Frequento um comércio de mês em mês e o dono é uma figura meio irritante, mas a qualidade do serviço me serve bem, então, relevo, conto até dez a cada um dos seus comentários sobre as coisas do dia a dia e vamos em frente. Ele tem ponto de vista para tudo, solução para tudo, é crítico de tudo – de assuntos de Brasília ao Oriente Médio, passando pelas coisas da paróquia. Não lê, não entra nos sites mais atualizados e confiáveis. Vai pelo que encontra nos grupos, escuta e no “ouvi falar”. E dá-lhe lição de moral em cima de qualquer tema.
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Há dias, enquanto atendia-me, perguntou-me se tinha assistido a um determinado evento na TV a cabo. Disse-lhe que não, que na minha TV não passou, para ver este programa especificamente eu teria que ter comprado um pacote adicional que no momento não me interessa etc.
Ele pareceu se assustar e disse:
– Você não tem? Eu assisto tudo na minha TV. Eu tenho “skygato”. Tenho gato.
“Gato”, bem sabemos, é a gíria para pegar energia sem pagar, água, sinal etc.
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Aí, foi minha vez de lançar-lhe um olhar de espanto. Ora, ora, então o senhor sabe-tudo, crítico de todos, moralizador implacável, não resiste a uma vantagenzinha, favorecer-se de uma clandestinidade? Não o repreendi, a pessoa é livre para fazer o que acha melhor, cada cabeça uma sentença, apenas expressei o espanto ao comparar seu recorrente discurso moralizante e sua revelada prática. Por tudo que ele prega, botando pitaco conservadores em tudo, espantei-me. Ora, ora, senhor José das Couves: calça de veludo, bumbum de fora. Bonito, né?
Lembrei-me dele ao ficar preso no congestionamento tradicional da BR-280 no domingo e ser, novamente, ultrapassado por mais de dezena de motoristas que usavam o acostamento para avançar algumas casas no jogo de paciência que é a estrada nestas horas, em flagrante e conhecido desrespeito a todos que ali enfrentavam a mesma espera. É do comportamento humano, fazer o quê?
Provavelmente, estes num momento têm discursos politicamente corretos e moralizantes sobre tudo que é tema, remédio para a política e o futebol, certinhos como os heróis de capa e espada. Triste vem a ser que, na hora da prática e dos bons exemplos, como o sujeito do “gato”, uns poucos revelam-se ligados ao faça o que digo, não faça o que faço. Tem disso.
Pena, porque o que melhor nos qualifica é a coerência entre dizer e fazer.