O avançar da idade pode trazer, além de inúmeras experiências e algumas mudanças no corpo, uma bagagem de culpa atrelada ao envelhecimento. No caso das mulheres, principalmente, passar dos 30 e poucos anos representa, para muitas, deixar para trás sonhos e oportunidades que não são mais alcançáveis. Como se houvesse um tempo certo para cada etapa da vida, os julgamentos invadem lares e destroem expectativas por se basearem em padrões estabelecidos pela sociedade e considerados inquestionáveis.
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Com isso se define, por vezes, até mesmo uma idade ideal para se tornar mãe. Mas em Blumenau — e em outros lugares de Santa Catarina — há quem não se intimide com tantas regras e normas. Afinal, quando a vontade de ter um filho é genuína, nem a faixa etária é capaz de impedir esse desejo e, em alguns casos, o próprio universo parece dar uma “forcinha” para fazer tudo acontecer no tempo certo.
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Mesmo engravidando pela primeira vez aos 31 anos, Raquel Stumpf Bernardes sentia que ainda precisava passar por um tipo de “parto” diferente. À época, a gestação tranquila e planejada trouxe ao mundo o jovem Otávio, que já pedia aos pais por um irmãozinho quando era criança.
Raquel e o marido estavam dispostos a aumentar a família, assim como o filho tanto queria, mas o casal pretendia fazer isso de um jeito diferente. Isso porque a adoção já estava nos planos de Raquel antes mesmo de ela se relacionar com Rafael Marcos Bernardes, com quem convive há 23 anos. Ainda que não conseguisse prever o futuro, a moradora de Blumenau sabia que esse momento chegaria quando surgisse a oportunidade.
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— Eu sempre quis adotar. É um sentimento que tenho desde a minha adolescência, só não sei dizer o porquê — relembra.

Só que, primeiro, a ideia teve de ser amadurecida pelo casal até que pudesse ser, finalmente, colocada em prática. Cinco anos depois do nascimento de Otávio, o casal decidiu que era hora de embarcar nesse desafio, juntos. Os dois deram início ao processo de adoção, organizaram os documentos necessários e participaram de avaliação psicossocial, tudo conforme mandava a lei.
Aprovados pela Justiça, Raquel e Rafael entraram para a listagem de adoção, onde permaneceram à espera de uma criança. A demora para ter o segundo filho nos braços, no entanto, fez com que o casal perdesse as esperanças durante o processo, mas nem por um segundo os dois pensaram em desistir.
— Embora o nosso perfil fosse abrangente, já que não definimos etnia, gênero e também aceitávamos crianças com deficiência, ainda assim ficamos sete anos e meio na fila — relembra Raquel.
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Conforme consta no Sistema Nacional de Adoção, do Conselho Nacional de Justiça, há, atualmente, cerca de 4,6 mil crianças e adolescentes esperando por adoção no Brasil. Hoje, uma família adotiva pode ser constituída por pai e mãe, mãe ou pai solo, duas mães ou dois pais, contanto que atendam às exigências previstas na lei.
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A idade mínima para se habilitar à adoção é 18 anos, independente do estado civil, mas desde que seja respeitada a diferença de 16 anos entre quem deseja adotar e a criança a ser acolhida.
No caso da família de Blumenau, a pequena Maria* só foi ao encontro dos pais adotivos depois de sete anos de espera. Antes desse momento chegar, porém, Raquel já estava prestes a completar 40 anos de idade e o receio de nunca ter o segundo filho que tanto queria levou o casal a tomar uma decisão bem diferente da planejada.
Era hora de tentar engravidar novamente.
Uma gestação aos 40 anos
Não demorou muito para Raquel descobrir que carregava no ventre mais um bebê. Naquele momento, já tinham se passado 10 anos desde a primeira gestação, aos 31, quando nasceu Otávio. Mesmo assim, desta vez a moradora de Blumenau se sentia ainda mais confiante e corajosa para ser mãe de segunda viagem.
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Logo no início da gravidez, ela decidiu que queria ter o filho em casa, perto do marido e do primogênito, que teria a oportunidade de acompanhar de perto a chegada ao mundo do próprio irmãozinho. Raquel estava ciente que, por conta da idade, a ideia poderia não dar certo, mas depois de passar por mais uma gestação tranquila, foi liberada pela médica para fazer o parto humanizado. E a experiência foi ainda mais bonita do que ela imaginou.
Veja fotos do parto humanizado
— Deu tudo certo, fizemos um parto domiciliar com parteira, com doula, avós e toda a família. Até hoje a gente nunca entendeu como coube tanta gente dentro de um banheiro só — relembra a mãe, aos risos.
O ano era 2018 quando o pequeno Érico nasceu rodeado de amor dentro da própria casa. À época, Raquel estava prestes a completar 41. Naquele momento, a família até parecia completa, mas ainda faltava algo — ou, no caso deles, alguém. Uma menina que nem sequer conheciam ainda estava prestes a ir ao encontro do casal quando menos esperavam.
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E foi assim, com uma notícia surpresa na madrugada de um 16 de junho, que a história da pequena Maria se une à de Raquel.
Um “terceiro parto” um pouco diferente
O que muitos chamariam de coincidência, a moradora de Blumenau prefere intitular como destino. Já faziam dois anos desde o nascimento de Érico, segundo filho biológico do casal, e, assim como mencionado anteriormente, Raquel e o marido não tinham mais esperanças de conseguirem adotar uma criança.
Naquele momento, eles estavam focados em acompanhar a gestação da cunhada de Raquel, que estava prestes a dar à luz uma menina no hospital. Enquanto a mulher permanecia na maternidade naquela madrugada de 16 de junho de 2020, o restante da família dela aguardava por notícias de casa.
Por ser tarde, Raquel acabou pegando no sono junto com os filhos e, ao deitarem na cama, sequer imaginavam que, assim que abrissem os olhos novamente, uma notícia mudaria completamente a vida de todos eles.
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— De repente eu acordo com o Rafael me chacoalhando, o rosto inchado, chorando, e eu primeiro pensei que tivesse acontecido algo com a minha cunhada. Até que ele colocou o celular no viva-voz — relembra Raquel.

