50 anos de história, então é muito complicado selecionar. Não vou há algum tempo a Florianópolis e fazer uma síntese em um show de uma hora e meia é uma tarefa difícil. É claro que têm as músicas que fizeram mais sucesso e que o público sempre curte e que você consegue uma interação maior com o público – revela o músico, que acrescenta o seu critério de escolha.
– Pelo menos duas canções têm 50 anos, mas têm outras mais recentes, e que não são tão conhecidas. A gente tem música que faz sucesso em determinado lugar, mas que não é conhecida no outro. Então o que eu fiz foi isso, levar em conta as músicas que eu gosto de cantar – completa o artista.
No palco, Paulinho tem a companhia da banda formada por Dininho Silva (baixo), Adriano Souza (piano), Mário Sève (sopros), Ricardo Costa (bateria), Celsinho Silva, Marcos Esguleba, Hércules Nunes (percussão) e João Rabello (violão), o filho de Paulinho, que substituiu o avô, o mestre César Faria. A filha Beatriz Rabello também faz uma participação especial.
– Ela gravou há algum tempo o disco Bloco do Amor (2016), que tem três das músicas que estarão no show, mas ela canta músicas minhas também.
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Entrevista
A elegância do samba é algo que está registrado nos clássicos ao longo da carreira. Como você construiu esse estilo e quais foram os mestres na música?
A minha formação teve como base o choro, que era feito pelo meu pai junto com os amigos e também com o Jacob do Bandolim – que foi várias vezes na minha casa, às vezes até para ensaio. Uma coisa que marcou muito eram as reuniões na casa do meu pai – algo muito comum na época –, quando você tinha um músico na família, em torno dele sempre existia uma turma e tudo era pretexto para ter um violão e gente cantando. Também fui muito marcado por alguns clássicos como o cantor chamado Roberto Silva, que gravou vários discos e fazia muito sucesso na década de 1950. Eu escutava algumas gravações dele, de uma série chamada Descendo o Morro. Eram quatro discos, o meu pai participou de alguns deles. Acompanhava meu pai e ficava no estúdio ouvindo, acho que isso me marcou muito.
Cantava sambas de Geraldo Pereira, Noel, daqueles grandes do samba daquela época. Eugênio Monteiro, Orlando Silva, isso tudo teve uma forte influência no meu trabalho. Só me envolvi com escola de samba já adulto. Era um universo diferente daquele que eu era acostumado, porque o samba da escola de samba é totalmente diferente, como hoje é diferente do que se fazia antigamente. Hoje os caras são muito mais rápidos. Tem ciência de muito mais coisa, naquela época, nos anos de 1940 e toda a década de 1950 e 1960, não era assim. Era uma coisa mais fechada, apesar da grande divulgação que tinha no Carnaval. Isso veio de uma transformação. Acho que a minha música foi muito marcada por esse lirismo da época. Quando o rock chegou no Brasil, em 1955, eu e meu irmão não ouvíamos. Quando a Bossa Nova chegou a gente ouvia, mas achava que aquilo não era nosso. Ficamos afastados disso durante muitos anos porque nossa praia era muito diferente. Acho então que tem esse lirismo da música tradicional, da música brasileira e do Rio de Janeiro.
E hoje o que você consome de música?
Eu, por exemplo, tenho um acervo com uns 5 mil LPs. Tenho uma quantidade grande de CDs também. A gente ouve muita coisa, depois de algum tempo comecei a ouvir e conviver com muitos artistas da minha geração que começaram comigo nos festivais, que eram uma porta de entrada. Muitos eu participei. Alguns fiquei perto do primeiro lugar, dois ganhei. Bom, isso tudo foi naquela efervescência da segunda metade da década de 1960, e claro, que a gente ouvia tudo. Convivia com outros artistas. É claro, que você vai saindo de um casulo. Vai saindo da casca e vai convivendo com outras pessoas e o trabalho fica marcado. Naturalmente você segue uma linha e é influenciado por esse ou aquele músico, mas passei a ouvir de tudo. Por exemplo, sempre ouvi Bossa Nova. Conheço gente que deu uma enorme contribuição para isso, convivi com alguns. Então, a gente vai trocando figurinha. As pessoas esquecem que a música brasileira, essa coisa tão rica e variada e de diversos lugares, é uma coisa relativamente nova. Isso tem menos de 100 anos. Em um curto espaço de tempo foi criada toda essa riqueza e esses milhares de artistas. Felizmente têm muitos jovens, principalmente de um tempo para cá, e que apesar de antenados com o que acontece no mundo, através da internet, também se interessam pelo que já foi feito e não só pelo que foi feito aqui, como de outros países. Nossa música é rica, está sempre sendo mexida, alguém sempre acorda e tem uma inspiração legítima. É tanta gente e tanta coisa que não tem como acompanhar, mas tento dentro do possível ouvir. Agora estou em um trabalho de reexaminar os discos que tenho aqui. Eu me surpreendo com coisas que não pude ouvir ainda.
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Existem várias produções no meio disso tudo que se tornam efêmeras.
Inclusive hoje é muito comum a pessoa gravar uma única música, até porque é mais rápido e menos custoso. É uma produção muito grande um álbum inteiro. A grande questão hoje é dos direitos autorais. Até um certo tempo existia um controle daquilo que era produzido, através das gravadoras, das rádios, mas com a internet ficou muito difícil acompanhar toda a produção musical.
Toda essa mudança também deixou as coisas mais complexas para você? O último trabalho foi em 1996.
A partir de um determinado momento, quando saí da antiga Orion, tinha gravado 11 discos, de 1968 a 1979. Depois passei para Warner – num momento que não vale falar agora porque eu perderia muita coisa –, mas foi uma fase de transição dentro da música brasileira. Nesse momento houve uma mudança muito grande até no comportamento e trabalho dos autores. É bom lembrar que no começo da década de 1980 começaram a surgir grupos novos, de uma geração diferente da minha, chamada rock de garagem, que trouxe Legião Urbana, Renato Russo, Paralamas do Sucesso. Foi outro movimento. Até 1983 gravava todo ano e, por uma decisão minha, comecei a produzir de forma mais espaçada. É difícil falar sobre isso, tem uma dinâmica que vem mudando e vim me retraindo e focando mais em shows, viagens e não fiquei muito ligado nessa coisa de fazer disco.
Diminuiu o ritmo de gravações, mas e as composições?
Tenho muitas composições que não foram gravadas, até mesmo por isso, por essa mudança. Se você pensar, tem muita gente produzindo, mas se você for ver, só existe duas gravadoras grandes. Duas que ficaram com todo esse acervo de outras gravadoras. Mas não estou preocupado com isso. Esse momento chega e vou fazer como fiz sempre na minha vida. Nunca chegava com o disco pronto para gravar. Quando eu começava, aquilo ia se multiplicando. Só me dedicava a aquilo, ficava trancado e uma coisa puxava a outra. Muitos dos trabalhos que foram feitos, depois que saia eu não queria ouvir.
Serviço
Paulinho da Viola – Na Madrugada
Quando: 29/11, às 21h
Local: Centro de Eventos da UFSC
Ingressos: a partir de R$ 126,50. Sócio do Clube NSC tem 20% de desconto na compra do ingresso antecipado no site Ingresso Nacional.
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