Foi da pequena Thaissa, de 10 anos, o pedido mais genuíno do Réveillon nos altos do Morro do Mocotó, no Centro de Florianópolis. A menina quer que 2017 seja de muito amor e união entre sua família e todas as demais. Sentimentos que não faltaram nos festejos da virada do ano na casa da filha da Margarete e do Sérgio, casal que recebeu a equipe da Hora de Santa Catarina para se despedir de 2016 e celebrar a chegada do novo ano diante de uma vista espetacular da Capital e do show de fogos da Avenida Beira-Mar Norte.

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Uma passagem de ano regada a cerveja gelada, churrasco e muito samba, entremeado com funk, sertanejo, tortas frias, doces e espumantes. Mas acima de tudo, um Réveillon de compartilhamentos, em que o amor e a união pregados por Thaissa começaram a se materializar horas antes da virada de ano, quando Margarete Julia Bittencourt Costa, a Maga, 42 anos, trocou pratos de torta fria com a vizinha Cíntia Hernandez.

— Aqui é assim, todo mundo se ajuda. Desde que me conheço por gente acompanho as viradas de ano no Mocotó e sempre existiu essa cumplicidade entre os moradores, essa coisa de ajudar com o que for, desde coisas simples, como uma xícara de açúcar, até pratos prontos inteiros — destaca Maga, ao lado da mãe, dona Izolete Maria Bittencourt, 67 anos.

Os brindes, durante o espocar de fogos de artifício, eram feitos em conjunto pela vizinhança nas lajes, varandas e vielas do Mocotó. Uns iam entrando na casa dos outros, para juntos participarem da ceia, além de dançar, rir e celebrar. Os pedidos para 2017 não variavam muito entre si, e em todos tinha o anseio de que não falte saúde e trabalho para que o povo da comunidade siga firme na luta diária que é viver.

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Emprego, aliás, é algo que tanto Maga, como seu marido, Sérgio Renato da Costa, 33 anos, precisam encontrar com urgência em 2017. Desempregados, ela, que é técnica em enfermagem, e ele, eletricista, se viram como podem em bicos pelo Mocotó e outras regiões do Centro de Florianópolis. Maga cata latinhas e papelões, além de vender roupas. Sérgio faz serviços elétricos em casas do morro. Ambos querem um trabalho formal no ano que acabou de começar:

— Preciso muito arrumar um emprego, e espero que este ano consiga. Quero trabalho, mas também saúde e paz — afirma Sérgio, o assador do churrasco que também mostrou outros dotes culinários ao preparar o pavê que a família se deliciou nos primeiros minutos de 2017.

Família do samba

Nem a chuva que insistiu em cair em mais uma virada de ano em Florianópolis esfriou os ânimos de quem passou o Réveillon no Mocotó. Muitos menos o ânimo das crianças, principalmente Thaissa e seu irmãozinho Thiego, de um ano e cinco meses. 

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O menino chegou a sucumbir ao sono, momento em que foi providenciado um colchão para ele descansar enquanto a família celebrava a vida. Bastaram, contudo, os primeiros fogos e rojões soltos à meia noite e Thiego despertou. Antes mesmo das bombas estourarem, ele balbuciava “bum”. Com o samba rolando, o menino dançava, como a anunciar que um Bittencourt ele é.

— Aqui em casa todo mundo é do samba, mas as escolas são divididas entre a Copa Lord e a Protegidos da Princesa, assim como no futebol, onde eu sou Figueira e o meu marido é Avaí — conta Maga.

Thaissa sambou a noite inteira. A garota, que já desfilou por três anos como passista da Copa Lord na Passarela Nego Quirido nos carnavais do grupo especial, torce para que Florianópolis tenha desfile das escolas de samba no próximo Carnaval. Não quer interromper a sequencia de saídas na passarela.

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— Gosto muito de desfilar — resume, ao lado da avó, outra que desfila pela Copa Lord, só que na Velha Guarda da escola que é a segunda mais antiga de Florianópolis. Na mesma escola, Maga é ritmista e toca chocalho. Já Sérgio toca caixa.