Do outro lado da linha, uma mulher se identificou como assistente social. Aos futuros papais, ela contou que havia uma menina no topo da lista de adoção e que, se o casal desejasse, poderia ser apresentada à eles.
Enquanto tentavam conter as lágrimas, Raquel e Rafael aceitaram a proposta sem nem hesitar. Afinal, aquele era o momento pelo qual tinham esperado por tanto tempo e, até hoje, aqueles minutos são lembrados com alegria pela moradora de Blumenau que descobriu por uma ligação que seria mãe novamente, do jeito que sempre sonhou.
— Foi um tipo de parto totalmente diferente. Esse eu digo, inclusive, que foi do Rafa, porque ele quem recebeu primeiro a notícia, que ficou nervoso, teve tremedeira. Foi muito engraçado — conta Raquel.
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A mãe também recorda que bastou cruzar o olhar com uma foto da menina, antes mesmo de vê-la pessoalmente, para ser “amor à primeira vista”, como ela mesma menciona. Depois disso, o casal teve de passar pelo processo de adaptação, onde conheceram melhor a criança, e, cerca de três meses depois, a pequena Maria que, hoje, tem sete anos, já tinha se tornado, oficialmente, parte da família.
E foi a partir dali que Raquel virou mãe de três filhos no auge dos 40 anos de idade.
Os medos e angústias vividos por uma mãe
Com a experiência de ganhar outros dois filhos depois dos 40, a moradora de Blumenau buscou ficar rodeada de pessoas que a entendessem e a ajudassem naquela jornada desafiadora. Com uma rede de apoio, ela seguiu com acompanhamento de profissionais e, hoje, aos 47 anos, ainda busca fazer exercícios físicos todos os dias para manter o “pique” das crianças.
— O teu corpo sente, obviamente. Eu lembro que na primeira gestação eu estava na reta final bem mais ativa do que na segunda. Cansava muito também, mas nada que fosse muito assustador — relata.
Quando o medo surgia, ele acabava sendo substituído pelo sentimento de realização, já que se tornar mãe sempre foi um sonho para Raquel. Por gostar muito de ficar perto de crianças, ela decidiu, inclusive, seguir na profissão de pedagoga, onde teve a oportunidade de conviver com alunos que foram frutos da adoção.
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Nesse período, ela conheceu histórias que despertaram ainda mais o desejo de ter um filho adotivo e proporcionar um lar cheio de carinho para quem buscava por uma família. Era um amor que ela queria sentir também e não pretendia desistir tão fácil da ideia.

Situação que não anula, porém, o sentimento de mulheres que não pretendem ter filhos e que têm todo o direito de seguirem com outros sonhos e objetivos, conforme ela mesma ressalta.
— A gente romantiza muito esse negócio de achar que toda mulher tem instinto materno, o que não é bem assim. Mas eu sempre tive muita afinidade com crianças e me identificava demais com essas famílias [que escolheram a adoção]. Então foi um desejo que foi sendo nutrido. Fico muito feliz de ter conseguido realizá-lo — conclui.
Ainda assim, não significa que Raquel vive a trajetória enquanto mãe sem qualquer pavor ou insegurança vez ou outra. Muito pelo contrário. Para ela, ser mãe é entender que muitos momentos serão marcados pela vulnerabilidade e que nem todas as atitudes terminarão em acertos. Afinal, não tem como ser a “mãe perfeita” e Raquel sabe bem que essa é uma tarefa praticamente impossível:
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— O medo, a insegurança e a culpa nos perseguem desde o momento em que você está grávida até tu deixar de existir. Acho que não tem como dissociar a maternidade dessas questões. Eu tenho um grupo de amigas e a gente sempre fala que “nasce uma mãe, nasce uma culpa”. Até por conta de tudo aquilo que a sociedade nos impõe enquanto mulher. Isso ainda é muito forte. Então, por mais desprendida de certos valores e normas sociais, a gente sempre vai ter um modelo de mãe. E, inconscientemente, a gente se culpa muito quando não consegue atingir esses padrões — comenta.

Segundo ela, por mais conhecimento que tenha com crianças — principalmente por causa da profissão — é comum que ela duvide da própria capacidade enquanto mãe, independente da fase que os filhos estejam passando. Seja na infância ou adolescência, ela precisa lidar com os desafios e medos de cada etapa.
E a moradora de Blumenau tem ciência de que isso vai perdurar por toda a vida. Afinal, desde o momento em que teve o primeiro filho, ela deixou de ser “só” a Raquel. Agora, ela também virou a “mãe do Otávio, do Érico e da Maria”, o que está longe de ser um problema para a mulher que já se enxergava como mãe antes mesmo de conhecer o amor materno.
— É quase como uma extensão de ti, é muito louco. Vai ter um ser ali que vai depender de ti por longos anos. E são vários sentimentos porque é algo que te assusta, te motiva, ao mesmo tempo que te desafia. É inexplicável.
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Uma experiência que, segundo ela, pode ser facilmente comparada a uma montanha-russa: apesar dos altos e baixos, dos picos de adrenalina e do medo passageiro, o fim da travessia te faz ter certeza de que tomou a decisão certa ao embarcar nessa aventura.
*O nome da criança foi preservado em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
** Sob supervisão de Leo Laps
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