Quem aí nunca se separou? Todos os dias tem alguém se separando. Você começa um relacionamento e é como se virasse uma ampulheta. A areia do tempo escoa inexorável rumo à separação. Quanto mais os dias, os meses e os anos passam, mais perto você está da separação. E tanto mais dolorida ela se torna. Por que tem de ser assim? Se separar-se é tão trivial, por que é também algo melancólico como um avião que parte? Afinal, a separação é uma conseqüência natural do casamento. Só se separa quem um dia se juntou. Poderia muito bem ser suave. – Amor, vamos nos separar? – Hmmm… Talvez… Passa o açúcar? – Toma. Mas vamos nos separar ou não? Tenho que fazer planos para o fim de semana. – Tá bom. Vamos. Passa o café? Separação sem dor. Eu acredito. Se já existe consulta ao dentista sem dor, por que não haveria separação sem dor? Em vez de sofrer, as pessoas poderiam sublimar o rompimento. Fazer uma festa de separação. Com os amigos de ambos reunidos, as novas vidas do ex-casal seriam celebradas. Todos só recordariam dos momentos bons que os dois ex-casados tiveram. Pela primeira vez, desde que ficaram juntos, eles se comportariam como solteiros. Ela voltaria a ser a loira dourada que ele conheceu durante um certo dezembro. Usaria uma minissaia sumária. Sorriria cheia de coqueteria. Talvez até enrubescesse ao olhar faminto dele. E cruzaria as pernas, que pernas… O coração dele bateria fora do compasso, como da primeira vez que a viu, e a emoção lhe escalaria o peito e se lhe embolaria na garganta. Então, ele de novo a trataria como uma rainha, a sua rainha. Aí, pintaria um clima… Não seria tão bom? Ora, se eles ficaram juntos um dia, é porque há pontos em que as almas deles se tocam e para sempre se tocarão. Ele jamais vai esquecer o pé dela. Vai continuar contando para os amigos, entre chopes e fritas: – Aquele pezinho… Ele é geladinho, ele é compridinho, ele é maciozinho. E é um pé despretensioso, não é um pé empinado, não é um pé arrogante como aqueles pés que emergem de banheiras cheias de espuma. Não. Mas também não é um pé humilde. Nada disso. É um pé que tem consciência do seu poder. Sem presunção, mas com um orgulho de calcanhar liso e tornozelos arredondados e dedos em escadinha perfeita. Eu ficaria 45 minutos sorvendo o perfume da pele delicada entre aquelas falanges, passando a língua pelas falanginhas e sobre as falangetas, sugando aquele mindinho torto e vermelho, reverenciando aquele dedão pequeno e elegante. Como adoro aquele pé! Não é lindo? Que motivo teria força suficiente para despegar esses pontos de contato? Gênios incompatíveis? Não! Uma boa separação abranda as diferenças. Os defeitos se tornam até graciosos. – Sabe aquele suflê de nabo que tu fazias todos os domingos? – Que é que tem? – Eu odiava! Quá quá quá! – Não brinca! E eu te fazia comer e repetir! Quá quá quá! Mas em compensação eu não soltava gases debaixo das cobertas. Quá quá! – O quê! Tu sentias? – Claro! Um nojo! – Quá quá quá! – Quá quá quá! Incompatibilidade, que nada. Infidelidade? De jeito algum. Infidelidade é um problema menor, uma desritmia da paixão. Dói, sim, mas, se houve amor, a infidelidade é superada. Até descontrai, na festa de separação. – Tu me trocaste por aquele tampinha com cara de poodle? Quá quá quá! – E tu, que preferiste aquelazinha que parece um sapo com dentadura. Quá quá quá! – Quá quá quá! Quá quá quá! Infidelidade? Nãnã. Mesmo a infidelidade vira folclore, depois do aparte. O único problema invencível é a deslealdade. Você achava que ela sentia, e ela não sentia. Ela lhe dizia que estava apaixonada, mas já flertava com outro. Ronaldinho e suas juras de amor, Ronaldinho e sua paixão eterna tantas vezes exaltada. Falsidade. Deslealdade. Ele negociava a renovação, tendo assinado pré-contrato com outro. E agora se queixa da separação litigiosa! E agora se diz ofendido. Está equivocado, o Ronaldinho. Não dá para perdoar. Para Ronaldinho, os rigores da lei. Com Ronaldinho não tem festa de separação. david.coimbra@zerohora.com.br
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