Até Thiego, com menos de um ano e meio de vida, mostra que tem o samba no sangue. Além de dançar e tentar cantarolar quando ouve um sambinha, o pequeno tocou caixa, com um batuque inconstante mas firme, no instrumento com o escudo da Embaixada Copa Lord — escola de samba que nos Bittencourt não conquistou apenas o pai e os três irmãos de Maga, estes todos Protegidos da Princesa.

Economia na ceia

Não foi apenas o Réveillon da Beira-Mar Norte que teve redução de custos, com menos fogos, investimentos e duração do espetáculo. Na casa de Maga a ceia foi mais econômica, diferente dos dois últimos anos, quando em um deles inclusive a família se deu ao luxo de contratar um buffet. Apesar da contenção, Sérgio preparou um belo churrasco, mesmo prato principal dos vizinhos Hernandez, aqueles que trocaram pratos de torta fria com os Bittencourt.

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— A gente não vai deixar de comemorar, mas comemora gastando menos — ensina Maga.

Após a meia noite, já com alguns vizinhos chegando e se acomodando para o restante da noite, a torta fria de Cíntia, o pavê de Sérgio, a lentilha que é superstição da família, assim como as uvas, e outras frutas e doces que fechariam a madrugada do primeiro dia do ano na casa de Maga, eram todas postas à mesa.

— Agora é para fechar essa noite linda — repetia a anfitriã da Hora, Maga.

De ex-morador de rua para dono de uma das melhores vistas do Mocotó

Em 2013, quando chegou em Florianópolis, Richard Hernandez, 39 anos, nascido no Rio Grande do Sul e criado no Uruguai, morava na rua. Ele chegou no 2° dia do maior apagão da história da Capital, em outubro daquele ano, quando toda a Ilha ficou 55 horas sem luz. 

Perambulava em noites mal dormidas entre a Praça da Alfândega e debaixo das pontes Pedro Ivo Campos e Colombo Salles. Assim ficou quase dois anos. Até que conheceu um paulista no mesmo ramo em que já vinha tentando ganhar a vida: a reciclagem de latinhas e papelão. 

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— Esse meu amigo morava aqui no Mocotó. Ele me ajudou fazendo com que eu trabalhasse com ele, e conseguíamos juntar e vender bastante latas e papelões. Em seguida viemos morar no Mocotó, e seguimos trabalhando, trabalhando, até que hoje tenho a minha casinha própria aqui no morro — conta Richard, que hoje trabalha de carteira assinada como eletricista há cinco anos na mesma empresa. 

Também faz extras como eletricista particular. Vê com orgulho o crescimento da filha Sarah, sete anos, e de Davi, um ano e três meses, bem abrigados na casa da família. Sobre 2017, deseja duas coisas:

— Muita saúde e muito trabalho — falou, enquanto diferentes pedaços de carne assavam na garagem de casa sob uma espessa fumaça. Com a chuva, a churrasqueira do pátio não pode ser usada. Nada, porém, que afetasse o churrasco assado pelos amigos uruguaios que o visitam pela primeira vez em Florianópolis. 

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O espetáculo dos fogos do alto do Mocotó

Para os moradores do Mocotó não restam dúvidas: a vista do lugar é a melhor a cidade. Com as baias Sul e Norte, as pontes Pedro Ivo, Colombo Salles e Hercílio Luz emoldurando o referencial de união entre Ilha e Continente, do Mocotó é possível ver com clareza um pouco de alguns dos principais elementos da cidade. 

Próximo da meia noite, o povo começou a sair de casa e se dirigir para locais do Mocotó onde se pudesse visualizar melhor o espetáculo dos fogos na Beira-Mar Norte. Um desses locais era ao lado da casa de Maga, onde dezenas de pessoas viram o nascer de 2017.

— O pessoal vem para cá porque sabe que daqui dá para ver tudo, assim como boa parte da cidade — dizia Maga. 

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Quem estava mesmo impressionado era o uruguaio Eber Hernadez, primo de Richard, que veio de Melo, no Uruguai, e chegou na casa do amigo na tarde do dia 31. Simpático, Eber não cansava de dizer: “que vista linda”. 

Pelos próximos sete dias, ele terá o prazer de ver o visual da virada todos os dias ao acordar.

— Muito lindo esse show daqui de cima — concluiu.