Adriana tinha 28 anos e estava grávida de cinco meses quando foi morta com um tiro durante os protestos contra o governo venezuelano em 2014. Aos pés de seu túmulo, Manuela clama: “sou uma mãe e uma avó que pede justiça”.

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Cansada de tanto perguntarem se culpa o governo ou a oposição, Manuela Pérez deseja que o assassino não seja amparado por uma lei de anistia que a maioria opositora no Parlamento planeja aprovar no primeiro debate de terça-feira, ainda que o presidente Nicolás Maduro já tenha afirmado que a vetará.

“Sempre insisti em não politizar este assunto. O crime de minha filha não é um crime político”, disse à AFP, enquanto enchia três vasos com água onde depositaria flores frescas.

Passaram-se dois anos desde o início das revoltas que deixaram 43 mortos e 878 feridos, entre opositores, chavistas e cidadãos apartidários, como Adriana, que, naquele dia, somente passava pela barricada, nos arredores de Caracas.

A anistia “não pode amparar um delinquente como o que matou minha filha”, insiste Pérez, que pensa em apelar a pena de 17 anos de prisão contra o assassino. Para ela, só haverá justiça quando lhe derem a máxima de 30 anos.

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A polarização política que a Venezuela vive criou uma confusão sobre quem a anistia irá amparar.

A oposição disse buscar a liberdade de aproximadamente 75 presos políticos, entre eles o opositor Leopoldo López, condenado a quase 14 anos de prisão, acusado pelo governo de incitar à violência nos protestos que exigiam a saída de Maduro do poder.

O oficialismo rejeita o projeto, ao assegurar que beneficiará “terroristas” e “assassinos” – como López é considerado – responsáveis pelas chamadas “guarimbas”, isto é, barricadas incendiárias que obstruíram ruas e avenidas nos protestos entre fevereiro e maio de 2014.

“Vítimas da repressão”

Nancy Márquez apoia a proposta porque afirma excluir funcionários violadores dos direitos humanos, como os agentes da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), envolvidos com o assassinato de seu irmão. O problema, afirma, está na impunidade.

“Os que atacaram meu irmão estão evadidos de justiça (…) são identificados como livres”, declarou à AFP no apartamento que viveu José Alejandro Márquez (45) até o dia de sua morte.

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Sem pista alguma de quem assassinou seu filho de 26 anos, Derek Redman espera que a oposição “não se equivoque” ao escolher quem será beneficiado pela lei.

“Queria que os jovens saíssem às ruas com plena liberdade para exercer seu direito de expressão”, comentou Redman na sala de sua casa, onde construiu um altar com imagens de São Judas Tadeu, o Espírito Santo e a bandeira venezuelana que Roberto levava em sua mochila no dia que morreu com um tiro na cabeça.

Na missa em recordação ao segundo aniversário da morte de Bassil Da Costa (24), na última sexta-feira, sua mãe Jeneth Frías rezou para que sejam condenados os uniformizados da polícia política acusados de assassinato.

A esposa de López, Lilian Tintori, e sua mãe Antonieta Mendoza, assistiram à liturgia.

Márquez, Redman e Frías integram o Comitê de Vítimas contra a Repressão, um grupo que começou a passear pelos corredores da Assembleia Nacional quando a oposição assumiu a maioria em janeiro.

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“Vítimas das guarimbas”

A tenente da GNB Yendry Velázquez se tornou uma das fundadoras do Comitê de Vítimas das Guarimbas – pró-governo -, depois que seu esposo, o capitão Ramzor Bracho, morreu baleado enquanto continha uma manifestação no estado de Carabobo (norte) em março de 2014.

Convencida de que a anistia é uma “lei de impunidade”, Velázquez disse à AFP que os dois jovens acusados pelo assassinato de Bracho desconheceram as acusações quando o projeto chegou ao Parlamento há algumas semanas.

“No início, assumiram os fatos, mas agora dizem que estão sob julgamento político porque são opositores. Esta lei quer nos obrigar a esquecer nossos mortos”, lamentou.

Um dos falecimentos mais polêmicos foi o de Elvis Durán (29), que andava em uma motocicleta quando colidiu com um fio percorrido de ponta a ponta em uma avenida de Caracas.

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Seu pai, Luis Durán, assegura que a lei “está feita sob medida” para Leopoldo López: “meu filho não governava este país, não tinha porquê pagar com sua vida a ambição desmedida de um político”, declarou.

Das 43 mortes, 33 eram de civis e 10 de funcionários (policiais, militares e um promotor). Os tribunais proferiram sentenças em cinco casos, outros sete foram indeferidos e um foi arquivado. As famílias ainda pedem por justiça.

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